Mostrando postagens com marcador Rapsódias Revisitadas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rapsódias Revisitadas. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 8 de março de 2024

Rapsódias Revisitadas – A Entrevista

 

Análise – A Entrevista

Resenha - A Entrevista
Lançado em 1966 e dirigido por Helena Solberg, o curta documental A Entrevista se estrutura ao redor de várias conversas de mulheres de classe média alta, com idades variando entre 19 e 27 anos. Essas mulheres falam de dilemas caros à época, como o papel da mulher na sociedade, entre o que se espera delas e o pensamento ainda em construção sobre sexo, casamento, virgindade, formação profissional, emancipação e outros temas do cotidiano feminino da época.

As vozes dessas mulheres estão fora de quadro, já que elas não quiseram mostrar seus rostos ou nomes no filme. Uma decisão compreensível considerando que em 1966 mulheres falando de sexo ou o desejo de uma carreira eram temas relativamente tabu e serem vistas conversando sobre isso poderia afetar a reputação das entrevistadas. Enquanto ouvimos essas entrevistas, o filme nos mostra fotografias de diferentes mulheres e imagens de uma mulher se preparando para seu casamento. A noiva é a cunhada da diretora, Glória Solberg, e é a única entrevista com som sincrônico, em que vemos a pessoa que está falando.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Rapsódias Revisitadas – Sindicato de Ladrões

 

Crítica – Sindicato de Ladrões

Análise – Sindicato de Ladrões
Em uma determinada cena de Sindicato de Ladrões, o protagonista menciona que ter uma consciência é algo que pode levar uma pessoa à loucura. O filme seminal de Elia Kazan estrelado por Marlon Brando comemora seus 70 anos de lançamento em 2024 e suas reflexões sobre consciência de classe e manter seus princípios diante da corrupção ao nosso redor seguem válidos.

A trama acompanha Terry (Marlon Brando), um ex-boxeador que passou a trabalhar para os mafiosos que controlam o sindicato dos portuários em New Jersey. Quando uma pessoa próxima a Terry é morta por falar contra esses corruptos líderes sindicais e Terry se aproxima da irmã do morto, o ex-boxeador começa a se questionar se proteger esses mafiosos é mesmo a melhor escolha. A narrativa é levemente baseada na história real de um portuário que tentou derrubar o sindicato corrupto de onde trabalhava, mas se na vida real ele fracassou, na ficção Kazan tece uma trama que nos lembra da força que os trabalhadores tem quando se unem, mesmo que seja contra suas supostas lideranças.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Rapsódias Revisitadas – A Negação do Brasil

 

Crítica – A Negação do Brasil

Review – A Negação do Brasil
O debate sobre representatividade negra no audiovisual tem recebido bastante atenção nos últimos anos, mas no meio da arte ele já era objeto de discussão faz muito tempo. Lançado em 2000 o documentário A Negação do Brasil, de Joel Zito Araújo, visa discutir as presenças e ausências da representação negra nas telenovelas brasileiras, mostrando como desde os anos 60 artistas negros já tentavam dar mais visibilidade a pessoas negras na teledramaturgia e a luta para isso desde então.

Recorrendo a entrevistas, imagens de arquivo e narrações feitas pelo próprio diretor o documentário argumenta que a pouca presença de negros na televisão e o tipo de representação feita dos negros nesses meios produz uma dupla negação da realidade social brasileira. De um lado a pouquíssima presença de negros em telenovelas seria uma negação da fatia que os negros ocupam da população brasileira. Por outro, as representações estereotipadas ou condescendentes que reproduziam a ideia de uma democracia racial plena negavam a pervasividade do racismo no nosso cotidiano e como isso afeta a população negra.

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Rapsódias Revisitadas – O Estranho Mundo de Jack

 

Análise Crítica – O Estranho Mundo de Jack

Review – O Estranho Mundo de Jack
Embora muita gente pense ser um filme dirigido pelo Tim Burton, a animação stop motion O Estranho Mundo de Jack foi produzida pelo diretor e escrita a partir de um argumento desenvolvido por ele. A confusão, no entanto, é compreensível, já que o nome dele era sempre usado na divulgação quando o longa foi lançado em 1993 e também porque ele tem vários elementos que encontrávamos nos filmes do diretor ali no final da década de 80 e início dos anos 90.

