Filmes de trocas de corpos já foram feitos aos montes por
Hollywood e até pelo cinema brasileiro. Mãe que troca de corpo com filha, pai
com filho, marido com esposa. Muitas combinações já foram explorados e, talvez
justamente por isso, Trocados, produção
da Netflix resolve simplesmente fazer todas ao mesmo tempo. O resultado é um
filme que tenta chamar atenção pelo volume e não necessariamente pela qualidade
do humor ou das personagens.
A trama segue a família liderada por Jess (Jennifer Garner)
e Bill (Ed Helms). Quando eles discutem com os filhos CC (Emma Myers, a Enid de
Wandinha) e Wyatt (Brady Noon)
durante um alinhamento planetário, eles acordam com os corpos trocados. Os
filhos estão no corpo dos pais e até o bebê trocou de corpo com o cachorro.
É óbvio desde o início que a troca de corpos servirá para
que cada membro da família entenda as dores e dificuldades do outro aprendendo
grandes lições de vida no processo. Além de uma estrutura previsível, a trama é
prejudicada por um roteiro que se apoia em recriar todas as situações que já
vimos antes nesse tipo de produção. A filha no corpo da mãe precisa fazer a
“grande apresentação” que ira render uma promoção no emprego, o pai no corpo do
filho precisa fazer a entrevista para uma faculdade de prestigio que selará seu
futuro.
Se tem uma coisa que aprendi assistindo O Sacrifício do Cervo Sagrado(2017) e a este Saltburn é que convidar Barry Keoghan para sua casa certamente
acabará em tragédia. Dirigido e escrito por Emerald Fennell, Saltburn foi bastante divulgado como
algo próximo de um thriller erótico,
mas na prática é mais um suspense sobre conflitos de classe do que sobre
sexualidade.
A trama é centrada em Oliver (Barry Keoghan), um jovem que
acabou de entrar na faculdade de Oxford, e se encanta pelo colega aristocrata
Felix (Jacob Elordi), membro de uma família que descende de nobreza e dona de
uma extravagante propriedade chamada Saltburn. Oliver se aproxima de Felix e é
convidado a passar as férias de verão com ele na mansão de sua família.
Chegando lá, Oliver conhece os membros excêntricos da família do colega, como
seu pai, Sir James (Richard E. Grant), sua mãe, Eslpeth (Rosamund Pike), e sua
irmã Venetia (Alison Oliver). Aos poucos Oliver descobre como ele e vários
outros agregados da família precisam bajular e disputar a atenção deles para
não serem mandados embora e como Felix e seus parentes veem todos como
brinquedos a seu serviço. O que começou como férias entre amigos logo se torna
um tenso jogo de intrigas para tentar se manter sob os bons olhos da família e
continuar vivendo no luxo deles.
Os primeiros escritos sobre gêneros dramatúrgicos datam da
Grécia antiga e de pensadores como Aristóteles. O filósofo ponderava como os
gêneros, com suas estruturas típicas, propiciavam certa economia narrativa.
Como o espectador já sabia mais ou menos como a história iria se estruturar, o
dramaturgo poderia focar sua atenção nas particularidades dos personagens ou do
universo. Hollywood se vale até hoje desse princípio de economia narrativa, com
filmes tipo John Wickou Missão Impossível simplificando suas
tramas (porque já sabemos como elas irão transcorrer) para focar no espetáculo
de ação.
Zack Snyder, por outro lado, parece ignorar a ideia de
economia narrativa neste Rebel Moon Parte
1: A Menina do Fogo, um filme que é basicamente uma cópia de Star Wars misturado com algumas outras
produções (como Os Sete Samurais do
Kurosawa). Não há nada de original na trama ou universo criado por ele e não
teria problema se Snyder ao menos reconhecesse essa natureza derivativa e oferecesse
visuais, locais ou cenas de ação bem construídas (como os dois Avatarde James Cameron), mas ao invés
disso o diretor parece tão deslumbrado com sua própria criação que conduz tudo
com absoluta segurança de que fez algo completamente original, resultando em
uma trama arrastada pela necessidade de explicar os próprios clichês sem fazer
nada para subvertê-los, como se estivéssemos assistindo algo completamente
novo.
Um agente secreto esconde sua verdadeira ocupação da família
e vive como um pacato pai suburbano sem que a esposa e filhos saibam a verdade
sobre ele até que terroristas tomam sua família de refém e ele precisa
conciliar esses dois mundos. Essa é a trama de True Lies (1994) excelente comédia de ação dirigida por James
Cameron que este Plano em Família, produção
original da AppleTV+, basicamente copia sem qualquer pudor ou brilho.
