Máquina de esmagar
A trama conta a história real de Mark Kerr (Dwayne “The Rock” Johnson), lutador que foi um dos pioneiros no UFC. A narrativa acompanha a ascensão de Kerr nos primeiros anos da modalidade, quando ela ainda era olhada com desconfiança pela população e os lutadores não recebiam muito, seus problemas com narcóticos e sua relação atribulada com a esposa, Dawn (Emily Blunt).
A despeito do título e do material de divulgação focarem bastante em Kerr como lutador, o filme acaba sendo mais sobre o processo de sobriedade dele do que sobre lutas em si. Não que a narrativa não apresente cenas de luta e que elas não reflitam o quão brutal era o UFC no final dos anos 90 com bem menos regras e segurança para os lutadores, mas a trama foca menos nisso do que na recuperação de Mark.
Muito se falou da transformação física de Dwayne Johnson, recorrendo a próteses e maquiagens, para evocar a aparência de Mark. A despeito de aparência, no entanto, Mark não chega a ser diferente de outros personagens que Johnson viveu antes, um sujeito grandalhão de grande coração, cujo físico intimidador esconde um sujeito boa praça. A diferença é que aqui o personagem tem algumas camadas a mais do que é comum em outros trabalhos dele, exibindo algum grau de vulnerabilidade emocional por conta de seus vícios e de como sua primeira derrota erode toda a visão de mundo e senso de si de Mark. Nesse sentido, Johnson consegue mostrar aqui um alcance que seus outros projetos, mais acomodados em sua persona cinematográfica, não lhe dão espaço para desenvolver, embora não seja exatamente a guinada radical que foi anunciada.
Emily Blunt, por outro lado, fica mais uma vez presa ao papel de esposa que não tem qualquer arco ou personalidade própria e existe para gravitar em torno do marido, tal como em Oppenheimer (2023). Aqui Dawn parece existir apenas para criar crises na vida de Mark, sempre iniciando uma discussão aparentemente do nada e agindo de maneira histérica, muitas vezes menosprezando o esforço de sobriedade do marido. Ela, no entanto, tem razão ao dizer que Mark não a conhece de verdade, já que a história é contada do ponto de vista dele e passamos o filme sem conhecer muito a respeito dela, o que a move ou o porquê dela continuar com Mark a despeito de tudo. Blunt ao menos consegue dar alguma credibilidade a Dawn, impedindo que ela descambe para a caricatura.
Rodapé histórico
Apesar de constantemente nos informar que Mark foi essa figura muito importante para o universo do MMA, a narrativa nunca consegue nos convencer disso. Talvez por conta do recorte temporal de narrar apenas um intervalo de três ou quatro anos na vida dele entre os anos 90 e 2000, mas ao longo do filme não há nada que o marque como essa figura seminal do esporte. Talvez para quem é fã de MMA e que tem um conhecimento prévio sobre Mark, para além do que é apresentado no filme, ele consiga funcionar nesse sentido. Se você está conhecendo Mark pela primeira vez aqui, como é meu caso, é difícil comprar o argumento que o filme faz de que ele seria uma “página esquecida” da história do esporte, quando o que o filme de fato mostra é que ele no máximo seria uma nota de rodapé dessa história.
Isso faz o final não ter o impacto pretendido, algo que também é prejudicado pela falta de ápice do clímax. Sim, é visível que Benny Safdie, que também escreveu o roteiro, além de dirigir, queria subverter alguns elementos típicos dessas histórias de esporte e superação, dando um ar mais introspectivo e talvez até trágico, algo que Darren Aronofsky fez muito bem em O Lutador (2008), mas que não tem o mesmo êxito aqui. É visível desde o início que o arco de Mark é entender que ele pode ser mais que uma máquina de vencer, que é nocivo achar que seu valor enquanto pessoa está diretamente conectado ao fato de nunca perder lutas, que ao longo do filme Mark irá, em algum momento, ficar em paz com a ideia de que não precisa ser invencível para ser alguém.
É interessante que um filme com esse tipo de história e de personagem queira explorar as vulnerabilidades emocionais de seu protagonista. A questão é que quando essa transformação emocional de fato vem o filme lida com ela sem muito impacto dramático, sem força expressiva. Parece que a narrativa simplesmente se resigna a acabar e pronto.
No fim, Coração de Lutador nunca consegue justificar a história que conta a respeito de seu protagonista ser uma espécie de figura esquecida nos anais do MMA, nem amarrar bem a jornada emocional que constrói para ele.
Nota: 5/10
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