terça-feira, 10 de junho de 2025

Crítica – O Contador 2

 

Análise Crítica – O Contador 2

Review – O Contador 2
Lançado em 2016, o primeiro O Contador chamava atenção pelo protagonista neurodivergente vivido por Ben Affleck, mas além disso era um suspense moroso, com poucos elementos marcantes. Não era um filme que me deixava curioso por mais, nem parecia ter sucesso ou fãs pedindo por uma continuação. Ainda assim esse O Contador 2 é lançado quase dez anos depois do original e continua sendo um suspense meia boca impedido de mergulhar no completo tédio por conta do protagonista.

Identificando padrões

A trama começa com o assassinato de King (J.K Simmons) durante a investigação a um esquema de tráfico de pessoas. A agente Marybeth (Cynthia Addai-Robinson) relutantemente pede ajuda a Christian (Ben Affleck) para ajudar a descobrir o que aconteceu, já que o nome dele estava nos arquivos de King. No percurso, Christian também é auxiliado pelo irmão Braxton (Jon Bernthal) de quem tenta se reaproximar.

O primeiro filme tinha um clima bem particular, criando um suspense meticuloso e com certa frieza, tentando dar conta da rigidez cognitiva e conduta calculada de seu protagonista. Era um sentimento criado não só pela narrativa, mas pela cenografia, uso de câmera e outros elementos visuais e sonoros. Aqui, porém, essa atmosfera particular se perde e tudo soa como um filme de ação igual a qualquer outro.

A presença de Braxton ao lado de Christian durante boa parte da trama provavelmente foi pensada como um esforço de humanizar o protagonista ao colocá-lo em contato com o irmão num esforço de tirar ele de sua zona de conforto. O problema é que tudo rapidamente degringola para a típica dinâmica de filmes de parceiros, construindo uma dupla de personalidades opostas que troca farpas e piadinhas o tempo todo colocando o filme quase no terreno da comédia de ação e substituindo tudo que o anterior tinha de peculiar por algo que já vimos em vários outros filmes.

Mente divergente

Affleck segue competente em sua construção de Christian, um sujeito que vive sob padrões rígidos, mantendo uma rotina organizada, mas que tem dificuldade em sair da própria cabeça e entender dinâmicas de relacionamentos interpessoais ou interpretar intenções ou emoções de seus interlocutores em um retrato relativamente crível de como alguém neurodivergente navega pelo mundo. Na verdade, os momentos mais interessantes do filme são justamente essas situações mais banais, como Christian tentando se conectar com Braxton, ele participando de um encontro ou a cena em que ele vai a um bar com Braxton e falha em perceber que uma moça está tentando dar em cima dele.

Christian é um personagem com potencial de render algo interessante, mas, como no primeiro filme, o texto não sabe exatamente o que fazer com ele, criando toda essa trama genérica de investigação que falha em criar qualquer sensação de tensão ou de urgência, com algumas reviravoltas telegrafadas com muita antecedência para serem impactantes.

É curioso, por outro lado, que mesmo acertando em vários aspectos da representação da neurodivergência, o filme também apresenta vários elementos problemáticos nessa representação. Mais notadamente a ideia de que todo neurodivergente tem altas habilidades cognitivas (como é um espectro, existem também neurodivergentes com prejuízos) e que estar no espectro dá aos sujeitos uma espécie de superpoder, como o equivocado O Predador (2018). O exército de jovens autistas que dá suporte a Christian reforça esse clichê comum de representação de pessoas neurodivergentes como sendo todas ultra geniais e dotadas de talentos extremos. Imagino que é o tipo de coisa que pode até vir de boas intenções tentando fazer um retrato empoderador dessa comunidade, mas ao cair no clichê mesmo uma tentativa de representação positiva pode ser danosa já que reduz um grupo extremamente diverso de pessoas a uma única coisa.

Como no filme anterior a ação é competente, mas nada digno de nota. Como Christian e Braxton são sempre retratados como extremamente capazes em combate, muito da ação se resolve sem que tenhamos a sensação de que há algum perigo pairando sobre esses personagens, algo reforçado pelo fato dos vilões serem desprovidos de personalidade, não sendo nada mais do que sacos de carne a serem eliminados.

Com isso, O Contador 2 desperdiça seu interessante protagonista em uma trama investigativa desprovida de tensão e substitui a atmosfera peculiar do primeiro por um clima de comédia de ação sem muita personalidade.

 

Nota: 4/10


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