Pessoas normais assustam
A narrativa é centrada em Victor Frankenstein (Oscar Isaac), um nobre destituído que desde jovem se tornou obcecado em ser capaz de reanimar os mortos e criar uma nova forma de vida. Sem ser levado a sério pela comunidade científica, ele consegue financiar sua pesquisa através do magnata comercial Harlander (Christoph Waltz). Com o dinheiro Victor consegue montar um laboratório e começa seu processo de estudar a reanimação. Quando ele finalmente consegue reconstruir um ser humano a partir de partes de cadáveres e reanima seu construto, se decepciona com a Criatura (Jacob Elordi) e decide destruir o experimento. A Criatura, no entanto, sobrevive e passa a perseguir Victor.
Guillermo del Toro se mantem fiel ao romance de Mary Shelley ao construir uma Criatura que, a despeito de sua força e sua capacidade agressiva, é também uma figura eloquente, atormentada por uma existência na qual foi forçado e questionando o propósito de uma vida sem fim, sem aceitação ou companhia. A tragédia da criatura e a vida de incompreensão já eram elementos presentes no romance, mas del Toro também adiciona um componente de drama familiar, tratando a dinâmica entre Victor e sua Criatura como uma relação parental tóxica. No livro Victor abandona a Criatura assim que vê o resultado seu experimento, aqui ele tenta ensiná-la apenas para se frustrar com suas limitações iniciais e desiste.
O modo como Victor trata sua criação, menosprezando-o e agindo com agressividade quando ele não corresponde às suas expectativas é um espelho da relação de Victor com o próprio pai, também um sujeito exigente, opressivo e emocionalmente ausente. Outro trauma parental de Victor é a perda mãe, Claire (Mia Goth), ainda jovem e como a ausência da mãe desemboca na obsessão dele por Elizabeth (também Mia Goth), noiva de seu irmão mais novo William (Felix Kammerer).
É Victor desde o início que é tratado como monstruoso, seja por sua ética fluida na qual ele parece disposto a qualquer coisa para validar seus experimentos, seja pelo modo desumano com o qual ele trata sua criação. Apesar de tanto detestar o pai, Victor repetiu o mesmo padrão de comportamento nocivo com a sua cria. É ele, o nobre bem nascido e bem educado que age como um monstro feroz e ensina a Criatura a capacidade destrutiva humana, embora ele não seja o único que revela o pior da humanidade. Essa noção de que são as pessoas normais as mais monstruosas já estava presente em algum grau no romance e também em obras anteriores de del Toro como O Beco do Pesadelo (2022) ou A Forma da Água (2017).
Pobre criatura
Como é comum na filmografia de Guillermo del Toro, há uma cuidado enorme em realizar o máximo possível usando efeitos práticos, maquiagem e cenários reais. São escolhas que ajudam ancorar tudo em algum senso de materialidade até mesmo para os elementos mais fantásticos da narrativa. A Criatura exibe várias linhas de costuras e tons de pele diferentes em seu corpo, evidenciado como ela é formada de vários corpos em diferentes estágios de decomposição. Jacob Elordi, por sinal, traz um bom equilíbrio entre uma agressividade ameaçadora nos momentos de revolta da Criatura e uma melancolia de alguém que vaga a esmo pelo mundo em uma existência eterna e vazia. O porte físico do ator e seus membros esguios ajudam a dar a impressão de que estamos diante de algo não humano e com capacidades físicas que vão além de uma pessoa normal, mas seu olhar carrega a vulnerabilidade de alguém que anseia por aceitação e contato com outras pessoas.
Assim como Victor a Criatura também se torna encantada por Elizabeth, já que a cunhada do cientista é a única que demonstra alguma preocupação com ele. Isso é visto na cena em que a criatura retira a luva de Elizabeth e toca em sua mão. É um momento simbólico de se permitir entrar em contato com alguém para além da superfície, de se conectar com outra pessoa em outro nível. Considerando que Elizabeth é a única fagulha de afeto tanto na vida da Criatura quanto na de Victor não é de estranhar que os figurinos da personagem sejam marcados por cores intensas que a fazem se destacar em qualquer multidão ou ambiente em que se encontre, fazendo dela uma espécie de presença luminosa na vida de Victor e da Criatura. Inclusive não é por acaso que Mia Goth interprete tanto a mãe quanto o interesse amoroso de Victor, deixando evidentes as questões emocionais mal resolvidas que o protagonista tem com a perda da mãe.
A dinâmica entre os três, como
boa parte das relações da narrativa, tem um componente trágico, mas aqui del
Toro ao menos traz alguma medida de esperança ao colocar seus protagonistas
para romperem o ciclo de relações parentais nocivas às quais foram submetidos,
já que esse funciona como o tema central dessa versão. Desta maneira, Frankenstein funciona como uma macabra e
emocional análise sobre conexões humanas, ponderando como somos moldados por nossos
traumas e como são eles, não a aparência ou o modo de nascença, que tornam as
pessoas em monstros.
Nota: 8/10
Trailer

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