sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Rapsódias Revisitadas – Saneamento Básico: O Filme

 

Crítica – Saneamento Básico: O Filme

Review – Saneamento Básico: O Filme
Lançado em 2007, uma das coisas mais interessantes de Saneamento Básico: O Filme é como ele transita por várias ideias sem perder a coesão. Começa como uma crítica bem-humorada à burocracia pública, pontuando a dificuldade de conseguir um pequeno aporte para a construção de uma fossa, mas logo se torna uma declaração de amor ao cinema e seu poder transformador. Claro, o diretor Jorge Furtado já estava mais do que acostumado a transitar entre vários temas em seus filmes, vide o curta Ilha das Flores (1989) ou longas como O Homem que Copiava (2003).

Artistas do desastre

A trama é centrada em Marina (Fernanda Torres), que tenta pressionar a prefeitura de sua pequena cidade a construir uma fossa para evitar que dejetos poluam o córrego da região. A secretaria responsável lhe informa que não há mais verba para obras naquele ano, no entanto, há disponível uma rubrica para a produção de um vídeo educativo que não foi usada e que Marina poderia dispor caso fizesse o tal vídeo. Pensando em usar o dinheiro para financiar a fossa, Marina decide produzir um vídeo sobre um monstro de poluição que ataca a cidade por conta da falta de saneamento básico. Para fazer isso recruta o marido, Joaquim (Wagner Moura), e dos amigos Cilene (Camila Pitanga) e Fabrício (Bruno Garcia).

A premissa faz uma crítica jocosa ao funcionamento por vezes kafkiano da máquina estatal e como é necessário encontrar brechas na burocracia para se conseguir o que quer. O vídeo é inicialmente um meio para um fim, com Marina pouco se importando se ele faz sentido, a qualidade ou boas atuações. O que ela quer é finalizar o material o mais rápido possível para receber o dinheiro da prefeitura e fazer a obra da fossa. Conforme o grupo começa a filmar, no entanto, se tornam mais envolvidos com a produção do vídeo e mais preocupados com os resultados.

A linguagem da arte

O arco de Marina e seus amigos acaba sendo também o de descobrir, meio que por tentativa e erro, o funcionamento da linguagem do cinema. Mal começam a filmar e percebem que certos diálogos que Marina escreveu no roteiro não funcionam como conversas naturais. Logo se dão conta de que explicações do texto precisam ser construídas em cena e buscam meios convincentes de fazer isso.

O grupo também vai descobrindo os vários elementos que são necessários para a produção de um filme, sendo obrigado a conseguir figurinos, maquiagem e até verba adicional, obrigando-os a fazer parcerias com o comércio local. É interessante como a trama do filme apresenta de maneira orgânica e sem didatismos uma defesa da importância econômica do audiovisual e como a produção de um filme mobiliza diferentes empresas ou fornecedores na cidade em que se realiza. A narrativa mostra a dimensão coletiva do fazer cinema, com cada personagem contribuindo para a produção e a necessidade de cada etapa produtiva, como a chegada do montador Zico (Lázaro Ramos) que mostra a necessidade de unidade para a edição final.

Mais que falar de cinema enquanto atividade produtiva, o filme também pensa o cinema como um espaço de mobilizar sentimentos, de dar vazão a nossas visões de mundo e como o labor artístico pode ser apaixonante mesmo com todas as limitações. O filme feito pelos personagens é obviamente tosco, mas é a paixão genuína deles por levar tudo a cabo que faz tudo funcionar e acaba tornando a produção um sucesso. É um lembrete de que um filme não precisa ser tecnicamente perfeito para envolver as pessoas, que em muitos casos um sentido imperfeito pode ser mais interessante do que uma perfeição sem sentido. Sim, o modo como tudo dá extremamente certo para os personagens no final, com a cidade virando até um polo turístico por conta da produção do filme, talvez seja um pouco simples e ingênuo demais, mas está ali, como o restante do filme, para nos lembrar do poder transformador do cinema.


Trailer

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