quinta-feira, 3 de julho de 2025

Crítica – Coração de Ferro

 

Análise Crítica – Coração de Ferro

Review – Coração de Ferro
Anunciada em 2020, mas só lançada agora em 2025, Coração de Ferro foi parte de um período conturbado da divisão de televisão da Marvel em que suas produções foram reavaliadas e passaram por revisões, refilmagens, quando não foram refeitas do zero. Séries como Eco ou Demolidor: Renascido conseguiram sair desse crisol ao menos como produtos coesos, com uma visão bem demarcada da história que queriam contar. Coração de Ferro, por outro lado, não tem a mesma sorte. Aviso que o texto contem spoilers da série.

Gênia indomável

A narrativa segue Riri Williams (Dominique Thorne) depois dos eventos de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (2022). Riri continua tentando criar um novo traje de ferro e uma IA similar à que encontrou em Wakanda, mas quando seus experimentos causam mais um grande acidente na faculdade, ela termina expulsa. Riri volta para Chicago, sua cidade natal, e para financiar sua pesquisa não encontra outro meio senão colaborar com os esquemas criminosos da gangue liderada por Parker (Anthony Ramos), que recebe a alcunha de Capuz por conta do capuz místico que lhe confere estranhos poderes.

Em seis episódios a série tenta construir um estudo de personagem, analisando o que move a obsessão de Riri em construir sua armadura, já que sua óbvia genialidade a permitiria fazer qualquer outra coisa a qual se dedicasse. Ao longo dos episódios, vamos entendemos os traumas de Riri e como a perda do padrasto e da melhor amiga Natalie (Lyric Ross) a marcaram. O texto pondera como essa obsessão de Riri também traz consequências pouco saudáveis para ela, fazendo-a se apegar ao passado e agir de maneira impetuosa, impensada, tudo para evitar confrontar a dor que tudo isso lhe causou e ainda causa.

Tal como Tony Stark que criou problemas para o mundo ao tentar purgar seus próprios demônios (Ultron, por exemplo), Riri não percebe como sua fuga dos traumas pode tornar as coisas ainda piores. Dominique Thorne é eficiente em construir o senso de perda de Riri e como essa dor move suas ações, instilando na personagem uma inconsequência típica da juventude, fazendo-a agir sem ponderar plenamente as consequências de seus atos. O problema é que além do arco de Riri, a série tenta equilibrar várias outras narrativas e temas que nunca são desenvolvidas a contento.

Sob o Capuz

O vilão Capuz tenta colocar uma conversa sobre conflitos de classe, recrutando Riri ao lembrar que ela, como ele, é alguém de muito talento, mas sempre colocada para fora dos espaços poder. Ele inicialmente se apresenta como uma espécie de Robin Hood, roubando daqueles que enriquecem às custas dos mais pobres. Como é típico nas produções da Marvel, porém, toda vez que o vilão começa a fazer algum sentido, a trama dá alguma guinada para mostrar como ele é desnecessariamente cruel, extremamente sem escrúpulos e que só se importa consigo mesmo.

Mais que isso, tanto o texto quanto a interpretação de Anthony Ramos (talvez por ter um texto tão inconsistente) não sabem exatamente o que querem do personagem. Ele sai de um revolucionário para um ladrão qualquer, para alguém com uma vingança pessoal motivada por traumas passados e a narrativa não se decide se ele deveria ser uma presença intimidadora ou se é um sujeito vulnerável que se perdeu nos próprios rancores. A revelação do plano final do Capuz e o que motivava suas ações acaba não tendo o impacto devido em parte por chegar tarde demais, já no último episódio, e também porque não há tempo para analisar o impacto que esse passado de fato teve sobre ele. Como tudo é explicado muito rapidamente, a narrativa não nos dá de fato a devida medida do sofrimento dele como faz com Riri.

Igualmente inconsistente é o Ezekiel interpretado por Alden Ehrenreich. Inicialmente um sujeito manso e inseguro, mas basta uma conversa com Riri para transformá-lo em alguém agressivamente assertivo. Depois essa agressividade se torna um impulso vingativo quando as ações de Riri o implicam em um crime que não cometeu e destroem sua vida, mas ele simplesmente desiste da vingança como que por necessidade do roteiro. Ao final, quando Riri o livra do controle do Capuz, Ezekiel se despede dizendo que eles dois ainda tem assuntos pendentes, como se ele ainda não tivesse desistido da vingança contra ela.

Nenhuma das guinadas do personagem soam convincentes e tudo parece acontecer simplesmente porque a trama exige. Até a prisão dele soa arbitrária. Sim as digitais dele estavam no artefato usado por Riri, mas considerando os recursos financeiros que ele tem (afinal ele conseguiu acumular toda aquela tecnologia), ele teria meios para conseguir bons advogados e se defender dizendo que a peça foi roubada de seu acervo. Dificilmente alguém com recursos ficaria preso só porque uma peça com suas digitais apareceu na cena de um crime quando não há nenhuma outra prova que o coloque no local ou que o ligue ao crime.

Barganha faustiana

Quem salva o desfecho de desmoronar completamente por conta do acúmulo de tramas mal construídas é a presença de Sacha Baron Cohen como uma figura sombria há muito antecipada no universo Marvel. Cohen traz a exata medida de desfaçatez, ironia, orgulho e manipulação que se espera de uma figura demoníaca que caminha pelo mundo propondo acordos que parecem cumprir os desejos mais profundos dos sujeitos, mas que claramente irão se virar contra eles. Seu Mephisto é ameaçador sem precisar ser necessariamente agressivo, com sua linguagem venenosa deixando implícito o poder que ele detém.

É uma pena, porém, que sua apresentação seja prejudicada pelo impulso da Marvel em fazer piadinhas. Quando ele revela seu nome, deveria ser um momento de gelar a espinha, mas é sabotado pela resposta de Riri que diz “isso deveria significar alguma coisa?”. Ora, o nome Mephisto (ou derivações como Mefistófeles) associado a um demônio que faz acordos para tomar a alma das pessoas é algo que faz parte do imaginário ocidental há muito tempo, antes mesmo da versão da Marvel. Riri supostamente deveria ser uma pessoa genial, então é difícil crer que ela é incapaz de entender o que significa um sujeito com poderes de alterar a realidade, lhe propondo dar tudo que ela sempre quis e usando esse nome deveria significar. É uma piadinha boba que estraga o impacto da cena e do que está se colocando em jogo para a personagem em prol de um chiste que sequer é engraçado.

O final é insatisfatório ao deixar muita coisa em aberto e, considerando a pouca repercussão que a série teve, temo que pode ser mais um daqueles ganchos que ficarão esquecidos ou que a Marvel só voltará a usar muito tempo depois (como o Líder em Capitão América: Admirável Mundo Novo). Dada a produção conturbada da série, seria melhor se tivessem construído um final mais autocontido, que realmente fechasse o arco que construiu para Riri, ao invés de torcer para que a série continuasse ou que a Marvel traga Riri de volta em algum projeto futuro e finalmente resolva as várias pontas soltas que a série deixa. É uma pena, a protagonista tinha potencial, mas Coração de Ferro se perde no malabarismo de vários elementos que não consegue desenvolver a contento.

 

Nota: 5/10


Trailer

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