A trama se passa na Cidade do Halloween, um lugar habitado por criaturas que vivem para assustar e trazer o Halloween para o nosso mundo. Se destacando entre os habitantes está o esqueleto Jack, considerado o Rei Abóbora e principal referência da cidade em sustos. Apesar de ser admirado por todos na cidade, passar ano após ano pensando apenas no Halloween faz Jack se sentir vazio. Vagando pela floresta nos arredores da cidade, Jack encontra portais para as cidades de outras datas comemorativas e entra na Cidade do Natal. Lá ele se encanta pelas luzes e cores natalinas e decide que o próximo Natal será feito por sua cidade. A questão é que os aterrorizantes habitantes da Cidade do Halloween não entendem exatamente o espírito natalino e veem tudo como mais uma oportunidade de assustar.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Rapsódias Revisitadas – Jamaica Abaixo de Zero

 

Resenha – Jamaica Abaixo de Zero

Review  - Jamaica Abaixo de Zero
Perdi as contas de quantas vezes assisti Jamaica Abaixo de Zero na Sessão da Tarde na TV quando criança. Eu gostava tanto do filme que cheguei a gravar o filme VHS pra rever quando quisesse. Como em 2023 ele comemora 30 anos de seu lançamento em 1993, resolvi falar um pouco sobre ele.

A trama se baseia na história real da formação de uma equipe jamaicana de corrida trenó para as Olimpíadas de Inverno de 1988. Um esporte de inverno em uma ilha tropical é uma ideia tão insólita que é fácil entender porque a Disney quis transformar isso em filme. No filme a narrativa é centrada em Derice (Leon) um velocista que sonha em representar o país nas Olimpíadas. Quando um acidente na classificatória tira de Derice as chances de competir, ele busca outras alternativas ao sonho olímpico. É aí que ele conhece Irv (John Candy), estadunidense radicado em Kingston que anos atrás tentou convencer o pai de Derice a formar uma equipe de trenó com velocistas jamaicanos. Apesar de afastado do esporta há décadas, Irv relutantemente aceita treinar Derice e a equipe formada por ele.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Rapsódias Revisitadas – A Vida é Dura: A História de Dewey Cox

 

Rapsódias Revisitadas – A Vida é Dura: A História de Dewey Cox

Review – A Vida é Dura: A História de Dewey Cox
Cinebiografias de músicos são um filão constantemente explorado pela indústria do cinema. Artistas famosos como Johnny Cash, Ray Charles, Elton John ou Elvis já ganharam filmes inspirados em suas vidas. Com uma produção tão profícua era apenas questão de tempo até que esse tipo de filme fosse parodiado. Isso aconteceu em 2007 com o lançamento de A Vida é Dura: A História de Dewey Cox.

O filme conta a história do fictício músico Dewey Cox (John C. Reilly) e o modo como superou adversidades para alcançar o sucesso. A trama brinca bastante com os clichês de como esse tipo de filme é estruturado, apresentando todos os momentos padrão dessas histórias, como a infância pobre e traumática (ele acidentalmente corta o irmão no meio com um facão), o abuso de drogas, os amores e as influências dele sobre outros músicos.

É tudo construído com um exagero extremo, ciente de como certos formatos já estão batidos em cinebiografias, como o fato da primeira esposa de Dewey, Edith (Kristen Wiig) dizer sem sutileza o tempo todo de como ele precisa desistir do sonho de ser músico ou como o pai de Dewey fala constantemente que o filho errado morreu. Em um dado momento, quando Dewey grava Walk Hard, a música que o tornaria famoso, o filme faz piada no modo como a montagem desses filmes dá a impressão de que o sucesso vem rápido com a cena do estúdio cortando diretamente para um locutor de rádio anunciando a canção que terminou de ser gravada há três minutos atrás.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Rapsódias Revisitadas – Oldboy

Análise Crítica – Oldboy

 

Review – Oldboy
Tramas de vingança normalmente abordam como a busca por vingança devasta tanto o vingador quanto o alvo de sua fúria, mas poucos filmes mostram isso de maneira tão brutal e com consequências tão devastadoras como Oldboy. Lançado em 2003 e dirigido por Park Chan-Wook, o filme completa vinte anos em 2023 e volta aos cinemas em uma versão remasterizada em 4K.