A história gira em torno de Dan (Mark Wahlberg), um pacato
vendedor de carros usados que tem um passado como operativo secreto que esconde
da esposa, Jessica (Michelle Monaghan), e dos filhos. As coisas mudam quando
mercenários começam a atacar Dan e ele sugere uma viagem em família para fugir
dos assassinos ao mesmo tempo em que tenta manter tudo oculto da família.
A estrutura de viagem pela estrada parece feita sob medida
para alongar a narrativa sem lhe adicionar nenhum estofo, jogando os
personagens em encontros fortuitos e subtramas que não tem muita repercussão na
trama ou não servem para dar nenhum desenvolvimento aos membros da família. A
busca da filha, Nina (Zoe Colletti), por uma vaga na universidade dos sonhos
não faz muito diferença, enquanto a subtrama de Kyle (Van Crosby) tentando se
tornar um atleta de esports parece
existir apenas para adicionar um longo segmento que é meramente uma longa e
pouco sutil publicidade de um game online. A verdade é que o filme poderia ter
tranquilamente 90 ou 100 minutos ao invés das suas inchadas duas horas de
duração.
Depois de um live
action de One Pieceque
surpreendeu ao não ser péssimo, a Netflix entrega outra adaptação com atores
razoavelmente bem sucedida com este Yu Yu
Hakusho. É fiel ao espírito do anime ainda que peque por tentar cobrir uma
quantidade grande de tramas em apenas cinco episódios.
A história é a mesma do anime e do mangá. Yusuke Urameshi
(Takumi Kitamura) é um valentão que não se importa muito com escola, mas tem um
bom coração. Quando ele se coloca na frente de um caminhão e morre para evitar
que uma criança seja atropelada, o governante do mundo dos mortos, Koenma
(Keita Machida), lhe dá a chance de retornar ao mundo dos vivos como um
detetive sobrenatural para enfrentar yokais que saíram do mundo espiritual para
atormentar os humanos.
Inicialmente parece que essa primeira temporada irá adaptar
o arco do detetive sobrenatural, a primeira grande saga do material original.
Nos últimos episódios, porém, a série mescla o resgate a Yukina, que seria o
clímax do primeiro arco, com o arco do torneio das trevas, basicamente cobrindo
metade do anime em apenas cinco episódios de cerca de cinquenta minutos cada.
Logicamente é muito pouco para dar conta de quatro protagonistas, as relações
entre eles, com os coadjuvantes importantes e a rivalidade com certos vilões
como o Toguro (Go Ayano).
Considerando que o universo DC está morto e enterrado, com a
Warner querendo rapidamente chegar aos novos filmes sob a batuta do James Gunn,
não tinha muitas expectativas quanto a este Aquaman
2: O Reino Perdido. Afinal, assim como The Flash
era um filme que estava pronto faz tempo, foi adiado várias vezes e sofreu
várias mudanças por conta das trocas de lideranças na Warner/DC e por polêmicas
envolvendo o elenco (mais notadamente Amber Heard), embora este filme tenha
passado por menos perrengues de bastidores que o do velocista escarlate.
A trama se passa alguns anos depois do primeiro filme. Arthur
(Jason Momoa) e Mera (Amber Heard) agora tem um filho e a responsabilidade de
gerir o reino de Atlântida. As coisas se complicam quando o Arraia Negra (Yahya
Abdul-Mateen II) encontra o tridente sombrio do Reino Perdido e passa a ser
influenciado pelo espírito do rei maligno que reside na arma. O Arraia sabe que
está sendo usado pelo rei, mas decide aceitar para poder se vingar de Arthur.
O Elvis(2022) de
Baz Luhrmann focava tanto na relação do rei do rock com o Coronel Parker que
Priscilla Presley, esposa do cantor, virava basicamente uma nota de rodapé na
história. Em Priscilla a diretora
Sofia Coppola decide contar a história dela e de como a relação com Elvis a
afetou.
A narrativa se baseia no livro autobiográfico de Priscilla
Presley, acompanhando Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny) desde sua
adolescência, quando conhece um Elvis (Jacob Elordi, de Euphoria e A Barraca do Beijo)
já adulto durante o período em que ele serviu no exército, até os anos finais
de seu casamento com ele. Sob o olhar de Coppola, a história de Priscilla é
narrada como a de alguém presa em uma gaiola de ouro. Por mais que ela tivesse
tudo que o dinheiro pudesse proporcionar, isso não a impedia de se sentir
solitária e infeliz, já que sua existência era reduzida a ser um bibelô nas
mãos de Elvis.
