segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Crítica – O Último Azul

 

Análise Crítica – O Último Azul

Review – O Último Azul
Envelhecer ainda é tratado como algo inerentemente negativo. Muitas vezes tratamos pessoas idosas como um peso, como pessoas que existem para dar trabalho aos demais. Principalmente em um contexto no qual trabalhamos cada vez mais horas em temos menos tempo para quaisquer outros afazeres. Dirigido por Gabriel Mascaro, O Último Azul pensa o que pode acontecer numa sociedade que leva ao extremo essas visões sobre idosos.

Futuro imperfeito

Num futuro próximo o Brasil embarcou em um regime totalitário no qual o foco é o trabalho e a produtividade. Quando as pessoas chegam a uma certa idade são exiladas em uma colônia de idosos supostamente para viver seus últimos dias em paz, evitando causar problemas ou dar trabalho aos filhos, que ficam livres para trabalhar sem preocupações. Tereza (Denise Weinberg) tem 77 anos, vive numa região remota do Amazonas e está a poucos anos de ser mandada para a colônia. O processo, no entanto, é acelerado quando uma nova lei baixa a idade para 75 anos, com ela sendo imediatamente colocada sob tutela da filha, perdendo toda a autonomia, e tendo sua viagem para a colônia agendada. Tereza, no entanto, ainda tem coisas que quer fazer, especialmente viajar de avião. Como ela não consegue comprar uma passagem comercial sem o consentimento da filha, ela decide pagar o barqueiro Cadu (Rodrigo Santoro) para levá-la até uma cidade na qual poderá fazer um voo de ultraleve. Ao longo da viagem irá descobrir mais sobre si do que esperava.

A sociedade que o filme retrata reflete uma visão extrema de um utilitarismo capitalista no qual as pessoas são valiosas para a sociedade apenas enquanto são capazes de produzir riqueza e passam a não ter serventia uma vez que deixam de trabalhar. A jornada de Tereza, no entanto, mostra como a aposentadoria não é o fim, mas o começo de uma nova etapa da vida. A sociedade na qual vive não se importa se ela ainda tem condições de ser independente, o fato de Tereza estar em uma idade avançada é automaticamente tratado como um atestado de sua incapacidade.

Navegando livre

Como em muitos “road movies” (ou river movie nesse caso) a narrativa se estrutura a partir de vários encontros fortuitos que Tereza tem ao longo da viagem, que mostram como essa é uma sociedade que abomina a velhice, mas que também coloca diante dela pessoas que lhe oferecem novas experiências.

Tendo vivido em função do trabalho e da criação da filha essa é provavelmente a primeira vez que Tereza pode ficar consigo mesma e fazer o que quiser, quando quiser. De início a ideia de liberdade deixa Tereza perdida, sem saber o que fazer, mas aos poucos ela passa a aceitar se abrir para o mundo e ver as possibilidades de uma nova vida, inclusive ponderando meios de nunca precisar ir para a tal colônia de idosos.

O filme conecta essa abertura dela para o mundo como uma abertura para a natureza que a cerca. Filmando com reverência as matas, rios e os animais dos lugares pelos quais ela passa. É como se o contato com a natureza lembrasse Tereza do enorme mundo que existe e que pulsa com vida ao seu redor. A noção do contato com a natureza ser o que expande os horizontes da protagonista fica ainda mais evidente quando Cadu a apresenta a uma mítica lesma que emite uma secreção azul. Quando pingada nos olhos o pigmento da lesma seria capaz de trazer revelações a quem usa.

Por outro lado, o filme não deixa de mostrar a precariedade da vida das populações ribeirinhas, vivendo em casebres de madeira ou em áreas de palafitas, trabalhando muito para ganhar pouco. Apesar da propaganda governamental falar constantemente em futuro e progresso, aquelas paisagens estão longe de evocar qualquer uma dessas coisas. Os personagens, no entanto, nunca são reduzidos às circunstâncias nas quais vivem, sendo também pessoas que riem, que sonham, que desejam e que aproveitam a vida dentro do que podem.

É um filme sobre aproveitar o tempo que temos no mundo, enxergar o que há de belo ao nosso redor, lembrando que nunca é tarde para fazer algo novo. O final acaba sendo um pouco súbito no modo como conclui a narrativa, mas faz sentido em deixarmos a protagonista no momento em que ela encontra condições de se tornar livre.

 

Nota: 7/10


Trailer

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