A trama acompanha Oh Dae-Su (Choi Min-Sik) um homem relativamente patético que é sequestrado depois de uma noite de bebedeira. Dae-Su passa quinze anos preso em um minúsculo apartamento sem saber o que seus captores querem com ele, quando será solto ou o motivo de ter sido capturado. Quando misteriosamente acorda fora do cativeiro, ele busca se vingar daqueles que o prenderam, conseguindo ajuda da jovem Mi-do (Kang Hye-Jeong) para investigar seu passado. O problema é que os captores de Dae-Su parecem observá-lo de perto e a oportunidade de vingança soa como uma grande armadilha.

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Rapsódias Revisitadas – Paprika

 

Crítica – Paprika

Review – Paprika
Lançado em 2006 e dirigido por Satoshi Kon, Paprika recebeu muitas comparações com A Origem (2010), dirigido por Christopher Nolan, já que ambos giravam em torno da premissa de uma máquina que permite entrar nos sonhos das pessoas para cometer crimes. Não é a primeira vez que um trabalho de Kon veria um produto similar lançado por Hollywood anos depois. O longa Cisne Negro (2010) mostrava muitas similaridades com a animação de Kon Perfect Blue (1998) e o diretor Darren Aronofsky já tinha reproduzido uma cena da mesma animação em Requiem Para um Sonho (2001).

Paprika conta a história de um grupo de cientistas que cria um aparelho que permite visualizar e entrar nos sonhos das pessoas. A dra. Chiba usa o dispositivo para ajudar pacientes com problemas psicológicos entrando em seus sonhos como um avatar chamado Paprika. Quando o dispositivo é roubado do centro de pesquisa e os envolvidos com a máquina começam a agir estranhamente, Chiba e seus colegas creem que o ladrão está atacando as pessoas em seus sonhos e decidem encontrar o culpado.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Rapsódias Revisitadas – Jurassic Park: Parque dos Dinossauros

 

Crítica – Jurassic Park: Parque dos Dinossauros

Review – Jurassic Park: Parque dos Dinossauros
É impressionante como um filme lançado há trinta anos atrás se sustenta melhor do que muitos blockbusters recentes, mas é exatamente o que acontece com Jurassic Park: Parque dos Dinossauros. Lançado em 1993 e dirigido por Steven Spielberg adaptando um livro de Michael Crichton, é o tipo de produção de alto orçamento que quase não encontramos mais hoje. Um filme focado em encantar e entreter ao invés de tentar fisgar o público com nostalgia rasteira ou com easter eggs a um universo compartilhado. Um filme mais preocupado com o presente de sua história e seus personagens do que em estabelecer múltiplas continuações ou inserir personagens a serem usados em produções futuras. Algo que você podia simplesmente sentar no cinema ou em sua casa com pipoca nas mãos, dar play e curtir sem precisar ter conhecimento de um monte de filmes que vieram antes.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Rapsódias Revisitadas – As Pontes de Madison

 

Análise Crítica – As Pontes de Madison

Review – As Pontes de Madison
Lançado em 1995 e adaptando um romance escrito por Robert James Waller, As Pontes de Madison é uma narrativa sobre busca e desejo. Não necessariamente desejo sexual, mas o desejo por conexões humanas, por uma existência com significado e um senso de pertencimento. Um sentimento que quando encontrado por nos arrebatar e modificar para sempre, independente de uma curta duração.

A trama é protagonizada por Francesca (Meryl Streep) uma dona de casa do interior de Iowa na década de 60 que fica com quatro dias só para si quando o marido e os filhos viajam para uma feira agrícola. É aí que ela conhece o fotógrafo Robert Kincaid (Clint Eastwood) que está na região para fotografar as pontes cobertas da área para a revista National Geographic. Ambos se conectam e vivem um caso de amor nesses quatro dias que muda a trajetória deles para sempre.