É um olhar sobre o vazio e o tédio de uma jovem
inadvertidamente jogada em um universo de riqueza para ser tratada como objeto
que remete a outros filmes de Sofia Coppola, como a personagem de Scarlett
Johansson em Encontros e Desencontros
(2003) ou Maria Antonieta (2006).
Priscilla é constantemente colocada sozinha no quadro, construindo seu senso de
isolamento e alienação, amplificando isso com o uso de planos abertos a partir
do momento em que ela vai para Graceland que ressaltam como aquela opulência pode
soar opressiva, vazia e solitária.
Tudo que eu sei sobre a cantora Luísa Sonza foi contra a
minha vontade. A garota é tão exposta na mídia que sei mais sobre a vida
pessoal dela do que a respeito de alguns parentes e olha que nunca procurei
ativamente nada sobre ela. Na verdade, ficaria bem contente em saber menos a
respeito. Curiosamente, apesar da exposição sei mais sobre as tretas de sua
vida pessoal do que sobre sua música, o que raramente é um bom sinal. O
documentário Se Eu Fosse Luísa Sonza
soa como um desdobramento inevitável para uma artista em ascensão, mas se
muitos usam esse tipo de produto como um veículo para expandir sua audiência, o
documentário da Netflix dividido em três episódios parece se dirigir aos fãs
mais ardorosos, já que a maneira como tudo é contado dificilmente vai convencer
ou aproximar qualquer outro espectador.
Trata-se de um documentário meramente laudatório, sem
qualquer nuance ou interesse de tentar entender a personalidade do objeto do
documentário. Tudo é posto para que Luísa seja vista como uma grande artista
(sem nada de muito convincente para justificar essa visão) ou como uma grande
coitada perseguida pela mídia (com um sensacionalismo exagerado que faz tudo
soar artificial) para atrair nossa comiseração. É um produto marcado pela
contradição de querer se expor intimamente e uma preocupação extrema em
controlar a narrativa e imagem que cerca a cantora.
Estrelado pelo comediante Sebastian Maniscalco e levemente
baseado na sua relação com o pai na vida real, Meu Pai é um Perigo é praticamente A Gaiola das Loucas (1996) trocando gays por italianos. Na trama,
Sebastian (Sebastian Maniscalco) é um filho de imigrante italiano que está
prestes a pedir a namorada, Ellie (Leslie Bibb), em casamento, mas seu pai,
Salvo (Robert De Niro), quer primeiro conhecer a tradicional família branca e
protestante de Ellie antes de dar a benção para o filho casar. Assim, Sebastian
e Salvo viajam para a propriedade da família de Ellie para passar o feriado de
4 de julho e o choque cultural entre as duas famílias cria caos.
O filme tem uma estrutura relativamente episódica, saindo de
um evento para outro quase como se fossem esquetes soltos ao invés de uma
narrativa coesa. Essa falta de coesão se vê também nos personagens, em especial
Salvo. Se nos primeiros momentos ele implica com absolutamente tudo, depois de
uma reclamação de Sebastian ele muda completamente de personalidade e
simplesmente passa a encantar toda a família de Ellie como se nada tivesse
acontecido. Esse tipo de guinada pela conveniência da trama tira o impacto de
aspectos mais dramáticos dos conflitos familiares que o filme tenta construir,
fazendo os momentos que deveriam ser de catarse e reconciliação não
funcionarem.
Inspirado no curta-metragem de mesmo nome, Acampamento de Teatro remete a comédias
dos anos 80 sobre acampamentos de férias cujas tramas giravam em torno de
salvar um acampamento humilde, mas adorado pelos veranistas, da falência ou de
ser comprado pelo acampamento dos ricos esnobes. Ele segue essa mesma premissa,
misturando com uma estrutura de falso documentário e um humor que parodia o
universo do teatro musical.
Durante décadas Joan (Amy Sedaris) dirigiu um acampamento de
férias dedicado a crianças que queriam estudar teatro. Embora humilde, o local
era adorado pelas crianças, mas quando Joan sofre um derrame, seu filho
influencer, Troy (Jimmy Tatro), assume a gestão do local implementando mudanças
e cortes de gastos para tentar salvar o local da falência. Demitindo boa parte
dos instrutores, cabe aos professores remanescentes, Amos (Ben Platt) e
Rebecca-Diane (Molly Gordon, que fez a namorada do Carmy em O Urso), tentarem manter o local
funcionando a contento e organizar um espetáculo em homenagem a Joan.
