Filmes sobre produtos viraram uma tendência recente em
Hollywood, com histórias sobre Tetris(2023),
sobre o tênis Air Jordans em Air(2023),
o Cheetos picante em Flamin Hot(2023)
ou sobre o Blackberry(2023).
Escrito, dirigido e estrelado por Jerry Seinfeld, A Batalha do Biscoito Pop-Tart parecia ser mais um desses filmes
feitos para exaltar histórias de sucesso e confirmar mitos sobre o capitalismo
corporativo. A narrativa, no entanto, vai na contramão disso, preferindo tratar
toda a história como uma farsa absurda, construindo os trâmites corporativos
para a criação de produtos como um circo ridículo.
A trama se passa na década de 60 e é protagonizada por Bob
Cabana (Jerry Seinfeld), executivo da Kellogg que descobre que a empresa rival,
Post, está desenvolvendo um novo produto de café da manhã que mistura biscoito
e geleia, dispensando leite e cozimento, podendo ser esquentado em uma
torradeira. Para superar a concorrência Cabana chama a genial, mas geniosa,
Stan (Melissa McCarthy), que tenta criar a própria versão desse biscoito antes
que a Post o faça.
Filme mais recente de Taika Waititi, Quem Fizer Ganha é uma comédia esportiva povoada por personagens
interessantes, mas nunca consegue fazer nada de memorável com eles. A trama se
baseia na história real da seleção da Samoa Americana que tenta reconstruir o
time depois de sofrer uma goleada histórica de 31 a 0 da seleção da Austrália
nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002. O escolhido para ajudar o time
é o técnico Thomas Rongen (Michael Fassbender), um sujeito problemático que
aceita o cargo porque não consegue trabalho em nenhum outro lugar no mundo do
futebol.
De início pensei que fosse mais uma daquelas histórias de
“salvador branco” em que o técnico branco estrangeiro chegaria nesse país
pequeno e ensinaria os locais a jogarem futebol e a serem melhores com seus
valores ocidentais. Felizmente a trama meio que faz o inverso disso ao fazer de
Rongen o sujeito a ser salvo, já que são seus demônios internos e senso de
isolamento que o fazem ter dificuldade de treinar o time. Claro, ainda é aquela
típica narrativa de superação através do esporte, mas ao menos tenta evitar
certos clichês colonialistas.
O que fazer para unificar uma nação profundamente polarizada
depois que uma parcela do país tentou violentamente abolir o Estado? É uma
pergunta que se aplica aos Estados Unidos de hoje (e também ao Brasil,
infelizmente), mas no caso da minissérie Último
Ato se refere ao fim da Guerra de Secessão dos EUA e como o assassinato do
presidente Abraham Lincoln representou um freio nas tentativas de unificar o
país, trazendo justiça social e punindo os golpistas.
A trama começa no dia do assassinato de Lincoln (Hamish
Linklater) e segue os doze dias da caçada empreendida contra o assassino John
Wilkes Booth (Anthony Boyle) pelo ministro da guerra de Lincoln, Edwin Stanton
(Tobias Menzies, de Outlander), e
pelo detetive Lafayette Baker (Patton Oswalt). Ao mesmo tempo, Stanton luta
para que o governo não recue nas reformas pretendidas por Lincoln,
principalmente quando o presidente Andrew Jackson (Glenn Morshower), ele
próprio um ex-escravagista, parece disposto a capitular às demandas dos ricos
do derrotado sul.
O cinema gosta de contar histórias que lembram a importância
do jornalismo. Em geral são narrativas focadas no jornalismo investigativo como
Todos os Homens do Presidente(1976)
ou Spotlight(2015), mas
ocasionalmente também sobre o processo de entrevista e de extrair de um
entrevistado alguma informação que ele não quisesse dar. Frost/Nixon (2008) fez isso ao retratar a seminal entrevista na
qual David Frost fez Richard Nixon admitir publicamente os crimes que cometeu
durante sua gestão. Em certa medida, A
Grande Entrevista apresenta um processo similar ao mostrar como a BBC
britânica conseguiu a entrevista com o Príncipe Andrew em 2009 na qual ele
admitiu publicamente sua proximidade com o bilionário pedófilo Jeffrey Epstein
e relações inapropriadas com menores de idade.