A narrativa vai aos poucos construindo a conexão entre os dois personagens, que começa a partir de uma troca amistosa e de uma curiosidade genuína sobre o outro, aos poucos se desenvolvendo em uma forte conexão afetiva conforme eles vão se reconhecendo um no outro. São duas pessoas marcadas por seus fortes anseios por significado em suas relações, ambos se sentindo à deriva em suas vidas e, cada um ao seu modo, isolados. Considerando o curto período de tempo em que a narrativa se passa, dar a sensação de um caso assim poderia ter um impacto tão grande na vida dessas pessoas poderia ser difícil de tornar convincente, mas a trama é eficiente em fazer o espectador entender o peso disso para os dois personagens.

terça-feira, 2 de maio de 2023

Rapsódias Revisitadas – Central do Brasil

 

Análise Crítica – Central do Brasil

Review – Central do Brasil
Lançado em 1998, Central do Brasil celebra 25 anos em 2023 e fiquei em dúvida se eu teria algo a dizer sobre esse filme que já não tenha sido dito antes. Provavelmente o auge do movimento da Retomada do cinema brasileiro na segunda metade da década de 1990, Central do Brasil foi extremamente bem sucedido tanto em termos de bilheteria quanto de reconhecimento. Venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim, além de um prêmio para Fernanda Montenegro como melhor atriz, foi indicado a dois Oscars (melhor filme estrangeiro e melhor atriz), além de indicações ao BAFTA, César e Globo de Ouro.

A trama é protagonizada por Dora (Fernanda Montenegro) uma professora aposentada que passa seus dias na Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, escrevendo cartas para pessoas analfabetas. Um dia ela conhece o garoto Josué (Vinícius de Oliveira), cuja mãe pediu para Dora escrever uma carta para o pai do menino. Quando a mãe de Josué é morta em um atropelamento e o garoto fica sozinho na estação, Dora se compadece e decide ajudar o menino, embarcando em uma viagem pelo coração do Brasil para encontrar a família do garoto e, no processo, acaba se redescobrindo.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Rapsódias Revisitadas – O Grande Lebowski

 

Crítica – O Grande Lebowski

Review – O Grande Lebowski
Você já imaginou como seria se personagens como Philip Marlowe e Sam Spade fossem hippies maconheiros ao invés de detetives argutos? De certa forma O Grande Lebowski, dirigido pelos irmãos Coen, é uma resposta para essa pergunta, colocando um sujeito relaxado e sempre sob efeito de narcóticos em uma trama criminal rocambolesca típica de film noir, misturando suspense e comédia. Lançado em 1998, o filme originalmente teve uma recepção morna da crítica, mas eventualmente ascendeu ao status de cult graças aos personagens excêntricos, em especial o protagonista interpretado Jeff Bridges.

A trama é centrada na figura de Jeff “O Cara” Lebowski (Jeff Bridges), um hippie desempregado que passa seu tempo fumando maconha e jogando boliche. Um dia criminosos invadem o apartamento dele, lhe dão uma surra e urinam em seu tapete enquanto cobram uma dívida até descobrirem que pegaram o Jeff Lebowski errado. O Cara então descobre que a pessoa que os bandidos estavam atrás era um milionário e decide cobrar dele pelo tapete que foi estragado, já que o item “dava coesão a sua sala”. O contato do Cara com “o grande Lebowski” dá início a uma complicada trama de chantagem e sequestro que mais soa como uma bad trip do Dude.

quinta-feira, 23 de março de 2023

Rapsódias Revisitadas – Tempo de Valentes

 

Análise Crítica – Tempo de Valentes

Review Crítica – Tempo de Valentes
Lançado em 2005, a produção argentina Tempo de Valentes é tributária a filmes de ação tipo Máquina Mortífera (1987) na qual uma dupla de parceiros improváveis e de personalidades opostas precisa desbaratar alguma perigosa conspiração. Embora derive de um modelo hollywoodiano, a produção evita soar genérica e consegue criar personalidade própria.