Não sabia o que esperar de Leo animação produzida e estrelada por Adam Sandler, mas o que
encontrei é uma aventura infantil razoavelmente divertida e inofensiva apesar
de lugar-comum. Na trama, Leo (Adam Sandler) é um lagarto de 74 anos que vive
como mascote de uma turma de quinta série em uma escola na Flórida. Quando ele
descobre que pode ter apenas mais um ano de vida, decide fugir para aproveitar
o tempo que resta. Acontece que ele acaba se envolvendo com os problemas
pessoais dos alunos e decide ajudá-los.
Os arcos das crianças são tramas bem comuns nesse tipo de
história, como a criança que se sente deslocada depois do divórcio dos pais,
crianças inseguras com a própria aparência, outra que é superprotegida pelos
pais ou uma cujos pais substituem presentes e bens materiais por afeto. Ainda
assim há um calor humano genuíno nas interações entre Leo e as crianças, com o
crescimento e aprendizado que elas têm sendo coerente com a dinâmica que a
trama estabelece e mostrando como uma criança pode se desenvolver se lidar com
seus problemas.
Depois que Dragon Ball Super: Broly trouxe uma boa releitura de um vilão que não era lá grande
coisa quando foi introduzido nos filmes de Dragon
Ball Z, confesso que fiquei esperançoso para o filme seguinte de Dragon Ball. As expectativas aumentaram
com o anúncio de que Dragon Ball Super:
Super Hero seria focado principalmente em Piccolo e Gohan, personagens que
há muito foram escanteados para que Goku e Vegeta dominassem tudo. O resultado,
no entanto, é uma reprodução pálida da saga de Cell que nunca chega nem perto
do impacto da original.
Na trama, Piccolo descobre que a força Red Ribbon está se
organizando novamente e criou dois poderosos novos androides, Gamma 1 e Gamma
2. Com Goku, Vegeta e Broly treinando no planeta de Bills e sem conseguir falar
com eles, Piccolo tenta persuadir Gohan a se juntar a ele nessa aventura. Como
eu disse, toda ideia de Red Ribbon, androides e até uma nova versão de Cell, o
gigante Cell Max, remetem de maneira muito direta à saga de Cell e dos
androides em Dragon Ball Z, com
muitos momentos se repetindo, inclusive Gohan perdendo o controle na batalha
contra Cell Max e alcançando um novo nível de poder.
Dirigido por Sam Esmail, criador da série Mr. Robot, O Mundo Depois de Nós traz algumas reflexões de nossa dependência
de tecnologia e também sobre as fissuras de nossa sociedade e como a combinação
desses elementos pode resultar em nossa perdição. Nem sempre trabalha essas
ideias a contento, mas se beneficia de um elenco afiado e de um senso constante
de pavor.
A trama acompanha uma família de férias. O casal Clay (Ethan
Hawke) e Amanda (Julia Roberts) alugam uma remota propriedade de luxo para
passarem um final de semana com os dois filhos. Durante a viagem eles notam que
a internet e o sinal de tv não funcionam, mas não pensam ser nada demais. Ao
longo do dia outros fenômenos estranhos voltam a acontecer e as coisas se
agravam quando dois estranhos, George (Mahershala Ali) e Ruth (Myha’la), batem
à porta e pedem abrigo de um severo blecaute. Agora eles precisam encontrar um
jeito de conviverem enquanto o mundo ao redor deles parece desmoronar.
Depois de um competente primeiro filme e uma continuação aquém do original, o diretor Antoine Fuqua e o ator Denzel Washington encerram
a história da Robert McCall neste O
Protetor: Capítulo Final. Não chega a ser tão bacana quanto o primeiro
filme, mas ao menos não é sem graça como o segundo.
A trama leva McCall (Denzel Washington) para a Sicília, no
sul da Itália. Ao enfrentar um grupo de mafiosos para recuperar algo que foi
levado dos EUA, o protagonista topa com um grande esquema de financiamento de
terrorismo via a máfia siciliana. Agora ele precisa proteger os habitantes da
pequena vila que é controlada pelos criminosos ao mesmo tempo em que tenta
contato com a CIA para alertá-los dessa ameaça em escala global, contando com a
ajuda da analista Emma (Dakota Fanning).
É uma trama um pouco mais lenta que os outros filmes, mas
cujo ritmo é necessário tanto para estabelecer as relações que McCall vai
construindo com o povo da vila e como o local vai aos poucos se tornando
importante para ele, como para o processo do personagem de finalmente
contemplar uma vida de paz, sem que precise entrar em conflitos o tempo todo. O
filme faz um bom trabalho de nos fazer entender porque alguém como ele se
interessaria pela banalidade da vida daquelas pessoas e porque preservar esse
modo de vida humilde e pacato da vila seria importante para McCall.
