Até que todos se tornem um
O relacionamento entre Tim (Dave Franco) e Millie (Alison Brie) está esfriando. Tim percebe que sua carreira musical não vai a lugar algum e agora que Millie conseguiu um emprego de professora em uma pequena cidade isso talvez signifique aceitar que ele de fato não tem futuro na música. Há uma relação de co-dependência entre eles, mas ambos começam a ressentir um ao outro. Chegando na nova cidade, eles decidem explorar uma trilha na floresta, mas a chuva os derruba em uma estranha caverna com um sino na entrada, entalhes esquisitos nas paredes e uma nascente de água. Sem conseguir sair, eles passam a noite no local e bebem da água. No dia seguinte começam a perceber estranhos fenômenos no qual compartilham sensações e seus corpos começam a grudar um no outro.
Toda transformação física pelas quais eles passam serve como metáfora para a natureza de um relacionamento. De um lado há uma atração, um desejo de estar próximo, quase como algo magnético puxando duas pessoas. Por outro lado há um desconforto, dores e problemas de estar tão conectado a alguém ao ponto de você sentir que está desaparecendo. O horror se constrói em cima das imagens desses corpos de misturando, criando imagens de pura agonia como no momento em que Millie acorda e seu cabelo está sendo engolido por Tim ou na cena em que eles ficam grudados depois de transarem.
Essas cenas não existem apenas pelo terror corporal, mas como metáforas das dinâmicas complexas de um relacionamento. No modo como somos atraídos pela outra pessoa e como isso nos obriga a mudar a logística de nossa vida, trazendo momentos de desconforto e também de pavor. O melhor momento para ilustrar isso é a cena em que Mille usa uma faca elétrica para separar a pele colada nos braços dos dois, lembrando como é doloroso cortar o vínculo com o outro uma vez que o relacionamento se consolida, mas como isso pode ser necessário.
Completude caótica
Se o filme usa bem o horror corporal para pensar a dinâmica dos relacionamentos, há pouco espaço para explorar especificamente os problemas de casal de Tim e Millie. O início, antes deles se mudarem para a pequena cidade, mostra um casal acomodado, com Tim dependendo do trabalho de Millie para se sustentar enquanto ela depende dele para organizar os assuntos domésticos. Há uma imaturidade em Tim denotada por sua insistência em uma carreira musical que não vai decolar e por seu datado mullet que é suprida pela personalidade mais pé no chão de Millie, que vê no companheiro uma quebra para o tédio e previsibilidade de sua vida.
Tudo isso é desenvolvido mais por diálogos expositivos e uma vez que o horror corporal começa o filme foca mais nisso do que nas personalidades do casal e nos problemas específicos deles, o que os faz soar um pouco como figuras unidimensionais e que existem somente dentro dessa dinâmica de relacionamento. É algo que dilui um pouco os temas de perda de individualidade que o filme tenta trabalhar a partir da noção de fusão de corpos.
O desfecho também deixa a desejar no modo como tenta arrematar a visão do filme sobre relacionamentos e união. Eu entendo que a ideia era deixar um pouco das coisas em abertos, sem explicar muito o resultado do que acontece com os personagens (é uma metáfora para uma união perfeita? Para filhos como legado?), mas do jeito que é construído esbarra em algumas incongruências. Até então a ideia dos corpos se unirem completamente era tratada como algo apenas negativo e aberrante, a noção de que pode sair algo de positivo nisso não é abordada até então.
Outro elemento é que a noção de uma junção plena era exatamente o plano do vilão para eles, então isso significa que o antagonista e sua seita maluca venceram e estavam certos? Sim, a ideia parece ser que ao final os protagonistas encontram uma espécie de “terceira via” que não é a aberração que Tim encontra na caverna nem a anulação plena de um dos membros do casal como acontece com o vilão, mas fica a impressão de que faltou alguma coisa para que tudo isso ficasse melhor amarrado.
Mesmo nem sempre trabalhando com
consistência suas reflexões sobre relacionamentos, o uso do horror corporal
como metáfora para as dificuldades que vem da união de duas pessoas é eficiente
o bastante para impactar.
Nota: 7/10
Trailer
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