A trama começa em 2010, quando Andrew (Rufus Sewell) foi
fotografado em público ao lado do bilionário que já era alvo de denúncias. Anos
depois Epstein é preso por tráfico de menores e se suicida sob circunstâncias
misteriosas na prisão. A relação entre o ricaço e o príncipe volta a ser
discutida pela mídia britânica e o programa Newsnight da BBC decide tentar
agendar uma entrevista com o arredio príncipe, recorrendo principalmente à
produtora Sam McAllister (Billie Piper) e a âncora Emily Maitlis (Gillian
Anderson).
Em certo sentido Garra
de Ferro me lembrou um pouco Foxcatcher(2014) por ser uma biografia sobre lutadores que tentam melhorar de vida,
se envolvem em relações tóxicas com as pessoas responsáveis por seu treino e
tudo acaba em tragédia. A diferença é que Foxcatcherera todo focado em mostrar esse lado sombrio do dito “sonho americano”
enquanto Garra de Ferro parece
incerto do que efetivamente quer, variando entre uma análise crítica da
tragédia da família Von Erich e uma celebração de seu legado no universo da
luta livre.
Focada em Kevin Von Erich (Zac Efron), a narrativa conta a
história real de sua família. O mais velho de quatro irmãos, Kevin é conduzido
pelo pai, Fritz (Holt McCallany), a se tornar um lutador. Fritz conduz a família
com rigidez, criando um ambiente de competição entre os filhos no qual eles não
disputam apenas títulos, mas também a afeição do pai. A exigência de Fritz que
os filhos sejam os melhores os leva a excessos, como uso de anabolizantes,
drogas e uma série de inseguranças. Essa combinação acaba levando a maioria dos
filhos a destinos trágicos.
Acompanhando um recorte bem específico de seu biografado, Ferrari é uma ponderação sobre controle
e a dificuldade em aceitar os limites de nossa capacidade de controlar as
condições ao nosso redor. A narrativa se passa em 1957 e acompanha um Enzo
Ferrari (Adam Driver) cuja montadora está prestes a falir e o casamento com a
esposa Laura (Penelope Cruz) está em frangalhos. Enzo também tem uma amante,
Lina (Shailene Woodley), com quem tem um filho que mantem em segredo de Laura. Para
tentar virar a situação da empresa, Enzo aposta tudo em vencer a corrida Mille
Miglia e para isso aposta no piloto espanhol Alfonso de Portago (Gabriel
Leone).
Desde os primeiros minutos me chamou atenção o modo como o
diretor Michael Mann usa o som. É um filme com pouca música e mesmo quando há
ela é bem discreta, pouco intrusiva. Apesar das tensões constantes no cotidiano
do protagonista, o filme é permeado por ambientes silenciosos. Isto é, exceto
quando Ferrari está nas pistas de corrida e o intenso ronco dos motores domina
a paisagem sonora. Parece haver uma clara intenção de manter o resto do filme
mais discreto em termos de presença de sons para criar um contraste com a
intensidade do ruído dos motores ressaltando a potência desses veículos, não
apenas em termos de seu potencial para corridas, mas também de sua brutal
letalidade quando algo dá errado.
Carros de corrida nos anos de 1950 eram bem menos seguros do
que são hoje e o filme investe as cenas de corrida de um senso de perigo e
velocidade que dá a impressão de que um desastre espera a cada curva. O uso de
câmeras acopladas à frente dos carros ajuda a transmitir a sensação de vertigem
causada pela alta velocidade e como é difícil guiar tão rápido. As cenas são
bastante gráficas ao mostrar o que acontece quando aqueles carros colidem ou
saem do controle em altíssima velocidade. Perto do final, o filme exibe uma dos
acidentes mais chocantes e brutais que me recordo de ter visto no cinema,
mostrando o quão horrível são as consequências quando algo dá errado.