Tive pouco contato com os games da franquia Twisted Metal. Joguei brevemente no
Playstation original, mas não tenho muita memória. Lembro de alguns
personagens, como o palhaço Sweet Tooth e o fato de que os combates veiculares
giravam em torno de um torneio de embates até a morte. Era algo bem básico que
tinha minhas dúvidas se seria capaz de render uma série, mas Twisted Metal, criada pelos mesmos
responsáveis por Zumbilândia, entrega
uma aventura apocalíptica inesperadamente divertida.
A trama se passa em um futuro no qual a sociedade colapsou.
As poucas cidades que restaram se tornaram fortalezas muradas nas quais ninguém
mais entra. A comunicação entre as cidades é feita pelos “leiteiros”
entregadores que cruzam o país em carros cheios de blindagem e armas para
sobreviverem aos perigos da estrada. John Doe (Anthony Mackie) é um desses
leiteiros. Tendo vivido nos ermos a vida inteira, ele recebe a chance de morar
em São Francisco se cumprir uma perigosa entrega para a governante local, Raven
(Neve Campbell). No caminho ele conhece tipos perigosos como o insano Sweet
Tooth (Samoa Joe/Will Arnett) ou o policial Stone (Thomas Haden Church),
obcecado em fazer a lei valer nos ermos. Para sobreviver John se alia à
misteriosa Quiet (Stephanie Beatriz), de quem vai se aproximando aos poucos.
Dezembro chega e inevitavelmente começam a pipocar filmes
natalinos nos streamings e canais a
cabo. A Batalha de Natal, produzido
pela Prime Video, é o mais novo exemplar de produção feita à toque de caixa
para capitalizar no espírito das festas de fim de ano. Sim, eu sei que em pleno
2023 fazer um filme de natal que seja muito diferente ou inovador é complicado
considerando o volume de produções desse tipo que inundam os catálogos todo ano,
mas, ainda assim, A Batalha de Natal não
afasta a sensação de que já vimos tudo isso antes e que o filme funciona como
uma espécie de checklist de clichês
do gênero sem muita imaginação.
A trama gira em torno Chris (Eddie Murphy), um homem recém
desempregado que decide vencer a qualquer custo o concurso de decoração de
Natal de seu bairro para conquistar o prêmio em dinheiro da competição. Chris
acaba fazendo um pacto com a elfa natalina Pepper (Jillian Bell) para vencer,
mas a elfa cobra um custo e se ele não encontrar cinco anéis dourados até a
noite de Natal, Chris será transformado em uma decoração natalina.
A contravenção do jogo do bicho é um esquema que existe faz
tempo no Brasil e ocupa um lugar de destaque principalmente no Rio de Janeiro,
onde se originou. A série documental Vale
o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho, produzida pela Globoplay, conta a
história desse esquema de jogo e como ele se relaciona com diversas dimensões
da vida carioca, do carnaval à política, passando também pela origem de outros
grupos criminosos.
Dividida em oito episódios, a série foca cada um deles em
personalidades diferentes da contravenção, começando nas origens do jogo do
bicho e encerrando nos dias atuais. Em termos estilísticos a série entrega
aquilo já se tornou convencional em documentários sobre crimes, se estruturando
ao redor de entrevistas, imagens de arquivo e ocasionalmente algumas cenas
encenadas.
Apesar de tradicional em seu formato, o que chama a atenção
na série é a ampla pesquisa jornalística feita sobre o caso, cobrindo um longo
período de tempo e o amplo escopo da rede de crimes desses contraventores. A
série nos mostra como é o jogo do bicho que amplia e organiza o carnaval
carioca e o desfile das escolas de samba, não apenas ao assumirem e financiarem
individualmente certas escolas de samba, mas na criação da Liga que representa
o coletivo das escolas e organiza a competição. Do mesmo modo, vemos como
muitos dos bicheiros da chamada “alta cúpula” do jogo tem ligação com vários
políticos em posição de destaque no Rio e na política nacional.
Eu não esperava nada muito inovador ou diferente quando fui
assistir A Lista de Beijos, mas
queria ao menos ver uma comédia adolescente minimamente bem realizada e
carismática. O que encontrei, no entanto, foi uma coleção de lugares comuns
pouco imaginativos que não servem para dar ao filme nenhum tipo de
personalidade própria.
