sexta-feira, 27 de junho de 2025

Rapsódias Revisitadas – Grey Gardens

 

Análise Rapsódias Revisitadas – Grey Gardens

Review - Grey Gardens
Dirigido pelos irmãos Maysles, nomes chave do movimento do cinema direto dos Estados Unidos, Grey Gardens foi lançado em 1975 e até hoje permanece como um documentário envolvente tanto pela abordagem observacional dos Maysles, que pregam por interferir o mínimo possível nas cenas, e as personalidades pitorescas das duas protagonistas, que parecem apreciar serem observadas pelas câmeras do documentário. O resultado é uma enorme sinergia entre quem filma e quem é filmado, tornando difícil não se deixar absorver pelo que está em tela.

Elite decadente

A trama acompanha a idosa Edith e sua filha de meia idade Edie. Elas são tia e prima de Jackie Kennedy Onassis, ex-primeira dama do país. Em 1973 a dupla tomou as manchetes dos jornais depois que uma série de denúncias e vistorias de órgãos municipais decretou que a mansão dilapidada em que viviam, chamada de Grey Gardens, estava condenada e elas seriam removidas do local para que o imóvel fosse demolido. Jackie e irmã ajudam as parentes da minimamente reformarem a casa e elas são autorizadas a voltarem a morar no local e esse é o ponto de partida do filme, acompanhando o cotidiano de mãe e filha nesse imóvel acabado.

Como era comum nos filmes do movimento do cinema direto, os Maysles filmam sem interagir diretamente com as pessoas que filmam (embora as duas ocasionalmente tentem interpelá-los) e buscando interferir o mínimo possível nas imagens registradas durante a filmagem ou em pós produção. Isso dá abertura para que o espectador julgue a dupla de personagens por seus próprios meios, já que o filme não tenta exatamente nos direcionar para que as vejamos como coitadas ou como malucas. O filme nos dá espaço para que observemos esse cotidiano e tiremos nossas próprias conclusões.

Há um paradoxo claro na conduta de Edith e Edie. De um lado está o ambiente dilapidado em que elas vivem. Uma mansão velha com madeira podre, cômodos tomados por lixo ou entulho e habitado por um monte de gatos, além de guaxinins constantemente aparecendo para revirar a sujeira. Do outro está a própria conduta das personagens, com um senso de altivez normalmente reservado às elites e uma postura voluntariosa como se ainda vivessem no auge do prestígio de sua família. É como se elas não estivessem cientes da realidade decadente que as cerca. A melhor ilustração desse paradoxo é o momento em que a câmera dá um zoom em um antigo quadro com a imagem de uma Edith mais jovem, sendo que esse quadro está cercado de lixo e entulho ao seu redor, construindo uma metáfora visual que representa bem a coexistência entre luxo e lixo que dá a tônica do filme.

Realidade alternativa

As duas parecem viver em uma realidade muito própria, se conduzindo como se ainda fossem essa família prestigiosa de elite e não pessoas que são vistas como bizarras por quem está ao redor. Conforme acompanhamos o filme as vemos dançar e cantar enquanto mencionam as grandes promessas artísticas que outrora foram, sendo que nenhumas dessas performances convencem que qualquer uma das duas tinha algum talento.

É também curioso como elas agem de maneira muito deliberada para manterem as aparências de pessoas refinadas como se ninguém pudesse ver a mansão arruinada em que elas vivem ou mesmo o pouco cuidado que elas tem consigo mesmas como os dentes acabados de Edith ou o fato de Edie estar sempre com lenços na cabeça para disfarçar sua alopecia, como se ninguém pudesse perceber que ela não tem cabelo. As aparências de uma família chique, porém, não se sustentam ao longo do filme, já que inúmeras vezes ouvimos as duas discutirem entre si.

Há um rancor mútuo entre mãe e filha no qual Edie culpa o ímpeto controlador de Edith (um comportamento que vemos nela ao longo do filme) por seus fracassos artísticos e amorosos, dizendo que a mãe nunca aprovou nada do que ela fez nem ninguém com quem ela se relacionou. Do mesmo modo, Edith culpa a incapacidade da filha por seus infortúnios se refugiando ela própria nas memórias do passado e de tudo que ela poderia ter sido e abriu mão em prol da filha. É evidente que não é uma relação muito saudável e que elas tem uma espécie de co-dependência autodestrutiva que certamente ajuda a entender a vida decadente da dupla.

Ainda assim, o retrato delas nunca é unidimensional. Mesmo em meio a toda decadência e brigas, vemos também com há felicidade ali. Por mais que seja uma existência precária, os Maysles encontram momentos de alegria naquele cotidiano. Isso fica evidente na cena em que encerra o filme na qual vemos Edith dançando no pátio dilapidado da mansão. Ela está ali plena, alegre, entregue à sua dança, pouco se importando com a podridão do ambiente que a cerca ou talvez tentando esquecer isso por alguns segundos. Em momentos como esse vemos que, para o bem ou para o mal, elas parecem em paz com a vida que levam. São as várias camadas que vão aos poucos sendo desveladas em suas pitorescas protagonistas que tornam Grey Gardens um documentário tão fascinante de acompanhar.


Trailer

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