quinta-feira, 8 de maio de 2025

Rapsódias Revisitadas – Temos Papa

 

Análise – Temos Papa

Review - Habemus Papam
Lançado em 2011 e dirigido por Nanni Moretti, Temos Papa (Habemus Papam no original) reflete sobre o peso de ocupar um cargo tão poderoso e influente como o de Papa. O filme traz consigo uma tentativa de lembrar que por mais solene que seja o processo de eleição de um novo pontífice, aqueles envolvidos e o próprio escolhido são pessoas com seus próprios problemas dúvidas e inseguranças.

Papa em pânico

A trama começa com o falecimento do atual Papa e a necessidade de um conclave para eleger um novo líder da Igreja Católica. Durante a eleição o cardeal Melville (Michel Piccoli) é escolhido como Papa apesar de não estar entre os mais cotados. No momento em que ele está prestes a ser apresentado ao mundo, no entanto, o novo Papa tem um ataque de pânico e não consegue sair na sacada. Sem um novo papa, o processo do conclave não é concluído e os cardeais são obrigados a continuarem isolados.

Para resolver o problema eles chamam Brezzi (Nanni Moretti), um famoso psicanalista que tenta analisar o novo Papa. O problema é que o colégio de cardeais insiste em estar presente nas sessões e limita o que Brezzi pode falar com o pontífice.  O psicanalista encaminha o Papa para outra analista, uma que não sabe quem ele é e que poderia falar mais livremente com ele. Melville, no entanto, foge e decide experimentar o mundo na esperança de aplacar seus anseios. Enquanto isso, Brezzi tenta manter ocupados os cardeais que seguem isolados.

A narrativa analisa como a visão do Papa como uma figura divina o afasta da humanidade que ele deveria pastorear ao afastá-lo de si mesmo, impedindo-o de ser visto como um ser humano com as próprias dúvidas, inseguranças e problemas. Ao trazer um Papa em crise, Moretti humaniza essa figura de autoridade ao mesmo tempo em que critica os dogmas das instituições católicas que os mantem alienados da população.

Não deixa de ser curioso que o cardeal Melville queria ser ator antes, considerando a dimensão performática do cargo de Papa e de toda estrutura solene da Igreja Católica. O encontro de Melville com uma trupe de teatro não apenas o lembra de seu passado, mas também da capacidade da arte em fazer alguém se conectar com os próprios sentimentos. Por outro lado, o exame das inseguranças do cardeal falha em mergulhar no que o move como religioso e na relação dele com sua vocação eclesiástica. Talvez seja uma questão de que Moretti enquanto ateu não crê na possibilidade de um sentimento ou relação com o divino e trata apenas como se fosse uma profissão qualquer, mas deixar de lado da dimensão metafísica do trabalho religioso acaba produzindo uma análise que carece de contundência.

Confusões no conclave

Isso faz a narrativa funcionar mais como comédia do que como drama, principalmente nas cenas envolvendo Brezzi tentando manter os cardeais distraídos enquanto o novo Papa tenta resolver suas questões. No mundo real o processo do conclave encerra quando o pontífice eleito aceita o cargo, mas aqui Moretti toma liberdades artísticas com as regras do Vaticano para poder colocar o colégio de cardeais em situações nas quais não costumamos vê-los.

Os momentos mais engraçados do filme envolvem Brezzi tendo conversas casuais com os cardeais sobre remédios ou as cotações de apostas para os cardeais do conclave, sempre adotando um tom professoral que o faz soar como uma tia da escola lidando com crianças pequenas. Essa visão infantilizada dos líderes religiosos se dá também nas atividades que o psicanalista coloca para os religiosos, organizando disputas de carteado e até um torneio de vôlei.

É uma maneira jocosa de comentar sobre a alienação dessas lideranças religiosas. Pessoas que se colocam na posição de quererem aconselhar o mundo e construir normas de como os indivíduos devem viver, mas que estão tão distantes do cotidiano de qualquer pessoa que praticamente não existem enquanto adultos funcionais. São figuras infantilizadas pelo seu distanciamento do mundo, presas em seus egos e seus dogmas. Como no arco do Papa, as coisas ficam mais no campo da comédia, já que o texto de Moretti parece se contentar em observar os cardeais como uma massa uniforme de idosos alienados sem qualquer exame mais consistente.

Mesmo que não tenha a contundência que acredite possuir, Temos Papa não deixa de ser um interessante exame dos bastidores da Igreja Católica que tenta lembrar a importância de reconhecermos a humanidade dessas figuras religiosas de liderança.


Trailer


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