A narrativa gira em torno de Camille (Megan Suri) que
consegue beijar um dos garotos populares da escola. O que deveria ser um sonho
se torna um pesadelo quando o garoto espalha para toda escola que ela beija
mal. Quando fazem uma enquete no colégio e apenas quatro pessoas dizem que
ficariam com Camille, ela decide procurar essas pessoas para provar que não
beija mal.
É uma típica história de despertar afetivo adolescente. Uma
personagem que sente que está “atrasada” em suas experiências afetivas e
sexuais e decide correr atrás do tempo perdido de uma maneira que não é
exatamente saudável. Já assistimos vários filmes assim, de American Pie (1999) a Superbad
(2007) passando pelo recente e ótimo Clube da Luta para Meninas(2023) e A Lista
de Beijos não faz nada de interessante com sua premissa.
O primeiro A Freira(2018) não tinha nada de muito espetacular, mas funcionava
principalmente por conta do visual sinistro de sua criatura. Este A Freira 2, ainda que se apoie nesse
mesmo elemento, soa como uma continuação protocolar, feita só para tentar
arrancar dinheiro do público, sem muito a dizer sobre seus personagens ou o mal
que seu demônio representa.
A trama se passa em 1956. A irmã
Irene (Taissa Farmiga) reconstruiu sua vida depois dos eventos do primeiro
filme, mas a igreja lhe incumbiu uma nova missão: investigar uma série de
mortes em locais religiosos através da Europa que indicam que o demônio Valak
está à solta mais uma vez. A investigação aponta para um convento na França que
serve de escola para jovens garotas.
A trama demora a colocar Irene e
a irmã Debra (Storm Reid), sua aliada da vez, em meio ao conflito principal,
jogando as duas ao redor da Europa investigando pistas e tentando encontrar um
artefato sagrado, os olhos de Santa Luzia, que supostamente deteriam a freira
demoníaca. É algo que mais parece saído de um filme do Indiana Jones do que de
uma trama de terror e com tanto tempo gasto com o isso o filme desperdiça as
possibilidades de usar a presença de um demônio que assombra igrejas para
ponderar sobre a natureza do mal, a falibilidade humana ou como os mais santos
entre nós também tem a mácula do pecado.
Estrelado por Awkwafina e Sandra Oh, Quiz Lady é um road movie
bem típico que envolve pelas duas protagonistas. A trama é centrada em Anne
(Awkwafina) uma contadora solitária cujo ponto alto de suas noites é assistir o
mesmo programa de perguntas e respostas que ela acompanha desde a infância.
Tendo começado a assistir durante o divórcio dos pais, o programa virou para
ela uma espécie de porto seguro e um momento no qual ela se sente em controle
da própria vida.
As coisas se complicam quando seu cachorro é sequestrado por
agiotas para quem sua mãe viciada em jogo deve dinheiro. Como a mãe de Anne
fugiu do país e voltou para a China, o agiota resolve cobrar de Anne e
sequestra seu cachorro para obrigá-la a pagar. A irresponsável irmã mais velha
de Anne, Jenny (Sandra Oh), a encoraja a participar do programa que assiste
diariamente para levantar o dinheiro. Assim as duas iniciam uma viagem pelo
país para tentar entrar no programa.
Segundo longa metragem da diretora Emma Seligman (do ótimo Shiva Baby), é uma pena que este Clube da Luta Para Meninas tenha chegado
ao Brasil com um título tão genérico ao invés da tradução não oficial Passivonas com o qual ele circulava pela
internet, já que é mais fiel ao título original Bottoms e também ao espírito de sátira do filme. É uma produção que
mergulha no absurdo, mas que comenta de maneira consistente sobre o senso de
invisibilidade e inadequação da juventude.
A trama é protagonizada por PJ (Rachel Sennott) e Josie (Ayo
Edebiri), duas garotas pouco populares, solitárias e lésbicas que, na tradição
das comédias adolescentes estadunidenses, decidem que o próximo ano escolar
será finalmente aquele em que perderão suas respectivas virgindades. Para fazer
isso inventam uma mentira de que passaram as férias em um reformatório e que
tiveram que lutar contra toda sorte de agressor e abusador. A partir daí elas
decidem iniciar um “clube da luta” supostamente para ensinar as garotas da
escola a se defenderem, mas na verdade querem usar isso como um pretexto para
se aproximarem das meninas de quem gostam.
Depois de um hiato de quase dois anos após sua primeira
temporada, a animação Invencívelchega
ao seu segundo ano com uma divisão em duas partes, com os primeiros quatro
episódios sendo lançados agora em novembro de 2023 e a segunda parte chegando
em algum momento no início de 2024. A decisão foi tomada supostamente para que
o público não se dispersasse por conta das festas de fim ano, um raciocínio que
não faz sentido considerando que se trata de uma produção de streaming e não de
TV convencional, que é exibida em um horário específico e requer que as pessoas
sintonizem naquele momento. Digo isso porque a trama claramente não foi
construída pensando em uma divisão.
