segunda-feira, 26 de maio de 2025

Crítica – Missão Impossível: O Acerto Final

Análise Crítica – Missão Impossível: O Acerto Final

Review – Missão Impossível: O Acerto Final
Continuando de onde Missão Impossível: Acerto de Contas (2023) parou, este Missão Impossível: O Acerto Final não é apenas uma finalização da história iniciada na aventura de 2023, mas também uma culminância de toda a franquia até aqui. Tal como aconteceu em Vingadores: Ultimato (2019), outro filme que também era a culminação de toda uma série de filmes, esta que se pretende a ser a aventura derradeira de Ethan Hunt sofre por querer ser mais do que um filme, funcionando como uma grande “volta olímpica” da franquia celebrando a si mesma resultando em algo que por vezes soa demasiadamente inchado, cedendo sob o peso da própria megalomania.

A soma de todas as escolhas

Não que seja ruim, longe disso, mas o filme anterior conseguia ser grandiloquente e refletir sobre o percurso de Ethan Hunt (Tom Cruise) até aqui sem parecer tão explicitamente fanservice, oferecendo uma aventura que colocava o pé no acelerador desde o primeiro momento e só parava quando os créditos subiam. Aqui a trama começa com Ethan precisando descobrir o que a chave cruciforme que obteve no final do filme anterior é capaz de abrir. A chave representa a última chance de parar a Entidade, uma perigosa IA que começou a atacar os sistemas dos arsenais nucleares do mundo e, caso tome o controle deles, pode eliminar toda humanidade. Com poucos dias e poucas pistas antes do iminente apocalipse, a única chance de Ethan é rastrear Gabriel (Esai Morales).

Muito da primeira metade do filme é gasta em diálogos expositivos que estão a todo momento lembrando de aventuras anteriores através de diálogos expositivos que parecem estar ali apenas para celebrar o legado da franquia ao invés de servir à trama. Sim, algumas referências são interessantes pelo modo como conectam questões presentes com ações passadas de Ethan, como a revelação sobre o que era o “Pé de Coelho” que ele roubou no terceiro filme. Outras, por outro lado, soam como nostalgia vazia a exemplo da revelação a respeito do passado e do nome real do agente Briggs (Shea Wingham), que fazem pouca diferença para trama, com o antagonismo entre os dois e eventual resolução disso podendo ser construídas sem qualquer tentativa de reescrever o passado desse personagem.

O final também sofre com toda a mecânica obtusa envolvendo Ethan recuperar um vírus que pode ser usado para enfrentar a Entidade e transmitir isso para o resto da equipe que está em um cofre supostamente protegido de todo e qualquer sinal. O desfecho, inclusive, parece contradizer a ideia que Ethan passa o filme inteiro martelando de que a Entidade deveria ser destruída e ninguém deveria possui-la. Incomoda também o constante ufanismo, já que apesar dos personagens dizerem a todo momento que aquela crise não diz respeito a nações, a todo momento a narrativa repete chavões ligados ao excepcionalismo estadunidense, mostrando como a tecnologia ou os valores dos personagens do país são mais elevados.

Por outro lado, não consigo deixar de pensar que há uma dimensão metalinguística em toda essa repetição e comentários sobre o passado. Desde o filme anterior era bem evidente que a IA inimiga era um comentário sobre a contemporaneidade regida por algoritmos e como ficamos confortáveis demais em deixar que essas ferramentas nos guiem, nos deixando presos em nossas timelines em bolhas de informação que deturpam nossa percepção de realidade e orientam nosso consumo midiático e artístico para um único padrão, como se todas as histórias tivessem que ser escritas e contadas da mesma maneira.

Ao fazer os vilões e heróis ao redor de Ethan a todo momento alertarem para suas ações do passado e como isso se traduz em padrões a serem lidos pela Entidade e usados por ela para forjar o futuro é quase como se Cruise e o diretor Christopher McQuarrie refletissem sobre o estado atual da própria indústria do cinema, confiando demais em algoritmos para prever preferências de público e dizer que histórias devem ser contadas e como devem ser contadas. O problema, como Cruise aponta aqui, é que IAs só tem senso de passado e não de futuro, elas só conseguem construir algo replicando o que passou e tudo que elas sempre produzirão é uma regurgitação mecânica de coisas já feitas.

