Multidões dentro de si
A narrativa adapta o romance Foregone, de Russell Banks, e é centrada em Leo Fife (Richard Gere), um renomado documentarista que nos anos 60 teria fugido dos Estados Unidos para o Canadá por se recusar a servir na Guerra do Vietnã. Agora, com um câncer em estado avançado, ele aceita falar para o documentário que um antigo estudante, Malcolm (Michael Imperioli), está fazendo a seu respeito. Ao longo da conversa, Leo revisita sua juventude (na qual passa a ser interpretado por Jacob Elordi) e, sabendo que seus dias estão contados, reconta sem reservas a sua vida, oferecendo um olhar sobre si que vai além da visão construída de um cineasta engajado.
É uma trama que reflete a complexidade do sujeito. De como mesmo alguém com ideias nobres e impacto positivo na vida de tantas pessoas pode fazer escolhas ruins e ter atitudes pavorosas. Ao longo de sua vida Leo foi abusivo, abandonou um filho de um relacionamento anterior, se envolveu com estudantes e agiu de várias maneiras que vão de encontro à sua conduta ética enquanto documentarista e ao que o grande público sabe a seu respeito. Não a toa que sua esposa, Emma (Uma Thurman), tenta várias vezes interromper a entrevista ao dizer que as lembranças de Leo estão confusas por conta da idade, da doença e da medicação ao perceber que Leo está dissolvendo diante da câmera a imagem criada em torno de si ao longo dos anos.
Essa ideia de fratura, de um sujeito que não é um, mas múltiplos, se verifica no registro visual do filme. Schrader muda a todo momento a taxa de aspecto da imagem ou o regime de cor, várias vezes inserindo imagens em preto e branco ou com granulação de película para dar a ideia de uma realidade fraturada, que se constrói de diferentes maneiras. O problema é que não há consistência nessas escolhas. As mudanças na proporção do quadro ou no uso de preto e branco não parecem atreladas a um tempo, lugar ou tema específico. Em muitos casos soa meramente como um meio de fazer o filme soar disruptivo e arrojado (algo que me lembra o equivocado Maestro) sendo que essas escolhas não têm muito a dizer além de apontar essas fraturas no protagonista.
Vida no retrovisor
Richard Gere, por sua vez, é ótimo ao construir um Fife ciente de seus últimos dias e disposto a botar para fora tudo que guardou ao longo da vida sem se importar com as consequências. Gere nos faz sentir o peso do arrependimento que há em Fife e seu desejo de expor tudo que passou décadas escondendo para poder partir livre desses sentimentos. É um sujeito diante da própria mortalidade e que percebendo a morte iminente vê com outra perspectiva suas ações ao longo da vida.
É uma pena, no entanto, que ao redor da performance de Gere esteja um texto tão didático em suas reflexões sobre mortalidade, arte, ética, política e tantos outros temas que o filme tenta abarcar, mas sem explorar nenhum de maneira mais impactante. São muitos os momentos em que os personagens mais parecem estar discursando para o espectador do que efetivamente falando entre si e, com isso, esses momentos soam como palestras pretensiosas que não parecem confiar no público para entender as reflexões que a narrativa coloca em jogo.
Oh, Canadá é um filme que fica aquém de seu potencial a despeito de
uma tentativa de mergulhar o espectador na subjetividade de seu protagonista e
nos fazer ver as várias versões de si que ele construiu ao longo da vida. No
entanto, parece mais focado em seus artifícios estéticos do que em um estudo de
personagem mais consistente.
Nota: 5/10
Trailer
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