A narrativa se passa cerca de seis meses depois dos eventos
do ano de estreia, Mark e mãe, Debbie, ainda lidam com os sentimentos
resultantes do ataque do Omni-Man e a revelação que ele veio à Terra para
conquistá-la. Enquanto isso, o Robô se acostuma ao seu novo corpo e treina os Guardiões do Globo para estarem à altura de enfrentarem Omni-Man em um eventual
retorno. Eve Atômica, por sua vez, pensa em como usar seus poderes para ajudar
as pessoas agora que não é mais uma super-heroína enfrentando vilões.
Meu primeiro contato com a obra de Bryan Lee O’Malley foi a
adaptação para os cinemas de Scott
Pilgrim Contra o Mundo (2010), de Edgar Wright. Um tempo depois fui ler o
quadrinho homônimo que inspirou o filme e gostei ainda mais, já que ele
aprofundava mais os vários personagens e dava mais evidência ao fato de Scott
estar longe de ser um “cara legal” e que Ramona tinha seu grau de
responsabilidade no modo como tratava aqueles com quem se relacionava. Agora,
cerca de vinte anos depois do lançamento do quadrinho, ele é adaptado como
série animada pela Netflix neste Scott
Pilgrim: A Série.
Inicialmente pensei que fosse ser uma adaptação mais fiel da
HQ e me empolguei pelo fato do elenco de dubladores ser o mesmo do filme do
Edgar Wright, já que todos funcionavam muito bem. A série, no entanto, é mais
uma releitura do material original do que uma transposição direta, o que acaba
se revelando uma boa escolha. Primeiro que evita a estrutura de uma ordem
linear no enfrentamento com os ex-namorados de Ramona, algo que fez o quadrinho
e o filme soarem repetitivos em certos pontos. Segundo que com o distanciamento
de vinte anos de sua própria obra, O’Malley, que escreveu os roteiros dos oito
episódios, pode examinar melhor alguns aspectos que não foram tão bem trabalhados no
original e expande muito de suas ideias.
Adaptando o romance Are
You There God? It’s Me Margaret, de Judy Blume, o filme Crescendo Juntas é uma típica história
de amadurecimento e descobertas que envolvem a chegada da adolescência. Apesar
de ser um tipo de história similar a várias outras que já vimos, o filme
conquista pela sua sensibilidade e doçura.
A trama se passa em 1970 e é protagonizada por Margaret
(Abby Ryder Fortson), uma garota prestes a fazer 12 anos que começa a
contemplar as mudanças trazidas pela adolescência. Ela também lida com uma
mudança literal, já que sua família se muda de Nova Iorque para os subúrbios de
Nova Jersey, começando em uma nova escola e precisando fazer novas amizades.
A narrativa traz tópicos presentes em muitas tramas sobre
juventude, como a primeira menstruação, o primeiro sutiã ou o despertar do
interesse por garotos. São temas passíveis de discussão franca e aberta hoje,
mas não tanto na época em que a história se passa e na qual o livro foi
escrito. É um período onde não há internet, informação não estava disponível
tão fácil e mesmo locais de aprendizado, como a escola, lidavam com esses temas
de maneira relativamente tabu.
O texto, porém, evita que tudo isso soe excessivamente
didático ao enquadrar tudo sob a perspectiva de Margaret e transitar com
bastante sensibilidade entre esses temas, fugindo de simplismos que diluiriam
suas ideias. A trama também é esperta ao não eleger vilãs para a história,
entendendo a imaturidade de suas personagens e como muito das ações dessas garotas
são movidas por senso de insegurança e necessidade de pertencimento. Assim,
mesmo quando Nancy (Elle Graham), uma garota que posava de avançada e já
desenvolvida, é revelada como mentirosa, a narrativa trata isso mais como uma
evidência da fragilidade da menina e seu desejo desesperado de adequação do que
como uma falha moral de seu caráter, entendendo que jovens eventualmente fazem
besteira, agem com imaturidade e se magoam.
Muito da sensibilidade do filme vem também do elenco. A
jovem Abby Ryder Fortson traz uma doçura e ingenuidade encantadora a Margaret e
estabelece uma química afetuosa com o resto da família, o pai, Herb (Benny
Safdie), a mãe, Barbara (Rachel McAdams), e especialmente a avó paterna, Sylvia
(Kathy Bates), que funciona como um porto seguro para a garota. As relações
entre esses personagens estabelecem um lar cheio de calor humano que contribui
para o olhar afetuoso que o filme constrói sobre juventude.
