Politicagem acadêmica
A trama é centrada em Alma (Julia Roberts), professora de filosofia em Yale. Ela tem um caso extraconjugal com Hank (Andrew Garfield), também professor na universidade, e um relacionamento distante com o marido, Frederik (Michael Stuhlbarg). Quando Maggie (Ayo Edebiri), uma doutoranda orientada por Hank, o acusa de estupro, Alma fica no meio da questão. Hank se defende dizendo que Maggie inventou a acusação depois que confrontou a orientanda sobre a tese dela ser um plágio. Alma já tinha noção que Maggie não era uma boa aluna e que seu trabalho poderia ser plágio, mas ela também sabe que Hank é mulherengo e gosta de dar em cima das alunas.
O filme recria bem os bastidores do universo acadêmico e toda a politicagem interna que envolve promoções, cargos de titularidade e disputas de ego. Mesmo em festas ou em ambientes mais informais aquelas pessoas conversam constantemente sobre quem sabe mais, que tem as produções mais relevantes para o campo ou quem tem mais chance em alguma promoção. Também reflete uma inquietação contemporânea da academia com questões de diversidade e as tensões que as demandas por um corpo docente ou um programa de disciplinas mais diversificado, que traga outras epistemes e outras figuras que não os tipos comuns de homens brancos presos a um modo eurocêntrico (ou do norte global) de pensar.
Como alguém que atua no ensino superior e em pesquisa em universidades, identifico muito do clima que Guadadigno cria aqui como fidedigno a esses ambientes acadêmicos. O problema é que por mais real que esse retrato soe, o filme não consegue construir um drama envolvente em cima disso. Talvez porque nunca sentimos que há muito em jogo para Alma. O envolvimento com Hank nunca soa como algo que pode causar problemas no casamento, o fato dela estar próxima demais do caso de Maggie não necessariamente se coloca como uma ameaça à carreira dela. Sim, vemos como todo o problema a afeta, com suas crises crescentes de úlcera simbolizando o transtorno emocional que tudo causa, mas o filme não nos faz sentir o peso de uma crise.
Certo e errado
Há um esforço de construir um senso complexo de moralidade entre os personagens, deixando evidente como todos ali têm uma motivação clara para agirem como agem, embora isso não os torne necessariamente corretos. Alma está certa até certo ponto em aconselhar Maggie a manter a queixa contra Hank dentro da universidade, já que isso pode tornar Maggie um alvo de retaliações, mas Alma age dessa maneira também talvez por temer que seu caso com Hank seja exposto ou para protegê-lo. Hank está certo em sua avaliação que o trabalho de Maggie é plagiado, que ela não é particularmente boa aluna e que só está ali por conta do dinheiro que os pais ricos dela doavam para a universidade, isso, porém, não significa que ele seja inocente do estupro e que Maggie não esteja certa em querer justiça.
Já Maggie tem razão em querer denunciar Hank, mas conforme a trama progride vemos que além do interesse em justiça ela também usa o caso para se autopromover e ganhar uma relevância que sua produção acadêmica limitada não lhe daria. Todos esses personagens ecoam uma fala de Alma em sala de aula na qual ela diz que não é possível viver corretamente quando se faz coisas erradas. São personagens que se julgam injustiçados ou perseguidos, mas que carregam um acúmulo de erros que não lhes permite defender plenamente seu ponto de vista perante a opinião pública.
São temas que a narrativa deixa
bem evidente já na metade da projeção e daí em diante a impressão é que a trama
caminha em círculos ao redor dessas ideias, dando a impressão de que não tem
muito para sustentar suas quase duas horas e vinte de duração. Se fosse mais
conciso talvez esse senso de que ele esgota muito cedo suas ideias não fosse um
problema ou se Guadagnino conseguisse ser eficiente em criar uma tensão
crescente (como fez muito bem em Rivais)
conforme as várias crises vão se desvelando. É uma pena. Depois da Caçada tem um entendimento muito preciso do universo que
retrata e das tensões contidas nele, só não consegue fazer isso render em
termos de construção dramática.
Nota: 5/10
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