A trama acompanha o detetive da polícia federal Alfredo Díaz (Luis Luque), um policial durão que está com dificuldades de continuar com o trabalho depois de descobrir que foi traído pela mulher. Para ajudar Díaz, a corporação traz o terapeuta Mariano (Diego Peretti), que acaba acompanhando o policial em uma investigação de duplo homicídio que pode implicar uma conspiração envolvendo as forças armadas argentinas.

Díaz e Mariano estabelecem uma divertida química juntos ao explorarem a oposição entre o abrasivo detetive e o terapeuta certinho que se vê fora de sua zona de conforto em meio a uma investigação de homicídio. A questão da traição, porém, acaba sendo deixada para segundo plano conforme a trama investigativa engrena, o que é uma pena, já que isso poderia explorar questões de masculinidade que esse tipo de filme não costuma abordar.

domingo, 20 de novembro de 2022

Rapsódias Revisitadas – Alma no Olho

 

Análise – Alma no Olho

O Brasil produz cinema desde o final do século XIX, mas só na década de 1970 que tivemos uma pessoa negra ocupando pela primeira vez a função de diretor. O pioneirismo coube a Zózimo Bulbul, ator com uma longa trajetória no cinema tendo trabalhado com diretores importantes do Cinema Novo como Glauber Rocha e Leon Hirszman. Talvez tenha sido justamente o prestígio angariado em sua trajetória como ator que permitiu a ele abrir caminho para sua estreia como diretor no curta-metragem Alma no Olho lançado em 1974.

Construir uma longa trajetória antes de chegar na direção acabou sendo um percurso comum entre muitos realizadores negros e negras, como Adélia Sampaio, primeira mulher negra a dirigir um filme no Brasil. Até chegar à função de diretora Adélia trabalhou como continuísta, maquiadora, câmera, montadora e produtora até dirigir o curta Denúncia Vazia em 1979.

Todo em preto e branco, Alma no Olho se mostra inicialmente um experimento do olhar. Uma tentativa de olhar corpos negros celebrando sua beleza, suas formas, seus traços característicos. Não é à toa que a câmera passeia pelo corpo do ator em planos detalhe que chamam atenção para sua boca, sorriso, pelos do corpo e outras partes. É uma maneira de observar pessoas negras diferente do que o cinema brasileiro costumava a fazer até então, constantemente representando a população negra em funções subalternas ou personagens estereotipados, tratando-os com um olhar exotizante ou ridicularizante. O cineasta Joel Zito Araújo chegou a explorar o tratamento que a população negra recebe na dramaturgia brasileira no documentário A Negação do Brasil, de 2000.

Aqui, portanto, o olhar da câmera de Zózimo Bulbul se converte como um espaço de emancipação e poder, transformando a maneira como o cinema observa os corpos negros projetados na tela. Nesse sentido, o uso de Kulu Sé Mama de John Coltrane como trilha musical do curta serve a propósitos similares de celebração da cultura da afro diáspora. Composta por Juno Lewis, a canção é um longo poema de cunho autobiográfico no qual Lewis refletia sobre o orgulho de seus ancestrais e seu senso de tradição. Além da letra em um dialeto africano, a música incorpora instrumentos percussivos do continente ao lado da típica instrumentação de jazz costumaz nas obras de Coltrane, misturando assim diferentes tradições de música negra.

Para além de pensar questões relacionadas ao olhar, é um curta que tenta sintetizar a experiência da diáspora. O personagem principal começa alegre, dançante, até ser inesperadamente colocado em grilhões e preso a um espaço apertado. A alegria é deixada de lado e o protagonista é tomado por confusão e desespero com essa nova situação, como provavelmente se sentiram aqueles trazidos à força para o trabalho escravo nas colônias das Américas. Conforme a narrativa progride, o protagonista tenta encontrar maneiras de sobreviver até inevitavelmente romper seus grilhões como um prenúncio da emancipação do povo negro. É um ótimo exercício de economia narrativa que o filme consiga dizer tanto, com tanta intensidade tendo apenas um ator em cena, sem diálogos, diante de um cenário vazio.

