segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Crítica – Os Enforcados

 

Análise Crítica – Os Enforcados

Review – Os Enforcados
Entre os vários gêneros que o cinema brasileiro tem explorado com regularidade nos últimos anos, o thriller é um dos que menos aparece na nossa cinematografia. Dirigido por Fernando Coimbra (responsável pelo excelente O Lobo Atrás da Porta) este Os Enforcados tenta construir uma trama de suspense a partir do universo da contravenção do jogo do bicho.

Profissão de risco

Regina (Leandra Leal) está no meio da reforma da mansão na qual vive com o marido, Valério (Irandhir Santos), os gastos estão altos e Valério lhe informa que precisarão diminuir custos pois seus negócios não estão indo bem. Valério trabalha com o tio (Stepan Nercessian) na exploração de caça-níqueis e jogo do bicho, sendo responsável por lavar o dinheiro da contravenção do tio. Regina tenta estimular o marido a tomar o controle dos negócios, já que o tio teria assassinado o pai de Valério para chegar ao topo dos negócios. A oportunidade vem quando o tio pede para se esconder na casa deles antes de fugir do país por conta de algum esquema que deu errado. Tomar o controle, no entanto, é apenas o início dos problemas do casal, já que o tio deixou muitas dívidas com outros figurões do crime.

Longe de serem gênios do crime, os protagonistas são pessoas que se colocam em uma situação na qual não entendem plenamente e não estão preparados para lidar, principalmente Regina, cuja ambição motiva o marido, mas que tem dificuldade em conviver com a violência que o novo estilo de vida traz. Mesmo Valério não é um sujeito plenamente imerso no mundo do crime, já que foi criado longe dessa vida pelo pai e não tem um entendimento amplo que o tio tinha do negócio.

Assim, muito da tensão vem da ambiguidade desses personagens. Pessoas que inicialmente não tem estômago para suportar uma vida de contravenção, mas cujas ambições os impeliram a ela e estão dispostos a qualquer coisa para sobreviver quando acuados. Tanto Leandra Leal quanto Irandhir Santos nos fazem perceber o quanto Regina e Valério são pessoas capazes de coisas horríveis ao mesmo tempo em que evidenciam o quanto eles estão abalados psicologicamente por tudo que fizeram.

A parede da mansão na qual ocultaram um cadáver parece apodrecer diante dos olhos de Regina, conotando o remorso e a instabilidade mental que pende sobre ela depois do assassinato. Valério, por sua vez, fica cada vez mais paranoico, sempre achando que alguém pode denunciá-lo ou que seus rivais estão sempre em seu encalço. Como esses personagens transitam entre a crueldade e a vulnerabilidade, estamos sempre em suspense se eles serão capazes de lidar com os problemas que surgem.

Todo carnaval tem seu fim

Enquanto tenta controlar os negócios do tio, a escola de samba que ele gerenciava e lidar com a ameaça dos rivais, Valério também fica na mira das autoridades que veem nele o vetor que conecta todos os crimes. A relação com o delegado de polícia federal que investiga o caso é o elemento menos crível do filme, já que é difícil embarcar na ideia de pessoas na situação social do casal, mesmo que fossem inocentes, falarem com autoridades sem a presença de seus advogados.

Também é difícil embarcar na ideia de que a polícia intimaria Regina para depor contra o cônjuge, já que esse seria o tipo de coisa que advogados de uma família endinheirada derrubariam fácil e para contornar isso o filme precisa fazer Regina agir como uma completa idiota indo até a polícia sozinha e sem sequer falar com o marido. Sim, ela não é exatamente uma gênia do crime, sendo mais uma dondoca assustada disposta a ir a extremos para conseguir o que quer, mas mesmo assim é difícil crer que, na situação dela, Regina iria conversar com um policial federal sem sequer consultar um advogado antes.

Eu entendo que era necessário construir uma desconfiança entre os dois protagonistas, mas a maneira como é feita não soa convincente. Uma vez que as tensões entre eles se elevam, é interessante perceber como a paisagem da casa muda. Mesmo com a reforma concluída e os ambientes ficando mais luxuosos, a mudança na fotografia faz o espaço parecer mais lúgubre, mais ameaçador, cheio de sombras, contornos e contrastes, do que chique.

Ainda que o texto tropece, Irandhir Santos e Leandra Leal são consistentes em seus personagens. A cena em que Valério é coroado na escola de samba, com o personagem ficando em silêncio enquanto uma coroa de papelão é colocada em sua cabeça nos permite ver toda a personalidade dele se desvelar mesmo que Santos não diga uma palavra sequer. Apenas pelo olhar, pelo movimento do corpo conseguimos entender o que se passa na cabeça dele e como ele vai absorvendo em si a ideia de que a partir de agora precisa ser implacável e impiedoso. Vemos o antigo Valério sumir e um novo nascer pelo modo como o ator se conduz em cena.

O mesmo pode ser dito do trabalho de Leandra Leal, que nos deixa sempre em dúvida se estamos diante de uma Lady Macbeth ou de uma socialite fútil e estúpida que meteu os pés pelas mãos, transitando o tempo todo entre vítima e algoz. Além dos dois, é preciso destacar também o trabalho de Irene Ravache como a mãe de Regina, constantemente reagindo com certa naturalidade às empreitadas criminosas da filha e respondendo a ela com um grau de deboche, oferendo alguns momentos de riso que servem de respiro à tensão do filme.

Nada, porém, é capaz de nos preparar para o sangrento clímax no qual as alianças e lealdades são testadas até o seu limite conforme os personagens são acuados por fatores externos. A impressão é que qualquer coisa pode acontecer e que ninguém tem a sobrevivência garantida, entregando um desfecho intenso no qual a vitória ou a derrota se encontra em pequenos detalhes.

Embora em alguns momentos Os Enforcados tenha desenvolvimentos pouco convincentes, a trama se sustenta pelo trabalho de Irandhir Santos e Leandra Leal, além da boa condução de uma atmosfera de constante incerteza.

 

Nota: 7/10


Trailer

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