quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Crítica – Carlota Joaquina: Princesa do Brazil

 

Análise Crítica – Carlota Joaquina: Princesa do Brasil

Resenha Crítica – Carlota Joaquina: Princesa do Brasil
Lançado em 1995 e dirigido por Carla Camurati, Carlota Joaquina: Princesa do Brazil foi um marco do cinema brasileiro, iniciando o período da chamada “retomada”. Depois de anos estagnada por conta de ações do governo Collor, o sucesso do filme de Camurati sinaliza a força da produção nacional e um novo ciclo produtivo do nosso cinema. Comemorando 30 anos de seu lançamento em 2025, o filme retorna aos cinemas em uma versão restaurada em 4K, como também aconteceu neste ano com Iracema: Uma Transa Amazônica (1975).

História revisitada

O longa acompanha a trajetória de Carlota Joaquina (Ludmila Dayer/Marieta Severo), desde sua infância como princesa na Espanha quando é levada ainda criança para Portugal, forçada a casar com a realeza portuguesa, até sua idade adulta quando vem ao Brasil acompanhando o marido, Dom João VI (Marco Nanini), quando a corte de Portugal foge da Europa para não se envolver nas Guerras Napoleônicas.

Se Carlota costumava constar nos livros de História como uma megera indomável, ao narrar tudo sob a perspectiva dela o filme tenta entender porque ela era vista assim e o que movia seu comportamento. Nesse sentido, esse olhar feminino mostra o machismo da época na qual uma criança era praticamente vendida como noiva para assegurar alianças entre países, tirada de casa, jogada em outro lugar, isolada de tudo e forçada a consumar seu casamento com um homem covarde, tolo e indulgente como João. Diante de tudo é compreensível a aspereza de Carlota com as pessoas ao seu redor, presa a um casamento sem amor, um marido patético e em uma corte subserviente aos britânicos.

Esse olhar crítico a respeito da corte portuguesa também revisita certos mitos fundadores da identidade brasileira e a formação do nosso país. Longe de ser um monarca benevolente e pacífico, Dom João VI é um glutão estúpido, incapaz de agir como estadista, mais preocupado com os frangos que irá comer do que com qualquer assunto político. Ele representa uma monarquia decadente, caquética, que vê no Brasil apenas um local do qual pode extrair riquezas, algo evidenciado na última fala dele na trama antes de voltar a Portugal.

Comicidade chanchadística

O olhar crítico à história do Brasil é feito com um humor debochado, que vilipendia o viralatismo brasileiro ao mostrar as elites europeias como mesquinhas, patéticas, preconceituosas, que menosprezavam qualquer elemento cultural que não fosse vindo da Europa, refletindo uma conduta que faz parte da elite brasileira até hoje. É uma comicidade que remete ao modo como as chanchadas das décadas de 1940 ou 1950 (não confundir com as pornochanchadas da década 70, isso é outro movimento) construíam comédias populares em cima de deboche do desejo das elites de quererem imitar o norte global, como fizeram produções como Carnaval Atlântida (1952) ou Esse Milhão é Meu (1959).

Há aqui, portanto, um paralelo entre como essa elite portuguesa decadente moldou o modo de pensar de parte do Brasil que via essas figuras patéticas como nobres de fina estampa, desejando imitar seu modo de vida. Um exemplo são as bandagens que Carlota usava na cabeça para evitar piolhos foram tratadas como uma escolha de moda e replicada por outros.

Talvez essa aproximação com o formato de comédia popular de outrora tenha ajudado o filme a ser bem recebido pelo público, embora esse não seja o único gênero com popularidade entre o público brasileiro com o qual ele dialoga. A narrativa também apresenta um evidente diálogo com o melodrama ao enquadrar Carlota como uma vítima de forças do destino, forçada a um casamento sem amor com um homem desprezível e que tenta encontrar algum módico de autonomia ou felicidade nessa existência que lhe foi imposta, com direito a um triângulo amoroso na forma do amante Fernando (Norton Nascimento), a quem ela ama, mas que nunca poderá concretizar plenamente esse afeto por estar presa ao casamento com o rei Dom João VI.

A escolha de pensar Carlota como uma figura injustiçada, vítima de circunstâncias, não impede o filme de mostrar também facetas negativas. Afinal ela também é representante de uma nobreza tosca que não percebe a própria decadência. Sua visão do Brasil como um “quinto dos infernos”, como um lugar atrasado cujas populações nativas são criaturas primitivas reflete uma visão de colonizador que repercute até hoje no Brasil e no resto do mundo. O desdém que ela tem por aqui culmina em sua despedida de nossas terras ao jogar fora os sapatos dizendo que daqui não quer levar nem o pó. Um último lembrete de sua personalidade irascível tão bem desenvolvida por Marieta Severo ao longo da narrativa.

Outro elemento que chama atenção é a qualidade da recriação da época em termos de figurinos, maquiagem e cenários. Os ambientes, sempre à luz de vela tentam dar a impressão de que a luz só vem dessas fontes, mesmo que não seja necessariamente o caso. As roupas e perucas tentam evocar a opulência da nobreza europeia e também o deslocamento dessa elite em relação à paisagem brasileira, com as roupas bufantes e vestidos cheios de camadas soando desconfortáveis para os personagens diante do calor tropical. Parte da comicidade também vem desses elementos usados pelos personagens, como a peruca sempre desgrenhada de Dom João, fazendo-o parecer um vagabundo preguiçoso, ou os dentes de pérola da mãe de Carlota (vivida por Vera Holtz) que refletem a ostentação ridícula das cortes europeias.

As escolhas de Carlota Joaquina: Princesa do Brazil confluem para uma revisão histórica que usa o passado tanto para pensar outras perspectivas acerta do relato histórico dominante como também para pensar o presente de um país que continua sob o controle de uma elite atrasada e de pensamento colonial.


Trailer


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