Cidade do Medo
A narrativa se passa na Derry da década de 60. O major Leroy Hanlon (Jovan Adepo) chega na cidade para uma missão secreta na base militar do local. Lá ele conhece Dick Halloran (Chris Chalk), um aviador com dons sobrenaturais que aparentemente está ajudando os militares a encontrar algo nos subterrâneos da cidade. Ao mesmo tempo um grupo de crianças liderados por Lilly (Clara Stack) tenta investigar a morte de um garoto local, mas esbarram em Pennywise (Bill Skarsgard) como o responsável pelo desaparecimento de crianças na cidade. Will (Blake Cameron James), filho de Leroy eventualmente se juntando ao grupo, conectando os dois núcleos.
No início do primeiro episódio a formação do grupo de crianças que vai investigar o sumiço de outra soava como uma repetição do Clube dos Perdedores do It original, mas antes do fim do episódio as coisas dão uma guinada brutal ao eliminar praticamente todas as crianças. É uma manobra que deixa claro que praticamente ninguém está seguro e qualquer um pode morrer. Eventualmente a trama de fato se organiza em torno de outro grupo de crianças tentando parar Pennywise, mas essa guinada inicial ajuda a dar à série um clima de imprevisibilidade e perigo real.
Tudo bem que sabemos que certos personagens, como Leroy e Will, não vão morrer porque eles são o avô e o pai do Mike Hanlon de It. Do mesmo modo que sabemos que Dick vai sobreviver porque eventualmente ele vai parar no hotel Overlook de O Iluminado (1980). Ainda assim a quantidade de novos personagens somada ao fato de que a série mata os aparentes protagonistas no final do primeiro episódio contribui para o senso de tensão.
A narrativa usa a ambientação na década de 60 para criticar uma visão idílica do período. Se Derry parece se apresentar como uma típica e pacata cidade interiorana, aos poucos vemos que ela tem contornos mais sombrios e não me refiro ao Pennywise. O modo como o pai de Ronnie (Amanda Christine) é acusado de um crime que não cometeu e perseguido por policiais por policiais racistas já mostra como as coisas são difíceis para quem não se encaixa em um padrão de “cidadão de bem”. Mulheres, latinos e qualquer que não se encaixe nos padrões de normalidade, como Lilly por conta de seu histórico de doença mental, são logo colocados à margem, tratados como inferiores e alvo de maus tratos. Para essas pessoas, Derry pode ser assustadora mesmo sem um horror cósmico que assume forma de palhaço. A noção de um passado romantizado que não é tão bonito quanto se pensava está presente desde os créditos de abertura, que emulam uma estética visual de publicidade dos anos 60.
A ameaça dessas forças de intolerância se materializa no ataque ao bar de Dick, em uma sequência que ecoa o recente Pecadores no qual um grupo de pessoas de cor também fica acuada em um bar na beira da estrada envolvendo seres sobrenaturais, já que Pennywise chega no meio dos ataques dos racistas para tornar tudo mais caótica. A semelhança se dá mais pelo fato das duas produções aludirem a um tipo de episódio de violência racial comum nos Estados Unidos daquele período do que por mera coincidência ou cópia direta.
O medo como arma
Nesse sentido, a narrativa mostra como essa visão romantizada da década de 60 se construía em cima do silenciamento das vozes dissidentes e o senso de unidade era por conta do medo de ser visto como alguém diferente e ser descartado ou perseguido. O general Shaw (James Remar) exemplifica essa visão de que a população deve ser governada pelo medo, simbolizando como isso é também uma espécie de “política de estado”. É o tipo de personagem cuja soberba o torna um óbvio candidato a ser devorado por Pennywise.
O núcleo dos militares, com todo o esforço do general em usar Leroy e Dick para localizarem os pilares que mantem Pennywise em Derry servem para ampliar a mitologia desse universo, explicando como a criatura continuou usando a cidade como terreno de caça por séculos e sua natureza além da compreensão. Essa exploração do passado também ajuda a entender como a criatura escolheu a forma de Pennywise e quem era o palhaço antes de ser assimilado pelo monstro.
Para além da expansão do universo, o que sustenta a série é o desenvolvimento das relações entre os personagens, em especial o grupo das crianças. O elenco jovem tem uma química bem sincera e convence da amizade que se forma entre eles a partir dos percalços que enfrentam. Uma conexão que ganha um sentido de urgência pelo fato de que a trama não hesita em matar seus personagens, mesmo aqueles que parecem protagonistas. Isso faz cada morte ser verdadeiramente sentida, ampliando o sentimento de que Pennywise é uma ameaça imprevisível.
O senso de perigo culmina em um
desfecho incrivelmente tenso conforme adultos e crianças se juntam em um
esforço final para manter Pennywise preso em Derry e a brutalidade sádica da
criatura, vide a cena no auditório da escola, cria a impressão de que a maioria
deles pode não sair vivo dali. O final encerra tão bem as histórias de todos os
personagens apresentados até então que não penso que a série precisaria
continuar. Já há planos para uma segunda temporada que iria ainda mais para o
passado, explorando outro ciclo de ataques da criatura na década de 1930, mas
não sei até que ponto teria algo consistente a acrescentar.
Nota: 8/10
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