quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Crítica - Casa de Dinamite

 

Análise Crítica - Casa de Dinamite

Review - Casa de Dinamite
Um bom final pode elevar uma narrativa, pode nos fazer esquecer suas falhas, relevar seus problemas. Analogamente um final ruim nos faz deixar um filme com um gosto ruim na boca, esquecer seus méritos e diluir a força de suas ideias. Casa de Dinamite, novo filme da Kathryn Bigelow (responsável por produções como A Hora Mais Escura e Guerra ao Terror) produzido pela Netflix, sofre exatamente por conta de seu final ruim.

Perigo real e imediato

A narrativa começa com um letreiro dizendo que no pós Guerra Fria as nações do mundo começaram a reduzir seus arsenais nucleares com medo de que eles pudessem ser usados para dar início a uma guerra catastrófica. Nos últimos anos, porém, os países vêm diminuindo o ritmo do desmonte desses arsenais, indicando um movimento mais belicista. Acompanhamos a capitã Olivia Walker (Rebecca Ferguson) responsável pela sala de crise na Casa Branca, monitorando possíveis ameaças. Quando o lançamento de um míssil vindo do Oceano Pacífico é detectado, todos ficam em alerta para monitorar se é um ataque ou alguma outra coisa. Conforme a situação se desenvolve vemos como ela se articula com outras autoridades do governo para formular uma resposta.

A narrativa acompanha esses eventos em tempo real, mostrando como cada segundo conta em uma crise dessa natureza e como a segurança global é, na verdade, muito frágil, dependendo de sistemas de defesa cujo resultado para abater mísseis inimigos não é garantido. Conforme a trama progride os eventos ilustram a noção de “casa de dinamite” evocada pelo título, na qual nosso mundo pode muito bem ir pelos ares a qualquer momento. A tensão é pontuada pela música que cria, pelo uso de instrumentos de corda, um senso constante de fricção, de movimento, de elementos em atrito que não param de se mexer e podem estar prestes a entrar em combustão.

Bigelow constrói um suspense intenso, no qual um movimento em falso pode desencadear um apocalipse global. Quando a contagem regressiva do míssil zera, estamos na beira do poltrona imaginando o que aconteceu e aí as coisas degringolam. A partir desse ponto o filme não continua a narrativa e opta por voltar ao início dos eventos, mostrando tudo não mais do centro de controle de Olivia, mas a partir da base chefiada pelo general Brady (Tracy Letts), que vimos conversando com Olivia no segmento anterior. Toda vez que cronômetro do míssil zera a trama nos leva de volta aos mesmos eventos, só que do ponto de vista de outras figuras do governo dos EUA.

O problema é que todos esses personagens e suas principais ações já eram vistos no primeiro segmento. O que cada novo capítulo faz é dar um pouco mais de contexto às ações de cada um deles, mas para fazer isso nos obriga a rever um monte de informações que já conhecemos nos dando pouco ganho em troca. Seria mais interessante se o filme contasse a história de maneira linear do que nesse coito interrompido narrativo no qual sempre que parece estar chegando ao clímax o filme decide parar tudo para começar de novo.

Excepcionalismo enganoso

Além do senso de repetição, os segmentos perdem força ao invés de ganhar porque nenhum dos personagens que vão se tornando pontos focais é tão interessante quanto a capitã vivida por Rebecca Ferguson, que traz uma intensidade pragmática a Olivia, que navega pela crise sem demonstrar temor, mas que ocasionalmente nos faz ver que, como qualquer outra pessoa, teme pelo que pode acontecer, algo evidenciado no momento em que ela quebra o protocolo e remove o celular do cofre na sala de controle para ligar para o marido. É uma cena que mostra a gravidade da situação quando a pessoa mais fria e no controle daquele recinto cede aos seus temores.

Depois de Ferguson tudo soa como uma repetição sem a mesma intensidade de ideias semelhantes, fazendo o filme cair em um marasmo ao invés de um crescente de tensão, mesmo apresentando boas performances de nomes como Tracy Letts ou Idris Elba. Isso se amplia quando chegamos ao desfecho que, de maneira covarde, deixa tudo em aberto ao invés de seguir no desenvolvimento lógico de tudo que narrou até então. O filme inteiro é sobre como o mundo é uma casa de dinamite, que uma vez tendo seu pavio acendido não tem outro caminho senão implodir. Ao longo do filme vemos esses dominós caírem um a um. Tudo parece inevitável e então Bigelow covardemente desvia o olhar e se nega a levar à cabo sua tese.

Ao invés disso entrega um final em aberto que nunca tem a ambiguidade que o filme acredita ter. As possibilidades de leitura não são exatamente numerosas ou satisfatórias. Ou teríamos uma guerra nuclear em escala global, que seria o argumento feito ao longo da produção, amarrando a tese principal do filme. Ou precisaríamos acreditar na temperança e humanidade dos Estados Unidos em se colocarem em um patamar moral superior para evitar esse conflito, algo que soa no mínimo ingênuo considerando o histórico do país ou a conduta de suas lideranças atuais. Bigelow parece ceder a uma espécie de ufanismo tolo (para não dizer equivocado ou desonesto) que acredita no excepcionalismo estadunidense e sua capacidade de continuar sendo uma liderança global, mesmo que a realidade venha mostrando exatamente o contrário.

Sim, a arte não tem obrigação nenhuma de refletir a realidade, ela pode também servir para pensar como as coisas podem ou deveriam ser. A questão é que o filme convida os paralelos com a realidade por conta de sua escolha de um registro realista/naturalista e um esforço de representar de maneira autêntica como seria a ação das entidades governamentais numa situação como essa. Se o filme quer se aproximar de como as coisas funcionam em nosso mundo, ele inevitavelmente convida comparações com a realidade de como se comportam as lideranças dos EUA hoje em relação ao mundo, sendo difícil comprar a visão que num momento de crise como o que o filme retrata as coisas não terminariam de qualquer outro jeito que não como no final de Doutor Fantástico (1964), de Stanley Kubrick. Não deixa de ser curioso, inclusive que um filme de mais de sessenta anos como o do Kubrick entenda melhor o ethos dos EUA hoje do que uma contemporânea. Não cabe a mim avaliar como pensar uma diretora ou um roteirista, avalio o filme que se apresenta a mim na materialidade da linguagem audiovisual e o que o final parece revelar, mais do que um teste do otimismo ou pessimismo do espectador, é um temor de que talvez seu país não seja a nobre liderança que pensa ser e essa constatação é assustadora demais para ser encarada de frente, então melhor encerrar a história antes que chegue a isso.

A despeito da boa construção da tensão, Casa de Dinamite parece ter medo de validar a própria tese de implosão global, preferindo deixar suas ideias em aberto a partir de um patriotismo ingênuo.

 

Nota: 4/10


Trailer

Nenhum comentário: