Dor silenciosa
Demba (Ben Mahmoud Mbow) é um homem de meia idade que trabalha na prefeitura de sua pequena cidade no Senegal há quase trinta anos e está prestes a ser aposentado do serviço quando a gestão anuncia que seu trabalho de arquivista será substituído por um serviço virtual. A perspectiva de perda do emprego se mistura com a dor silenciosa da perda de sua esposa, falecida há dois anos, mas cuja ausência Demba ainda não conseguiu superar.
Demba vive seus dias em isolamento, recusando contato com outras pessoas e muitas vezes agindo de maneira agressiva ou ranzinza com aqueles ao seu redor. Conforme o tempo passa e ele recusa ajuda para se abrir sobre suas dores seu estado mental se deteriora e ele vai ficando mais instável e irascível. O ator Ben Mahmoud Mbow é muito bom em evocar a dor silenciosa de Demba, sempre muito calado, falando o mínimo possível, vestindo sempre o mesmo tipo de roupa e exibindo pouco cuidado consigo mesmo. Seu olhar parece vazio, perdido como um morto-vivo ou alguém sem propósito. Ao mesmo tempo, o olhar de Demba evidencia que há algo o devorando por dentro.
A recusa em falar sobre suas dores e a insistência de que está tudo bem vão aos poucos minando as relações dele com as pessoas ao seu redor, conforme Demba vai se colocando em confusões e conflitos facilmente evitáveis, como a briga no restaurante quando discute o preço cobrado, talvez porque esses conflitos sejam a única forma que ele encontra para sentir alguma coisa.
Laços comunitários
Demba está constantemente sozinho, sendo muitas vezes filmado em planos abertos que ressaltam o vazio ao seu redor. O isolamento do personagem, porém, é combatido pela comunidade local, que tenta encontrar meios para conversar com Demba sobre os sentimentos que o afligem.
O diretor Mamadou Dia, em seu segundo longa-metragem, conduz tudo de maneira muito singela. É um filme contemplativo, com um ritmo bem deliberado, mas que acerta ao evitar excessos de didatismo ou exposição. Aprendemos sobre esses personagens e as relações entre eles pelo vemos se desenrolar na tela ao invés de precisar recorrer a diálogos explicativos. Pouco a pouco o filme tece um grande mosaico da comunidade que existe ao redor de Demba e lembra da importância de ter uma rede de apoio em momentos difíceis. Alguns elementos específicos da cultura daquele local, como um festival em que homens se vestem de mulher e vice-versa, talvez se percam em nós, pouco familiarizados com aquela realidade.
Ainda assim há muito com o que se conectar conforme os laços de Demba com as pessoas ao seu redor, em especial com o filho de quem estava afastado há algum tempo, vão se construindo, tudo com um naturalismo bem delicado que convence de que estamos acompanhando o cotidiano de pessoas reais. As revelações envolvendo o falecimento da esposa de Demba dão ainda mais peso para a dor do personagem e nos fazem entender a resistência em falar do acontecido.
Desta maneira, Demba é um competente estudo de personagem que analisa os impactos que a recusa em elaborar o luto podem causar na vida de uma pessoa.
Esse texto faz parte de nossa
cobertura da Mostra de Cinemas Africanos 2025.
Trailer
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