Esse acidente, por sinal, é contraposto com imagens de
outros membros da equipe de Ferrari cruzando a linha de chegada e comemorando a
vitória. É uma escolha que parece ilustrar como o triunfo de uma empresa como a
Ferrari se constrói, entre outras coisas, em cima da morte desses pilotos, como
se fossem animais abatidos em sacrifício para um bem maior. Enzo, apesar de
claramente impactado por essas mortes e disposto a prestar suporte para as
famílias, continua a colocar pilotos em seus carros como se isso fosse a coisa
mais normal do mundo.
A morte de pilotos, algumas vezes em acidentes fortuitos
como o que ocorre no clímax, é só um dos elementos do cotidiano de Enzo que
escapa de seu controle e que o protagonista precisa aceitar as próprias
limitações. Ao longo do filme vemos como Enzo sempre tenta se manter no
controle, apesar de nem todos os seus esforços serem suficientes, como na morte
de seu primeiro filho ou no modo em que sua vontade de controlar todas as
decisões da empresa sem qualquer sócio a colocaram em risco financeiro. Essa
obstinação, intensidade e senso de controle são muito bem construídos na
performance de Adam Driver, cujo corpo parece sempre estar em movimento e a
mente está sempre maquinando um jeito de resolver os problemas que se
apresentam. O roteiro é inteligente o bastante para não romantizar seu
biografado, mostrando Ferrari como um homem vaidoso, egocêntrico, controlador e
mulherengo, além de expor a contradição de seu discurso sobre se preocupar com
os pilotos enquanto lucra com os riscos que eles correm.
O filme também acerta ao evitar tornar Laura Ferrari uma
figura passiva que existe apenas para gravitar em torno do marido. Penélope
Cruz faz de Laura uma mulher em frangalhos por conta da perda do filho e que
agora vive como uma sombra de quem fora por não conseguir lidar com essa perda.
A animosidade que ela tem com Enzo parte tanto das traições que ela sabe que o
marido comete (embora a esse ponto a relação deles seja mais uma parceria de
negócios do que um casamento de fato) como também por culpar Enzo por não ter
conseguido salvar o filho deles, uma culpa que o próprio marido carrega também.
O arco de Laura é o de aceitar essa perda e entender que ela
ou Enzo não tinham controle sobre isso. O casal só chega a alguma medida de
conciliação justamente quando Enzo desiste de manter controle sobre a parte de
Laura na empresa e passa a vê-la mais como uma igual do que alguém a ser
conduzida por ele. De certa forma, os dois lidavam com questões de controle e
só consertam alguns aspectos de sua relação quando abrem mão dessas tentativas
de controle;
Shailene Woodley, por outro lado, é o elo fraco do filme.
Sua Lina existe mais como um ponto de conflito para Enzo e Laura do que como
uma personagem autônoma, falhando em nos fazer entender o que despertou o
interesse de Ferrari em Lina. Além disso, a composição de Woodley se perde em
um sotaque inconstante, no qual às vezes ela tenta um sotaque italiano e em
outros momentos ela parece falar sem sotaque algum, causando algum
estranhamento.
Ainda assim, Ferrari é
uma competente biografia que examina o que move seu protagonista e exibe os
riscos brutais do universo do automobilismo na década de 1950.
O título desse Reality
parece fazer um jogo duplo. Primeiramente ele parece se referir à sua
protagonista, a tradutora Reality Winner (Sydney Sweeney), alvo de uma operação
do FBI. Em uma segunda análise, pode também se referir à realidade de sua
história, baseada em eventos reais e o compromisso do filme em aderir ao
realismo da história que conta. Adaptando a própria peça de teatro Is This a Room? a diretora Tina Satter
constrói todo o filme em tempo real reproduzindo os diálogos a partir das
gravações que o FBI fez durante todo o interrogatório de Reality.
