Palco da guerra
A narrativa se passa em um futuro próximo, no qual a humanidade se expandiu para o espaço, vivendo em colônias espaciais. As nações da Terra formaram uma aliança unificada e passaram a controlar as colônias, que não tinham armas, com seu poderio militar. Depois de décadas de opressão, as colônias montaram um plano para combater a Oz, organização militar que mantinha o controle das colônias usando mobile suits, mechas bélicos pilotados por soldados. Cada uma das cinco colônias envia um Gundam, um poderoso mobile suit, em segredo para a Terra com o objetivo de sabotarem as bases da Oz e eliminarem os membros que estimulam a guerra contra as colônias. Esses cinco jovens pilotos não se conhecem e atuam de forma independente um do outro, mas a guerra logo os obriga a se unir. Heero Yuy, piloto do Wing Gundam, é confrontado por Zechs Merquise, um dos pilotos de mobile suits mais hábeis da Oz, iniciando uma longa rivalidade.
Como em outras séries Gundam, a narrativa reflete sobre o custo humano e psicológico da guerra, ponderando sobre o impulso humano de gerar conflitos, além de explorar temas sobre a mecanização da guerra. Os cinco jovens pilotos são como crianças-soldado, treinados desde cedo para guerra e não conhecendo nada além de conflito. É visível como Heero e outros pilotos são praticamente incapazes de funcionar como pessoas normais. Heero tem sua missão como o único propósito de vida, não hesitando até mesmo em autodestruir seu Gundam consigo dentro se crer que isso ajude na missão. Outros pilotos, como Trowa ou Duo conseguem encontrar mais humanidade por não possuírem uma existência tão isolada, mas também são marcados por uma vida direcionada para a guerra, tanto que Trowa chega a sofrer com estresse pós traumático na segunda metade da série.
Do lado da Oz, Zechs é um soldado dividido entre sua origem nobre e a tradição de pacifismo de sua família e sua eficiência de soldado. Essa dualidade o faz estar sempre em busca de uma maneira de equilibrar os ideais de sua família e seu desejo de se tornar um guerreiro tão capaz quanto os pilotos de Gundam com os quais rivaliza. Liderando a Oz está Treize Kushrenada, um sujeito que pensa que a paz só pode ser obtida pela força militar, embora tenha um ideal meio cavalheiresco de como guerrear, preferindo duelos entre comandantes ao invés de batalhas com exércitos inteiros. Isso o faz inclusive rejeitar o programa de mobile dolls da Oz, que visa substituir os mobile suits controlados por pilotos humanos por drones guiados por IA. Na ótica de Treize a guerra deve ser combatida por humanos, para que o conflito não seja banalizado e não se perca a noção de que vidas sempre estão em jogo numa guerra.
Em meio a tudo isso está Relena, uma jovem filha de um diplomata pacifista que acidentalmente encontra Heero quando ele cai na Terra. Por conta de seu contato com Heero e do trabalho do pai ela fica na mira tanto dos pilotos de Gundam quanto da Oz. É pouco crível que uma garota tão jovem consiga tão rapidamente ocupar as posições de liderança que Relena alcança, mas ao menos a narrativa consegue desenvolver como ela vai aos poucos se tornando uma líder mais astuta, tentando contornar as maquinações de seus inimigos ou sendo mais dura em suas posturas. Um crescimento que se conecta com sua relação com Heero, com ela aprendendo a obstinação do piloto e ele entendendo com ela que há mais na vida do que combate e força. Ao fim chega a ser tocante o respeito que Heero demonstre por ela.
Performance de conflito
Chama atenção ao longo da série como os personagens expõem suas visões sobre guerra, paz, humanidade e conflitos em longos diálogos expositivos que por vezes soam muito didáticos, como se o texto estivesse tentando martelar sem qualquer sutileza suas ideias. No entanto, considerando como personagens como Treize e outros muitas vezes usam expressões como “palco da história” ou “teatro da guerra” me parece que esses solilóquios de verve shakespeariana são propositais.