A única maneira de salvar o mundo seria se abrir à imprevisibilidade das pessoas, deixar os artistas fazerem o que sabem fazer sem se preocupar com os padrões, com as predições. Ethan, como Cruise, precisa convencer uma sala de burocratas a lhe dar carta branca para fazer todo tipo de loucura porque é a única maneira de derrotar a IA e evitar um futuro em que tudo é presumido, em que a arte é meramente “conteúdo” construído como apenas uma reprodução de padrões previamente observados e estabelecidos.

Digo isso com plena consciência de que nenhum filme da franquia Missão Impossível é exatamente iconoclasta. Eles seguem sim padrões esperados, mas Cruise, tanto como astro quanto como produtor (o primeiro Missão Impossível foi o primeiro filme de sua carreira em que atuou como produtor), sempre manteve ao longo da franquia um olhar para o elemento humano, para o que está em jogo para esses personagens e sempre se preocupou em construir um senso palpável de perigo, de que eles não estão seguros, de que qualquer pessoa ao redor de Ethan pode morrer. Ele sabe que nós conhecemos esses padrões e sempre soube usar sua natureza formulaica ao seu favor para nos manter na beira do assento e produzir uma ação espetacular que poucos blockbusters ultimamente têm conseguido.

Correria intensa

A partir do momento em que Ethan chega a um porta-aviões as coisas realmente engrenam e o filme consegue fazer o que faz melhor, encadear uma cena intensa atrás da outra (às vezes mais de uma ao mesmo tempo) conforme os personagens correm contra o tempo para encontrar o que é necessário para deter a entidade. Mesmo em meio a toda a correria, a narrativa não perde de vista as conexões entre os personagens, seja o quanto Luther (Ving Rhames) importa para Ethan, seja o crescimento de Benji (Simon Pegg) em seu papel de líder da equipe ou na redenção da assassina Paris (Pom Klementieff) em se tornar algo mais do que uma máquina de matar ao realizar uma cirurgia improvisada em um personagem ferido. Mesmo as cenas da presidente Erika (Angela Bassett) são dotadas de que há um grande peso sobre as decisões que ela toma e Bassett é ótima em mostrar como a governante é impactada pelas decisões difíceis que se colocam diante dela e de como alguém reagiria ao ter que decidir entre milhões ou bilhões de vidas.

É justamente por nos importarmos com os personagens que conseguimos sentir o quanto há em jogo para eles e gravidade da missão. Isso, no entanto, só explica parcialmente porque a ação do filme funciona tão bem para nos deixar na beira da poltrona e sem fôlego a cada vez que esses personagens desafiam a sorte e escapam da morte certa. O outro motivo pelo qual a ação é tão envolvente está na execução. Sempre filmando em locação ou ao menos em cenários reais, evitando ao máximo o uso de computação e executando suas próprias acrobacias e coreografias de luta, o modo como tudo é atuado e filmado dá um senso de concretude, de materialidade que faz o perigo soar mais convincente do que se Cruise estivesse se pendurando diante de uma tela verde.

Isso fica bem evidente no confronto final entre Ethan e Gabriel, no qual o protagonista se pendura em um avião monomotor em pleno voo e depois precisa saltar do seu avião para o do vilão em pleno ar. Por mais que saibamos que haviam cabos (que foram removidos digitalmente na pós-produção) impedindo Cruise de cair de centenas de metros de altura caso algo desse errado, o fato de o estarmos vendo ali, de fato, se equilibrando na asa de um avião em planos amplos e de duração considerável (evitando a montagem epilética que é uma praga em boa parte do cinema de ação) dá um senso bem real de urgência de que aquela pessoa que está diante da tela realmente está envolvida em um momento de perigo. O clímax do filme me deixou tenso na poltrona, vidrado no que acontecia e empolgado pela engenhosidade dos personagens a cada saída criativa para os obstáculos que se impunham diante deles.

Essa seria basicamente a tese de Cruise e sua equipe com esse filme. Diante da ameaça de uma IA que pretende dominar a indústria do cinema reduzindo tudo a padrões a serem reproduzidos e recriações constantes do que já foi feito, eliminando riscos, Cruise se coloca em risco diante da câmera para lembrar que o cinema é feito por pessoas, que são esses riscos, sejam pessoais, artísticos, estéticos ou políticos que tornam o cinema tão envolvente e que uma IA nunca conseguirá entender e, portanto, reproduzir. O comprometimento genuíno em oferecer um espetáculo a sua audiência é o que torna esses filmes tão especiais e o que faz Missão Impossível: O Acerto Final funcionar tão bem a despeito dos problemas que a narrativa tenha.

 

Nota: 7/10


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