A trama é foca em Reality Winner, uma tradutora de persa que
trabalha para uma empresa que presta serviços à NSA. Um dia, chegando em casa,
ela encontra agentes do FBI esperando por ela. De início ela pensa se tratar de
alguma checagem de rotina considerando a natureza confidencial de seu trabalho
na NSA e necessidade de atualizar suas credenciais de segurança. Conforme os
dois agentes que lideram a operação começam a fazer perguntas, a tradutora se
dá conta de que o propósito do FBI em sua residência é bem mais severo.
Às vezes boas intenções não são o suficiente para sustentar
um produto artístico. Rustin, filme
produzido pela Netflix que visa resgatar um ícone esquecido do movimento negro
e da luta pelos direitos civis dos Estados Unidos. A narrativa conta a história
de Bayard Rustin (Colman Domingo) um dos responsáveis por organizar a marcha de
Martin Luther King (Aml Ameen) para Washington e que foi deixado de fora do
registro histórico por ser homossexual.
O filme traz um resgate histórico importante, dando devido
valor a uma figura fundamental para as mudanças nos direitos civis do país, o
problema é que a produção parece mais interessada nos pormenores da organização
da marcha do que propriamente falar sobre Rustin e sua trajetória. Muito do
filme se passa em longas reuniões discutindo logística, segurança ou
financiamento para os manifestantes, sobrando pouco tempo para entender o seu
biografado.
Baseado em uma história real, Nyad acompanha a nadadora Diana Nyad (Annette Benning) que aos 60
anos tentou atravessar a nado de Cuba para a Flórida, uma façanha nunca antes
feita. A trama é estruturada como uma típica história de superação, mostrando
como Nyad, ainda na juventude, tentou e fracassou no feito e se tornou obcecada
em conseguir a façanha desde então. As noções de nunca desistir, de persistir
em seus sonhos são as ideias centrais da narrativa que não parece muito interessada
em entender o porquê de Nyad desejar com tanto afinco realizar esse feito.
A narrativa se detém mais nos pormenores da façanha do que
aconteceu em cada tentativa e como ela planejou suas tentativas ao lado da
melhor amiga Bonnie (Jodie Foster) e uma equipe de apoio que cresce a cada novo
esforço de realizar seu empreendimento audaz, de navegadores a socorristas
passando por especialistas em predadores marinhos. A produção é eficiente em construir
a tensão e senso de risco de nadar em mar aberto, com animais marinhos e
mudanças de corrente posando riscos constantes e imprevisíveis. Nesse sentido,
a maquiagem acaba sendo um meio de ilustrar o desgaste físico de Nyad,
mostrando como ficar dezenas de horas no mar e sob o sol fazem com a pele de
uma pessoa.
O termo oscar bait
é normalmente usado para qualificar produções que parecem feitas sob medida
para a temporada de premiações. São filmes que seguem de perto aquilo que
normalmente encontramos em películas indicadas a prêmios, como tramas baseadas
em fatos reais, atores realizando transformações físicas e alguns outros
elementos. Maestro, biografia de
Leonard Bernstein dirigida e estrelada por Bradley Cooper, parece um filme
perfeitamente formatado para a temporada de prêmios, embora acabe não
entregando nada de interessante.
A narrativa segue Bernstein (Bradley Cooper) da juventude,
quando rege a Filarmônica de Nova Iorque pela primeira vez, até seus últimos. O
filme foca tanto no trabalho musical de Bernstein quanto na relação dele com o
a esposa, Felicia (Carey Mulligan). O problema é que a trama parece não ter
muito a dizer sobre o maestro além do fato dele ser genial e dele ser
bissexual, sem, no entanto, explorar esses dois elementos.
O Elvis(2022) de
Baz Luhrmann focava tanto na relação do rei do rock com o Coronel Parker que
Priscilla Presley, esposa do cantor, virava basicamente uma nota de rodapé na
história. Em Priscilla a diretora
Sofia Coppola decide contar a história dela e de como a relação com Elvis a
afetou.