Inclusive a fotografia preza por tons de sépia, com matizes
de laranja e marrons, que parecem evocar uma certa nostalgia pelo passado e
pela infância. Esse componente visual de nostalgia ajuda a justificar o retrato
mais inclusivo que faz da vida suburbana nos EUA da década de 70, aqui mostrado
como um espaço mais inclusivo e menos preconceituoso do que realmente era. Esse
retrato soa menos como uma tentativa de reescrever ou romantizar a história e
mais com o fato de tudo ser filtrado pela subjetividade de Margaret, que
observa tudo com sua ingenuidade infantil e, talvez por isso, não atente para
certas coisas.
Isso não significa, no entanto, que o filme faça um retrato
completamente idílico da sociedade estadunidense na década de 70. Como o cerne
do conflito de Margaret está em sua relação com deus por ter uma mãe cristã e
um pai judeu, a narrativa explora como intolerância ou imposição religiosa pode
afastar as pessoas ao nos informar que Barbara foi expulsa de casa pelos pais
conservadores cristãos ao se relacionar com o judeu Herb. A descoberta desses
fatos por Margaret representa a mudança na visão que temos de nossos pais
conforme crescemos. Se na infância os vemos como super-heróis infalíveis,
conforme chegamos na adolescência vamos percebendo a humanidade e como eles são
pessoas com falhas e problemas como quaisquer outras.
O debate sobre a relação de Margaret com deus e que caminho
ela deveria seguir em sua vida espiritual é inteligentemente deixado em aberto
para a interpretação do espectador, evitando assim respostas fáceis sobre algo
tão complexo e reconhecendo que esse é um elemento íntimo de cada sujeito a ser
resolvido dentro da subjetividade de cada um. Assim, ainda que se estruture
como uma típica história de amadurecimento, Crescendo
Juntas envolve pela doçura de sua protagonista e pela sensibilidade com a
qual transita sobre seus temas de juventude.
Fortunas são construídas e perdidas rapidamente no mercado
financeiro. Investimentos na bolsa muitas vezes soam como um cassino e como
tal, tem seus vícios nos resultados. Dinheiro
Fácil é um filme que serve de lembrete de como os super ricos colocam o
dedo na balança do mercado e viciam os resultados a seu favor, não dando
nenhuma chance para que trabalhadores e assalariados consigam ganhar algo.
A trama se baseia na história real de Keith Gill (Paul
Dano), bancário e analista financeiro que percebeu em 2020 que o mercado estava
subvalorizando as ações da loja de games Gamestop. A franquia de lojas se
mantinha aberta durante a pandemia por vender dispositivos eletrônicos
considerados de primeira necessidade, mas grandes fundos de investimento
compravam ações da empresa a descoberto apostando em sua queda. A tese de Gill
era de que o mercado estava criando uma espécie de “profecia auto realizável”.
Ao apostar bilhões na desvalorização, eles instigariam o resto do mercado a
apostar junto, efetivamente fazendo outras pessoas investirem na queda das
ações, quebrando a empresa, desempregando milhares e fazendo esses bilionários
ainda mais ricos sem terem produzido efetivamente nada.
Dirigido por Ridley Scott, Napoleão funciona mais como um estudo de personagem do que como um
épico histórico. Digo isso porque a trama é mais interessada na relação de seu
personagem título com esposa e o que motiva suas ações do que em grandes
batalhas ou em todo o contexto das Guerras Napoleônicas. Não que essa escolha
seja um problema, apenas aviso para que ajustem suas expectativas.
A trama acompanha Napoleão (Joaquin Phoenix) a partir de sua
ascensão no exército após a revolução francesa. Com suas primeiras vitórias ele
se consolida em uma posição de liderança e se casa com a bela Josefina (Vanessa
Kirby) enquanto suas ambições o impelem a almejar cada vez mais.
O filme é, em essência, um estudo sobre essa ambição
desmedida que coloca a busca por grandeza acima de tudo, sacrificando até mesmo
a relação com a mulher que ama, e o que impele essa busca. A narrativa constrói
Napoleão como um bruto vulgar dotado de certo complexo de inferioridade por vir
de uma família humilde ao contrário dos aristocratas ricos que o cercam. Assim,
o personagem age como se sempre tivesse algo a provar e seu desejo de
conquista, bem como a vaidade com a qual exibe sua inteligência tática, se
mostram fruto dessa tentativa de ser visto como alguém grandioso.