quinta-feira, 29 de maio de 2025

Crítica – Pablo & Luisão

 

Análise Crítica – Pablo & Luisão

Review – Pablo & Luisão
Uma das coisas mais engraçadas que já li na internet foi o fio que o ator Paulo Vieira fez no finado Twitter contando as histórias de sua família, em especial as desventuras de seu pai, Luís, e o melhor amigo dele, Pablo. No longo fio, Paulo Vieira narrava como Pablo e Luisão sempre se metiam em roubadas ao tentarem inventar novos empreendimentos ou formas de economizar dinheiro.

Algumas situações eram tão absurdas que eu só acreditava porque Vieira colocava fotos e vídeos nos relatos. Eram coisas que pareciam ter saído diretamente de uma sitcom, então não foi surpresa quando foi anunciado que Pablo & Luisão viraria uma série. Por mais empolgado que estivesse, no entanto, também estava receoso, já que a última vez que a Globoplay tentou transformar um fio cômico de internet em série o resultado foi a péssima Eu, a Vó e a Boi (2019). Felizmente esse não é o caso e Pablo & Luisão é uma das melhores comédias dos últimos anos.

Casos de família

A trama se baseia em fatos reais da vida de Paulo Vieira, acompanhando as confusões causadas por seu pai, Luís (Ailton Graça), e seu melhor amigo, Pablo (Otávio Muller), no restante da família formada pela mãe, Conceição (Dira Paes) e os dois filhos, Paulo (Yves Miguel) e Neto (João Pedro Martins), que moram em uma região periférica de Palmas, capital do Tocantins. Cada episódio foca em uma história específica da dupla em seus esquemas para ganhar dinheiro fácil ou fazer economias que, no fim, acabam causando mais prejuízos.

A série acerta no senso de caos e absurdo das ações da dupla, evidenciando isso já no primeiro episódio ao contar a história de uma cerca elétrica construída por Pablo que acabou por eletrificar todos os terrenos ao redor. É o tipo de situação que estaria em casa em qualquer sitcom e que aqui ganha contornos ainda mais cômicos por sabermos que aconteceu de verdade (lembro de rir até a minha barriga doer a primeira vez que li essa história no fio do Paulo Vieira). A trama sabe rir de todas essas situações pitorescas, como o ano que os personagens moraram em uma sala comercial e dividiram os ambientes com fita adesiva, lembrando o cenário de Dogville (2003), de Lars Von Trier, sem, no entanto, vilificar seus personagens.

Por mais que os eventos sempre causem problemas, há um olhar afetuoso, que reconhece Luís e Pablo como figuras dotadas de um desejo genuíno (e às vezes ingênuo) de encontrar meios de melhorar de vida, mas que, apesar de tudo, ainda se importam uns com os outros. A química entre Ailton Graça e Otávio Muller, que realmente parecem amigos de longa data, acostumados a lidar com as idiossincrasias um do outro, contribui para essa sensação de que há uma conexão familiar entre os personagens, do mesmo modo que a relação entre Graça e Dira Paes convence do afeto entre Luís e Conceição a despeito das constantes brigas e atritos.

Para além do elenco, a série mantem essa dimensão afetiva também em suas tramas, lembrando que, no fim das contas, essa é uma família que se ama e quer fazer as coisas darem certo. É possível sentir isso na história sobre o aniversário de Neto, que coloca Luís para pilotar uma moto caindo aos pedaços comprada por Pablo para tentar chegar à tempo para o aniversário do filho ou o episódio final que conta com uma emocionante ponta de Lima Duarte em uma cena de enterro que nos lembra da importância de forjarmos amizades e conexões familiares ao longo de nossa vida.

Memória individual, memória coletiva

Ao contar a história da própria família, Paulo Vieira também revisita vários eventos que chamaram atenção do cotidiano nacional nas últimas décadas e que de alguma forma tocaram as vidas de famílias trabalhadoras em diferentes partes do Brasil. Parte do que torna a série tão envolvente é provavelmente isso, essa possibilidade de se ver representado em tela, de ver uma família que é como a nossa e que passou por situações como as que passamos (ainda que com menos caos).

Todo o esquema pirâmide envolvendo fazendas de avestruz e compra de ovos da ave como forma de investimento, por exemplo, foi algo que realmente aconteceu em várias localidades do Brasil ali por volta dos anos 2000. Do mesmo modo, consigo lembrar facilmente do período da “febre do noni”, fruta da Tailândia que supostamente tinha vários benefícios à saúde e que se tornou muito procurada durante certo tempo a despeito do fedor e do gosto horrível. Lembro de como minha mãe e meu tipo compravam a fruta ou as garrafadas feitas a partir dela e isso empesteava com um cheiro de bunda suja e suada. A série, portanto, acerta por mostrar essas histórias do Brasil comum que muitas vezes são deixadas de lado pelo nosso audiovisual e lembram a dimensão lisérgica, por vezes também fantástica ou surreal, do que é ser brasileiro e acompanhar o cotidiano maluco do nosso país sem esquecer do afeto, da resiliência e da esperança presentes em nossa população.

Em geral não gosto que histórias baseadas em fatos reais tragam ao fim imagens dos indivíduos reais porque penso que na maioria das vezes que esse expediente é usado isso quebra um pouco nossa imersão. Aqui, porém, admito que o dispositivo de encerrar cada episódio com Paulo Vieira conversado com o Pablo, Luís e Conceição reais acaba potencializando a comicidade da série, já que os personagens reais confirmam a veracidade de cenas que eu tinha certeza se tratarem de liberdades poéticas da série em prol do humor. Um exemplo disso é a cena em que Conceição invade a escola de Neto e obriga a professora dele a cheirar a cabeça de cada criança da sala para provar que o filho não estava fedendo, não merecia o apelido relacionado ao cheiro e quem estava fedendo era outra criança. Quando a Conceição real confirmou ao fim do episódio que de fato fez isso, só me fez rir ainda mais, funcionando como uma dessas situações em que somos lembrados como a realidade pode ser ainda mais insólita do que qualquer ficção.


Nota: 9/10


Trailer

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