Marcha da morte
A trama se passa em um Estados Unidos distópico que foi devastado por uma guerra civil e que agora vive sob um governo autoritário liderado pelo truculento Major (Mark Hamill). A população vive em um estado precário e periodicamente é realizado um evento chamado “a longa marcha” no qual cinquenta jovens são sorteados para uma disputa. Eles precisam caminhar mantendo uma velocidade constante de três milhas por hora, quem ficar abaixo disso ou parar será morto. Vence o último que sobrar. O grande prêmio em dinheiro e a realização de um pedido são o que motiva a população a se envolver nesse jogo mortal, mas alguns participantes tem motivações diferentes. Ray Garraty (Cooper Hoffman) se voluntariou para a competição com o desejo de se vingar do Major que executou seu pai por ser um dissidente. Ao longo da marcha Ray forma uma amizade com outro competidor, Peter McVries (David Jonsson, de Alien Romulus). O laço que se forma entre eles os mantem resistindo às agruras da competição.
O filme não economiza na violência, mostrando cada execução com uma crueza brutal, estabelecendo desde os primeiros minutos o que está em jogo para os personagens. Sentimos desde o início a pressão a qual aquelas pessoas estão sendo submetidas e a natureza implacável do Major. É curioso que conforme a trama progride as execuções passam a ser mostradas de modo mais distanciado, apenas com o tiro sendo ouvido ou um corpo caindo à distância, como para comunicar o quanto os competidores (e até mesmo nós espectadores) estão ficando dessensibilizados com essa violência constante.
A maquiagem e figurinos trabalham para mostrar o desgaste físico e mental dos personagens ao longo dos vários dias de marcha incessante. Conforme o tempo progride vemos o aspecto físico e as roupas deles se deteriorarem, revelando as consequências do cansaço, má alimentação, falta de sono, má higiene e todo o aspecto precário da competição. A todo momento somos relembrados da pobreza e brutalidade que cerca esses personagens. Ao contrário do que diz o Major, aqueles jovens não estão ali para inspirar pessoas, eles são animais sacrificiais, sendo mortos para lembrar a população que qualquer um que não se conformar às demandas do regime e marchar ao seu ritmo será executado.
Sobrevivência conjunta
Mesmo em meio a toda essa violência encontramos humanidade na amizade que floresce entre Ray e Peter. Cooper Hoffman e David Jonsson convencem do laço afetivo que se desenvolve entre os dois personagens conforme eles ajudam a manter um ao outro vivos ao longo da competição e se tornam confidentes, explicando suas motivações para estarem ali. A dupla traz um bem vindo calor humano a uma história que, de outro modo, seria bastante sombria. Pequenos gestos de cooperação, como dividir comida ou permitir que o amigo apoie o corpo em si, se tornam momentos de triunfo diante da brutalidade que os cerca.
Jonsson faz de Peter alguém que carrega consigo o peso de uma vida inteira de dificuldades e que já viu tantas tragédias acontecerem que adota uma postura protetora dos colegas competidores a quem se afeiçoa. É também um sujeito que consegue manter alguma chama de esperança apesar de tudo que já viveu. Já Hoffman faz Ray soar como um garoto aparentemente comum, mas conforme passamos tempo com ele vemos a raiva contra o regime que ferve sob sua fachada aparentemente calma. O coração gentil de Peter afeta Ray da mesma forma como a vontade de revolução de Ray afeta Peter.
Os outros competidores não têm tanto espaço quanto a dupla principal, mas o filme dá a alguns deles atenção suficiente para que suas mortes sejam sentidas e que entendamos o impacto de Ray e Peter perderem mais um amigo cada vez que um deles se vai. Judy Greer aparece pouco como a mãe de Ray, mas faz valer seu tempo de cena, em especial no momento em que aparece na beira da estrada para torcer por ele, exibindo uma intensa mistura de esperança e apreensão pelo filho em poucos segundos. É mais um momento em que as conexões afetivas dos personagens nos fazem sentir o tanto que está em jogo. O Major, por sua vez, é só um fascista genérico, no entanto, Mark Hamill consegue dar a ele uma intensidade brutal que sempre nos deixa apreensivos quando ele está em cena. O fato dele ficar confortavelmente sentado em seu veículo blindado enquanto os competidores caminham e sangram sobre o sol já nos informa da cruel dinâmica de poder daquele universo.
O desfecho traz algumas guinadas
surpreendentes, que são coerentes com a natureza brutal da narrativa. Há um
misto de esperança e amargor na maneira como tudo encerra, já que por mais que
a ação dos protagonistas possa ter mudado as coisas, o filme (assim como o
romance de King) também nos dá a impressão de que ninguém saiu realmente
vitorioso de toda aquela brutalidade.
Nota: 7/10
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