Alma no Olho é, portanto, um marco do cinema brasileiro, que permanece um exame poderoso sobre olhar, identidade e subjetividade.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Rapsódias Revisitadas – Bamako

 

Análise – Bamako

Review - Bamako
Lançado em 2006 e dirigido pelo mauritano Abderrahmane Sissako, Bamako reflete sobre as consequências da colonização sobre países africanos ainda hoje e como os processos de globalização deram um novo verniz à exploração colonial. A trama se passa em Bamaco, capital de Mali. Mele (Aissa Maiga) é uma cantora que ganha a vida se apresentando em bares e restaurantes. Seu marido, Chaka (Tiecoura Traore), está desempregado e o casamento deles está em crise. Em meio a isso, na praça que fica no centro de onde moram acontece um julgamento. No tribunal montado a céu aberto representantes do Mali processam o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional por impedirem o desenvolvimento dos países africanos.

Há uma escolha consciente de Sissako em situar o julgamento numa praça de um espaço periférico. Essa decisão primeiramente deixa evidente o caráter lúdico e fabulizante desse julgamento, ou seja, não há uma intenção de tratar isso como se fosse um procedimento real, mas como uma metáfora para a discussão das angústias de países como Mali diante de órgãos internacionais.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Rapsódias Revisitadas – Medo e Delírio em Las Vegas

 

Análise Crítica – Medo e Delírio em Las Vegas

Review – Medo e Delírio em Las Vegas
Em 1971 o jornalista Hunter S. Thompson iniciou o movimento chamado “jornalismo gonzo” ao transformar o que deveria ser uma simples reportagem esportiva sobre uma corrida no meio do deserto de Nevada em um livro que misturava fato e ficção, ponderando sobre o declínio do “sonho americano” e sobre o quanto ele viajou em drogas durante a viagem. O livro de Thompson foi adaptado para os cinemas em 1998 por Terry Gilliam em Medo e Delírio em Las Vegas. O filme não teve uma boa recepção crítica na época do lançamento e foi um fracasso comercial, mas com o tempo ganhou um status cult com audiências celebrando o passeio lisérgico que a obra faz pelo coração dos Estados Unidos e o clima político-social da década de 70.

A trama é protagonizada por Raoul Duke (Johnny Depp), um repórter que viaja para o deserto de Nevada para cobrir uma corrida. Ele está na companhia do advogado, Dr. Gonzo (Benicio del Toro), e uma mala cheia de drogas. No percurso de cobrir a corrida eles se perdem no efeito das drogas e o caos se instaura conforme eles embarcam em bad trips que os fazem pensar no ideal de “sonho americano”.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Rapsódias Revisitadas – Nosferatu

 

Análise – Nosferatu

Review – Nosferatu
Lançado em 1922 e dirigido por F.W Murnau, Nosferatu é um marco no cinema mundial. Considerado um dos primeiros filmes de terror já feitos, o filme sobrevive na memória coletiva até hoje, cem anos depois de lançamento, por conta da atmosfera macabra que imprime em sua narrativa.

A trama se passa no ano de 1838, sendo narrada por um escritor que reconta os eventos de como a peste assolou a pequena cidade Wisborg. O jovem Hutter (Gustav von Wangenheim) é incumbido pelo chefe a viajar até a Transilvânia para realizar uma venda de imóveis ao misterioso Conde Orlok (Max Schreck). Lá, Hutter descobre que Orlok é um sujeito sinistro e o Conde se encanta pela esposa de Hutter, Ellen (Greta Schröder) ao vê-la em uma foto. Assim o Conde decide comprar uma propriedade próxima à de Hutter e sua chegada traz desgraça para a pequena cidade.

Como é possível ver por esse breve sumário, a trama é basicamente uma adaptação do Drácula escrito por Bram Stoker, levando aos cinemas o folclore de vampiros. O roteiro de Nosferatu, por sinal, foi escrito por Henrik Galeen, responsável por incursões anteriores do cinema alemão no gênero do horror, tendo trabalhado em O Estudante de Praga (1913) e escrito o roteiro de O Golem (1920).

