terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Crítica – Aquaman




Depois da recepção abaixo do esperado de Liga da Justiça (2017) ficava claro que o modelo do diretor Zack Snyder para os heróis da DC não era mais comercialmente viável. O diretor teve três chances nesse universo e todas as três obtiveram um resultado morno, embora alguns estúdios ainda tenham tentado copiar equivocadamente esse formato como o péssimo Robin Hood. Este Aquaman tinha a missão de mostrar que o universo DC poderia se sustentar sem o diretor e construir em cima das promessas deixadas em Liga da Justiça.

É curioso que enquanto muitos blockbusters recentes, como o já citado Robin Hood, tentam copiar essa estrutura dark e sisuda, o chamado universo compartilhado da DC nos cinemas (que começou em O Homem de Aço) só obteve sucessos incontestes quando foi na contramão disso, abraçando a fantasia e aventura em Mulher Maravilha (2017), e agora tenta ser bem sucedido ao fazer um filme com um quê de matinê dos anos 30 e espírito de uma aventura de capa e espada (ou tridente) neste Aquaman.

Na trama, Arthur (Jason Momoa) é filho de um humano, Tom (Temuera Morrison), com a rainha Atlanna (Nicole Kidman), monarca da nação submarina de Atlântida. Arthur cresce na superfície, alheio ao que acontece em Atlântida, mas quando o seu meio-irmão, o rei Orm (Patrick Wilson) decide declarar guerra à superfície, ele se junta à princesa Mera (Amber Heard) e ao conselheiro Vulko (Willem Dafoe) para deter a guerra iminente e, para isso, precisam recuperar o tridente perdido de Atlan, primeiro rei de Atlântida.

Essa estrutura, a busca por um artefato místico perdido, por si só já remete a antigos filmes de aventura ou obras tributárias eles como a franquia Indiana Jones, mas isso se manifesta também nos personagens, principalmente em Arthur. Jason Momoa faz de Arthur um herói à moda antiga, um sujeito audacioso, intempestivo e ocasionalmente petulante que age primeiro, pensa depois e sempre tem uma frase de efeito na ponta da língua. O texto, no entanto, coloca o personagem para enfrentar as consequências de sua impetuosidade, seja no fato dele desnecessariamente atrair o ódio do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen) ao se recusar a salvar o pai do pirata ou decisão de confrontar diretamente Orm sem estar devidamente preparado apenas consolida o vilão no poder.

Desta forma o texto dá a Arthur um arco bastante convincente de amadurecimento e responsabilidade, que funciona pela sinceridade e carisma de Momoa apesar de seguir as batidas típicas de narrativas do gênero e jornadas de heróis. Típico também é o relacionamento entre Arthur e Mera que segue o clichê típico do casal que discute o tempo todo, mas que se ama.

Construído em cima de diálogos previsíveis e situações cheias de lugares-comuns, o enlace romântico entre Arthur e Mera acaba sendo o elo fraco do filme. Na verdade, fiquei muito mais investido na relação entre Tom Curry e Atlanna (uma das últimas cenas é dos dois juntos) do que a do casal protagonista. Por outro lado, os vilões tem motivações compreensíveis e bem construídas. É difícil não dar certa razão a Orm para detestar a superfície por conta da devastação dos oceanos, do mesmo modo que podemos compreender a razão do ódio do Arraia, já que Arthur não precisava realmente deixar o pai dele morrer.

O design de produção faz de Atlântida um misto entre algo medieval, com tridentes, cotas de malha e animais servindo de montaria, e um futurismo avançado com veículos velozes, armas avançadas e alta tecnologia que tende a um visual limpo e algumas cores claras, como as armaduras brancas dos soldados, embora também use bastante tons cítricos conferindo uma atmosfera delirante ou psicodélica aos reinos submarinos. O esplendor do reino submerso é contrastado com as criaturas que Arthur encontra em profundidades abissais que parecem saídas de um filme de terror (um gênero que o diretor James Wan tem familiaridade, vide seu trabalho nos dois Invocação do Mal) e há um gigantesco monstro que remete às crias do escritor H.P Lovecraft com seu tamanho colossal e inúmeros tentáculos, garras e pernas que tornam difícil precisar sua forma. O departamento de som opta por aplicar distorções nas falas ditas em ambientes submersos contribuindo para tornar crível que estamos ouvindo algo que está se propagando através da água.

A ação preza por planos mais longos, com poucos cortes e explorando bem os espaços criando um senso de coesão mesmo nas batalhas mais caóticas. O comprometimento do diretor James Wan com o plano-sequência (ou a ilusão de um plano-sequência) é visto já nos primeiros minutos do filme numa intensa luta entre a rainha Atlanna e soldados atlantes. Ele volta a exercer seu domínio do espaço na luta entre Arthur, Mera e o Arraia Negra, com a câmera passeando entre diferentes pontos da cidade sem fragmentar a ação e sempre permitindo que compreendamos onde cada um está em relação ao outro e as temporalidades simultâneas dos eventos. Elas empolgam justamente por manterem o olhar no que acontece ao invés de fraturá-lo em múltiplos cortes por segundo ou abusando da câmera lenta, um recurso que Wan usa com parcimônia e sempre para ressaltar determinadas ações.

É por conta do senso estético de James Wan e do carisma do elenco que Aquaman acaba sendo uma aventura tão divertida e empolgante a despeito da trama básica.


Nota: 8/10

Trailer

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