A narrativa se baseia no livro autobiográfico de Priscilla
Presley, acompanhando Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny) desde sua
adolescência, quando conhece um Elvis (Jacob Elordi, de Euphoria e A Barraca do Beijo)
já adulto durante o período em que ele serviu no exército, até os anos finais
de seu casamento com ele. Sob o olhar de Coppola, a história de Priscilla é
narrada como a de alguém presa em uma gaiola de ouro. Por mais que ela tivesse
tudo que o dinheiro pudesse proporcionar, isso não a impedia de se sentir
solitária e infeliz, já que sua existência era reduzida a ser um bibelô nas
mãos de Elvis.
É um olhar sobre o vazio e o tédio de uma jovem
inadvertidamente jogada em um universo de riqueza para ser tratada como objeto
que remete a outros filmes de Sofia Coppola, como a personagem de Scarlett
Johansson em Encontros e Desencontros
(2003) ou Maria Antonieta (2006).
Priscilla é constantemente colocada sozinha no quadro, construindo seu senso de
isolamento e alienação, amplificando isso com o uso de planos abertos a partir
do momento em que ela vai para Graceland que ressaltam como aquela opulência pode
soar opressiva, vazia e solitária.
Tudo que eu sei sobre a cantora Luísa Sonza foi contra a
minha vontade. A garota é tão exposta na mídia que sei mais sobre a vida
pessoal dela do que a respeito de alguns parentes e olha que nunca procurei
ativamente nada sobre ela. Na verdade, ficaria bem contente em saber menos a
respeito. Curiosamente, apesar da exposição sei mais sobre as tretas de sua
vida pessoal do que sobre sua música, o que raramente é um bom sinal. O
documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza
soa como um desdobramento inevitável para uma artista em ascensão, mas se
muitos usam esse tipo de produto como um veículo para expandir sua audiência, o
documentário da Netflix dividido em três episódios parece se dirigir aos fãs
mais ardorosos, já que a maneira como tudo é contado dificilmente vai convencer
ou aproximar qualquer outro espectador.
Trata-se de um documentário meramente laudatório, sem
qualquer nuance ou interesse de tentar entender a personalidade do objeto do
documentário. Tudo é posto para que Luísa seja vista como uma grande artista
(sem nada de muito convincente para justificar essa visão) ou como uma grande
coitada perseguida pela mídia (com um sensacionalismo exagerado que faz tudo
soar artificial) para atrair nossa comiseração. É um produto marcado pela
contradição de querer se expor intimamente e uma preocupação extrema em
controlar a narrativa e imagem que cerca a cantora.
Fortunas são construídas e perdidas rapidamente no mercado
financeiro. Investimentos na bolsa muitas vezes soam como um cassino e como
tal, tem seus vícios nos resultados. Dinheiro
Fácil é um filme que serve de lembrete de como os super ricos colocam o
dedo na balança do mercado e viciam os resultados a seu favor, não dando
nenhuma chance para que trabalhadores e assalariados consigam ganhar algo.
A trama se baseia na história real de Keith Gill (Paul
Dano), bancário e analista financeiro que percebeu em 2020 que o mercado estava
subvalorizando as ações da loja de games Gamestop. A franquia de lojas se
mantinha aberta durante a pandemia por vender dispositivos eletrônicos
considerados de primeira necessidade, mas grandes fundos de investimento
compravam ações da empresa a descoberto apostando em sua queda. A tese de Gill
era de que o mercado estava criando uma espécie de “profecia auto realizável”.
Ao apostar bilhões na desvalorização, eles instigariam o resto do mercado a
apostar junto, efetivamente fazendo outras pessoas investirem na queda das
ações, quebrando a empresa, desempregando milhares e fazendo esses bilionários
ainda mais ricos sem terem produzido efetivamente nada.
Dirigido por Ridley Scott, Napoleão funciona mais como um estudo de personagem do que como um
épico histórico. Digo isso porque a trama é mais interessada na relação de seu
personagem título com esposa e o que motiva suas ações do que em grandes
batalhas ou em todo o contexto das Guerras Napoleônicas. Não que essa escolha
seja um problema, apenas aviso para que ajustem suas expectativas.
