Os crimes do padre Jud
A trama acompanha o jovem padre Jud (Josh O’Connor, de Rivais) que é enviado para uma paróquia remota chefiada pelo amargo monsenhor Wicks (Josh Brolin), um sacerdote conservador que tem prazer em constranger os membros da congregação. Quando Wicks é assassinado durante uma missa, sendo encontrado no pequeno armário ao lado do altar, as autoridades tem dificuldade de resolver crime, já que ele estava em um espaço fechado e ninguém tinha acesso a ele. Nesse momento chega o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) para ajudar o padre a resolver o mistério.
Como nos outros filmes é um típico “mistério do quarto fechado” com um plantel limitado de suspeitos nos membros da diminuta congregação mantida por Wicks, todos eles como motivos para matar o reverendo. Da violoncelista Simone (Cailee Spaeny, de Alien Romulus), que foi enganada pelo monsenhor com promessas de cura milagrosas, passando pelo médico Nat (Jeremy Renner), um sujeito alcoólatra e ressentido, a advogada Vera (Kerry Washington), a devotada assistente da paróquia Martha (Glenn Close) ou o recluso escritor Lee (Andrew Scott) que almeja se tornar relevante de novo e para isso pretende fazer um livro sobre Wicks.
É um conjunto de figuras pitorescas, que conseguem ser marcantes a despeito do pouco tempo dado a cada um por conta da qualidade do elenco e também pelo texto mordaz do roteirista e diretor Rian Johnson, que consegue estabelecer a natureza desses personagens com poucas falas e ações a exemplo do fato de Lee ter cavado um fosso ao redor da própria casa, algo que de cara já diz muito sobre a natureza misantropa do escritor.
Quem se destaca, no entanto, é Josh O’Connor como Jud. O sacerdote não é apenas o auxiliar da vez de Blanc, ele é o protagonista de fato da história. Inclusive o fato de muito ser narrado da perspectiva dele, mesmo Jud sendo suspeito do crime e auxiliar de Blanc na investigação lembra um pouco O Assassinato de Roger Ackroyd de Agatha Christie. É de Jud o principal arco do filme, de um sacerdote em formação que chega na pequena cidade para fazer alguma diferença, tendo suas crenças desafiadas pelo discurso de ódio de Wicks para no final alcançar o estado de graça que tanto buscou e ser o sacerdote que almejava ser, se redimindo pelos erros do passado e ajudando outros a buscarem alguma redenção. O’Connor é tão bom que não me incomodaria se Johnson criasse algum spin off do padre Jud ao estilo dos mistérios do Padre Brown criado por G.K Chesterton (que certamente serviu de inspiração para Johnson aqui).
Mistério autorreferente
Mesmo sendo o mais sombrio dos três, ainda há muito espaço para humor. A comédia vem dos diálogos mordazes, seja das observações espirituosas de Benoit Blanc ou a conduta pitoresca dos personagens e como eles reagem uns aos outros. Quando Cy (Daryl McCormack) narra ao padre Jud a aliança que tentou fazer com o monsenhor Wicks, Jud rapidamente aponta como a conversa soa parecida com o diálogo entre Darth Vader e Luke em Star Wars.
O mistério tem as reviravoltas complicadas e estrutura barroca que se espera desse tipo de história e Johnson transita bem entre apontar com bom humor os excessos e maluquices que esse tipo de história precisa ter, como compartimentos secretos, pessoas se passando por outras para enganar vigilância e coisas assim. No entanto ele também sabe construir momentos sinistros, a exemplo da cena em que dois corpos são encontrados em uma banheira de ácido, desenvolvendo um senso claro de urgência e de perigo.
Impressiona como Johnson joga com as cartas na mesa, com Blanc referenciando romances policiais, como um de John Dickson Carr, que dão claras indicações de algumas reviravoltas da narrativa e ainda assim essas revelações conseguem impactar pelo modo como ele constrói a intriga e como o elenco defende bem seus personagens. É o tipo de fair play que se espera de uma narrativa policial, nunca puxando o tapete do espectador com um culpado que nunca foi citado pela trama ou um desenvolvimento que não tenha sido indicado (ainda que de maneira sutil ou subjacente) em um momento anterior sem que esses desdobramentos deixem de causar impacto.
O desfecho amarra muito bem o
mistério e também o arco do padre Jud, entregando a história mais consistente
dos três filmes, ao construir não apenas uma intriga envolvente, na qual nem
senti as quase duas horas e meia de duração, como também uma competente
construção de personagem ao analisar temas sobre fé, esperança, redenção e o
que significa ser um líder religioso em um contexto em que essas lideranças tem
se tornado cada vez mais sectárias e divisivas.
Nota: 9/10
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