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Rapsódias Revisitadas – Os Imperdoáveis

 

Crítica – Os Imperdoáveis

Review Crítica – Os Imperdoáveis
Enquanto gênero cinematográfico o western era comprometido em construir uma visão mítica da expansão para o oeste dos Estados Unidos. Eram filmes que transmitiam como o país foi construído pela coragem e engenhosidade de homens dispostos a domarem esse espaço ermo e selvagem para construir riquezas. Com o tempo, o cinema começou a rever esses mitos. Dança Com Lobos (1990), por exemplo, ponderava que era o homem branco, não a população indígena, os selvagens que destruíam aquela terra. No mesmo clima revisionista, este Os Imperdoáveis, lançado em 1992, dirigido e estrelado por Clint Eastwood, repensa a figura do pistoleiro errante que vaga o oeste caçando malfeitores em busca de justiça e recompensas.

A narrativa é protagonizada por Will Munnny (Clint Eastwood) pistoleiro que abandonou uma vida de violência e morte depois de se casar, mas que aceita um último trabalho para pagar as dívidas de sua fazenda. Abordado por Schofield Kid (Jaimz Woolvet), Munny aceita viajar até uma pequena cidade no Wyoming para matar dois fazendeiros que retalharam uma prostituta. Com a ajuda do antigo companheiro, Ned (Morgan Freeman), Munny parte para o Wyoming ao lado de Kid em busca da recompensa. A pequena cidade, no entanto, é policiada com mão de ferro pelo xerife Little Bill (Gene Hackman).

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Rapsódias Revisitadas – Todas as Garotas do Presidente

 

Crítica – Todas as Garotas do Presidente

Análise Crítica – Todas as Garotas do Presidente
Durante muitos anos a identidade do informante conhecido como “Garganta Profunda” que foi fundamental em fornecer provas aos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein para incriminar diretamente o presidente Richard Nixon pelo escândalo Watergate (que completa 50 anos agora em 2022). Hoje sabemos que o informante era Mark Felt, vice-diretor do FBI na época dos acontecimentos, mas em 1999 quando a comédia Todas as Garotas do Presidente foi lançada, a identidade de Garganta Profunda ainda era desconhecida o que abria margem para especulação.

A trama se passa na década de 70 e é centrada nas adolescentes Arlene (Michelle Williams) e Betsy (Kirsten Dunst). Numa noite de travessuras no Hotel Watergate elas esbarram sem querer nos invasores que estão grampeando o comitê do Partido Democrata e os invasores acabam detidos pela segurança do hotel. Depois disso, a dupla acaba sendo chamada pelo presidente Nixon (Dan Hedaya) para cuidar do cachorro dele. No tempo que passam na Casa Branca Arlene e Betsy acabam acidentalmente encontrando mais provas do envolvimento de Nixon com Watergate e entram em contato com os jornalistas Woodward (Will Ferrell) e Bernstein (Bruce McCulloch).

terça-feira, 15 de março de 2022

Rapsódias Revisitadas – O Beijo da Mulher-Aranha

Análise – O Beijo da Mulher-Aranha

Review – O Beijo da Mulher-Aranha
Lançado em 1985 e dirigido por Hector Babenco, O Beijo da Mulher-Aranha chama atenção pelo tanto que consegue fazer com poucos personagens e em um espaço limitado. A trama foca em dois personagens, Molina (William Hurt) uma drag queen presa por corrupção de menores e Valentin (Raul Julia), um ativista político detido por fazer parte de um grupo revolucionário que tenta derrubar o governo ditatorial que controla o país. Molina foi incumbido pelo diretor da prisão (José Lewgoy) para se aproximar de Valentin e conseguir dele qualquer informação que os carcereiros não consigam mediante tortura. O problema é que aos poucos Molina se apaixona por Valentin.

Se passando boa parte do tempo dentro da cela de Molina e Valentin, o filme se apoia no desempenho dos dois protagonistas para falar sobre opressão, fuga e liberdade. Os dois personagens são indivíduos perseguidos simplesmente por serem quem são, Valentin por uma ideologia que desagrada ao governo ditatorial (que é claramente uma representação da ditadura militar brasileira) e Molina por sua sexualidade. Suas prisões não são, portanto, apenas a cela física que os detêm, mas também as próprias convenções sociais da época que os tratam como cidadãos de segunda classe.