A trama acompanha Napoleão (Joaquin Phoenix) a partir de sua
ascensão no exército após a revolução francesa. Com suas primeiras vitórias ele
se consolida em uma posição de liderança e se casa com a bela Josefina (Vanessa
Kirby) enquanto suas ambições o impelem a almejar cada vez mais.
O filme é, em essência, um estudo sobre essa ambição
desmedida que coloca a busca por grandeza acima de tudo, sacrificando até mesmo
a relação com a mulher que ama, e o que impele essa busca. A narrativa constrói
Napoleão como um bruto vulgar dotado de certo complexo de inferioridade por vir
de uma família humilde ao contrário dos aristocratas ricos que o cercam. Assim,
o personagem age como se sempre tivesse algo a provar e seu desejo de
conquista, bem como a vaidade com a qual exibe sua inteligência tática, se
mostram fruto dessa tentativa de ser visto como alguém grandioso.
Os trailers de Mussum: O Filmis, biografia do músico e
humorista que se tornou famoso por seu trabalho com a trupe Os Trapalhões, não me deixaram muito
empolgado. O material de divulgação focava quase que exclusivamente na fase
humorista de Antônio Carlos Bernardes Gomes, nome real de Mussum, e me dava a
entender que o filme se restringiria a esse período da carreira dele, deixando
de lado aspectos menos conhecidos, mas não mais interessantes. Felizmente o
material de divulgação não era um reflexo do filme inteiro, que faz um relato
bem abrangente da vida de seu biografado.
A trama acompanha a trajetória de
Mussum (Yuri Marçal na juventude, Ailton Graça na idade adulta) da infância até
o auge do seu sucesso com Os Trapalhões,
mostrando sua formação militar, sua trajetória na música com o grupo Originais do Samba e sua relação com a
mãe, Malvina (Cacau Protásio/Neusa Borges). Como muitas biografias recentes é
relativamente episódica, saltando rapidamente entre várias temporalidades e
raramente dando tempo para que conflitos persistam, resolvendo problemas assim
que eles se apresentam e se movendo rapidamente para o próximo evento significativo
da trama.
O assassinato de Ângela Diniz
pelo companheiro Raul “Doca” Street foi um ponto de virada na discussão sobre
feminicídio no Brasil. Inicialmente o assassino saiu praticamente incólume ao
usar o argumento machista de “defesa da honra”, o Ministério Público recorreu e
conseguiu uma sentença mais coerente com a severidade do crime. Toda essa
discussão está ausente de Ângela, produção
que foca na relação entre a socialite e Street, discorrendo sobre o impacto do
crime apenas em cartelas de texto ao final.
A trama segue Ângela (Isis
Valverde) do momento em que ela primeiro conhece Raul (Gabriel Braga Nunes) em
uma festa até seu assassinato nas mãos do companheiro. É uma escolha estranha
de parar a história no momento do crime, já que é nos desdobramentos
posteriores e em toda a discussão sobre feminicídio o motivo do caso ter sido
tão emblemático e permanecer até hoje em nossa memória coletiva originando
produções como esta ou o excelente podcast Praia
dos Ossos.
Hollywood se interessou em contar
várias histórias de produtos em 2023. Tivemos Air, Tetris, Flaming Hot e The Beanie Bubble, todos de alguma
maneira usando histórias de produtos ou pessoas de sucesso para confirmar todos
os mitos sobre o capitalismo e empreendedorismo. Pensei que BlackBerry poderia ser mais uma dessas
produções, mas a produção acertadamente vai na contramão de outras histórias de
produtos para refletir que não existe garantia de sucesso, que você pode “trabalhar
enquanto eles dormem”, ser o melhor no faz, dar tudo de si e ainda assim
fracassar.
Alguns poderiam dizer que é um
retrato pessimista, mas eu diria que é uma visão realista de como as coisas
funcionam no mundo capitalista no qual nem tudo é mérito individual e que nos
lembra como são ingênuas noções de que tudo vai dar certo se você simplesmente
se dedicar e fazer por merecer. A trama conta a história real de ascensão e
queda do BlackBerry, o primeiro smartphone, que dominou o mercado por alguns
anos até ser completamente obliterado pela Apple e seu iPhone. Acompanhamos o
engenheiro Mike Lazaridis (Jay Baruchel) e o executivo Jim Balsillie (Glenn
Howerton) conforme eles tomam o mercado de telefonia móvel com um produto que ninguém
pensava ser possível de fazer.