Há um grau de exagero e artificialidade porque a narrativa parece tentar comentar sobre como o poder é, antes de tudo, performance. Na comunicação política muitas vezes se diz que a percepção que se tem dos fatos é mais importante do que os fatos em si e aqui a narrativa demonstra seguir essa visão. O poder, político, militar ou de qualquer outra natureza é aqui algo que precisa ser performado. Os conflitos e personagens se constroem em cima dessas performances de poder em que longos discursos ou ações de combate são usados para tentar mostrar sua supremacia aos demais e essas performances de força deveriam manter longe ou deter seus adversários.
Por outro lado, a série tem algumas guinadas nas quais os personagens parecem agir por pura determinação do roteiro. Talvez a principal seja a postura de Zechs ao fim, liderando uma guerrilha das colônias contra a Terra. Sim, ele sempre quis mostrar seu valor como soldado e ao mesmo tempo evitar guerras, mas daí para achar que cometer genocídio em escala planetária para que as pessoas vejam o quão horrível uma guerra pode ser e então desistam de guerrear não só é um plano idiota, como provavelmente teria um efeito contrário, insuflando um conflito por décadas adiante. A impressão é que tudo é feito só para colocar novamente Zechs e Heero em antagonismo para um duelo definitivo entre eles usando o Wing Zero e o Epyon e também para emular o clímax do conflito entre Char Aznable e Amuro Ray na cronologia do Século Universal (no longa Char's Counterattack), quando Char fez algo similar ao que Zechs faz aqui.
Talvez eu seja parcial para comentar sobre os designs dos Gundams considerando que esse foi o meu primeiro e é difícil dissociar dos sentimentos de nostalgia, mas os mechas da série tem visuais marcantes, que denotam inclusive sua função em combate. O Deathscythe pilotado por Duo é uma unidade de infiltração, com capacidade de ficar invisível, então não é à toa que ele pareça com um ceifador com sua pintura escura e foice de energia, agindo como a morte personificada, aparecendo de surpresa e eliminando todos ao seu redor. O Sandrock de Quatre é pensado como uma unidade de combate terrestre e a curta distância, com um par de espadas curvas como arma. Já o Wing Gundam parece um modelo para missões de sabotagem, assumindo seu modo de voo para se deslocar em alta velocidade, chegar até o alvo e destruir tudo rapidamente com seu Buster Rifle, cuja carga comporta apenas três disparos. O Wing Zero e o Epyon funcionam como opostos, enquanto o Zero privilegia combate à distância com seu Twin Buster Rifle, o Epyon só tem armas de combate corpo a corpo (inclusive por refletir o ideal cavalheiresco de Treize sobre combate).
A ação explora bem as várias capacidades dos mecha, mostrando a resistência dos Gundams contra múltiplos aliados e como apenas um deles é capaz de mudar os rumos de uma batalha. Um poder que também têm facetas terríveis como fica exemplificado no uso do Wing Zero para destruir colônias espaciais. Ao longo da série as diferentes forças militares aprendem a lidar com os Gundam, desenvolvendo armas ainda mais poderosas, obrigando os protagonistas a refinarem suas habilidades e a melhorarem seus suits. É uma ampliação de escala de poder comum em animes, mas aqui serve também para comentar sobre a escalada constante de um conflito armado. Por mais que uma arma seja pensada para por um fim a uma guerra, sempre é possível criar uma arma ainda mais terrível, obrigando outras forças a melhorarem suas armas e daí por diante. A ação é embalada por uma empolgante trilha musical que mistura Techno e pop, em especial os temas principais Just Communication e Rythm Emotion (sem mencionar White Reflection no OVA Endless Waltz) que dão a exata medida da energia, da escala e do drama da narrativa.
Revisitar Gundam Wing me fez perceber problemas que não tinha notado (ou que
não tinham me incomodado) quando vi pela primeira vez ainda garoto. A
experiência, no entanto, tem saldo positivo, já que me fez perceber outras
qualidades e reforçou meu apreço pela série, que continua valendo a pena mesmo
depois de três décadas de seu lançamento.
Trailer
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