As cinebiografias de músicos são
um constante filão explorado pelo cinema brasileiro. Meu Nome é Gal é o exemplar mais recente dessa tendência, contando
a história da cantora Gal Costa e sua importância para a MPB. É um projeto que
começou a ser tocado com a cantora ainda viva, pensado como uma celebração de
seu legado e uma homenagem em vida para ela, ao contrário de muitas biografias
feitas após a morte de artistas.
A trama foca na ascensão de Gal
Costa (Sophie Charlotte) como cantora, em especial a partir de sua colaboração
com os músicos do movimento do Tropicalismo e como ela usou a arte para comentar
sobre a política brasileira e sobre a opressão da ditadura militar. Como muitas
cinebiografias de músicos, a trama sofre com um ritmo muito episódico, saltando
rapidamente no tempo entre vários momentos apesar de acompanhar um período
relativamente curto da vida da personagem.
Dentro da luta livre, cada
combatente encarna um personagem com traços bem definidos e uma função
específica para cumprir dentro da luta. É menos sobre uma luta em si e mais um
espetáculo que se constrói em cima de narrativas relativamente maniqueístas com
heróis, vilões, protagonistas e coadjuvantes bem definidos. Cassandro, produção da Prime Video,
conta a história real de um lutador que desafiou a função de seu papel e com
isso desafiou a própria maneira como a sociedade lidava com homens gays.
A trama gira em torno de Saúl
(Gael Garcia Bernal) um jovem gay que deseja se tornar um astro da cena de
lucha libre mexicana na cidade de El Paso, Texas. É um ambiente extremamente
impregnado de um tipo arcaico de masculinidade e Saúl inicialmente se contenta
em criar um personagem que se adequa ao arquétipo do “fraco” para ter chance de
obter uma narrativa em que ele vença como azarão. Todos dizem que ele deveria
usar sua criatividade e extravagância para ser um “exótico”, mas ele se recusa
pelo fato de que os exóticos nunca ganham lutas. Cansado de fugir de si mesmo,
eventualmente Saúl decide criar um personagem exótico em Cassandro, um gay
extravagante que vai na contramão dos tipos machos da lucha libre, decidido a
mudar a narrativa e fazer um exótico vencer.
De início The Beanie Bubble: O Fênomeno das Pelúcias parece mais um desses
filmes sobre produtos para tentar contar uma história de um produto bem
sucedido para falar de superação de dificuldades e sucesso. A impressão é que
filmes como esse, Air, Tetris ou Flamin Hot são feitos para reproduzir mitos capitalistas sobre como
basta trabalhar duro e acreditar em si para ter sucesso, mas como a ideia de
meritocracia já não convence tanto e vivemos em um desencanto com o
capitalismo, Hollywood decide contar histórias de sucesso de produtos.
Felizmente a produção da AppleTV+ não cai nessa mera exaltação do capitalismo,
mas exibe outros problemas.
A trama conta a história de
ascensão e queda dos Beanie Babies bichinhos de pelúcia colecionáveis que
viraram febre no início da década de 90 e gerou todo um mercado paralelo de
colecionadores já que cada pelúcia era produzida em número limitado. A
narrativa foca em Ty Warner (Zach Galifianakis), criador da empresa, e nas
mulheres ao redor dele que foram essenciais para o sucesso da empresa. Robbie
(Elizabeth Banks) era a sócia de Ty e responsável pelo dia a dia administrativo
da corporação, Maya (Geraldine Viswanathan) foi quem teve a ideia dos Beanies
serem lançados em número limitado e usar a nascente internet para fomentar
comunidades de colecionadores e Sheila (Sarah Snook) era a noiva de Ty e as
filhas dela deram ao empresário muitos designs para as pelúcias.