sexta-feira, 18 de julho de 2025

Crítica - Apocalipse nos Trópicos

 

Análise Crítica - Apocalipse nos Trópicos

Em Democracia em Vertigem (2019) a diretora Petra Costa narra a queda de Dilma Roussef da presidência com grande vigor arquivístico, mas que se acomodava em fazer de sua narrativa uma grande bricolagem de vários momentos chave que foram narrados continuamente no noticiário político brasileiro sem oferecer muito em termos de uma nova perspectiva ou de uma grande sacada interpretativa que contribuísse para uma compreensão mais aprofundada dos fatos. Neste Apocalipse nos Trópicos a diretora se propõe a fazer um mergulho no ambiente da direita conservadora, principalmente àquela ligada a igrejas neopentecostais, para melhor entender a ascensão desse grupo na política brasileira.

Repetição histórica

Digo que o filme propõe esse mergulho porque ele fica na proposta apenas. A ideia de um debate para tentar compreender a ascensão da direita evangélica e sua adesão ao bolsonarismo é logo abandonada para que a diretora basicamente repita os mesmos procedimentos de Democracia em Vertigem, um apanhado de imagens de arquivo e outras registradas pela diretora que recapitulam momentos chave da vida política brasileira que tiveram bastante exposição midiática nos últimos anos, tudo embalado por uma narração sussurrante, lamuriosa que fala através de platitudes que explicitam o óbvio das imagens.

Estão ali os discursos chave do bolsonarismo nos últimos anos, da fala de Jair sobre “fuzilar a petralhada” na campanha presidencial, debochando das mortes na pandemia, dizendo que ia se recusar a cumprir decisões do STF em uma manifestação durante as comemorações do 7 de setembro. Todos momentos que já foram registrados, comentados e até parodiados a rodo pela paisagem midiática brasileira, desde telejornais de emissoras de televisão aberta a podcasts como Medo & Delírio em Brasília.

Assim como em Democracia em Vertigem é um documentário que passa boa parte do tempo reproduzindo manchetes notórias dos últimos anos. Sim, há um trabalho vigoroso de arquivo dessas imagens, no entanto, o filme tem pouco a dizer sobre elas que já não tenha sido dito. São raros os momentos em que a narração da diretora realmente examina, destrincha essas imagens para encontrar as fissuras, o que está nas bordas, os elementos simbólicos das ações daquelas pessoas. Um desses momentos é quando reproduz a fala de Bolsonaro em um discurso sobre um palanque e abre o enquadramento para mostrar como o presidente discursava olhando para o pastor Silas Malafaia e sempre procurando um sinal de aprovação do líder religioso, como se as palavras que estava proferindo viessem dele e não de si. Momentos assim, porém, são raros.

Fé corrompida

Pelo número de conversas e cenas em que acompanha Malafaia em seu cotidiano é visível que Petra Costa conseguiu um amplo acesso ele. Acesso que não lembro que nenhum outro realizador do campo progressista teve em relação a esse líder religioso. Era uma oportunidade de fazer um estudo amplo sobre Malafaia, sua trajetória, o que o move, os elementos formativos do seu pensamento e o que há por trás da persona midiática dele. Poderia ser algo que nos ajudasse a compreender essa figura de uma maneira semelhante ao que a Rádio Novelo fez com Bolsonaro na série de podcasts Retrato Narrado, que analisou a trajetória dele com uma pesquisa ampla, permitindo uma compreensão aprofundada a respeito desse sujeito sem jamais tentar relativizar ou suavizar a conduta extrema disso.

O documentário desperdiça esse acesso possivelmente inédito que Malafaia concedeu a alguém do espectro político oposto se limitando apenas a reproduzir tudo que já sabemos sobre o pastor a partir de suas aparições públicas. Há um senso de falta de curiosidade a respeito do sujeito filmado que, no fim, apenas repete o que já é sabido sobre ele. Mesmo as críticas que Malafaia faz a Bolsonaro e o que vê como covardia da parte do ex-presidente ao sair do país depois de perder as eleições já foram feitas em outros momentos pelo pastor. Há um potencial enorme de ampliar nosso entendimento sobre essa figura (o que não significaria aderir ao seu discurso ou tratar sua retórica como se ela não fosse repreensível) que o filme não realiza.

O olhar do filme também parece dar a impressão de que esse conservadorismo evangélico como a única força a levantar Bolsonaro ao poder ignorando várias outras frentes políticas e ideológicas, do pensamento de Olavo de Carvalho à retórica do agronegócio, que compuseram a base de sustentação que alçou Bolsonaro ao poder. Na verdade, embora mencione o crescimento rápido do movimento evangélico no Brasil e mostre certos condicionantes que ajudaram nisso, como a influência de televangelistas dos Estados Unidos, o documentário carece de um esforço maior de investigar o que move a população a aderir a essa retórica. A melhor leitura da situação seja talvez a que Lula dá em uma entrevista para Petra, mencionando como a dificuldade (ou mesmo falhas) de movimentos sociais, sindicais e de instituições religiosas menos reacionárias criou um terreno fértil para que essa retórica evangélica prosperasse.

No fim das contas, Apocalipse nos Trópicos não entrega o exame profundo e compreensivo do movimento evangélico aliado à extrema direita que pretende fazer, preferindo focar em uma arquivologia ampla da política brasileira recente, sintetizando fatos que já foram amplamente cobertos nos últimos anos sem nada de muito novo na análise que tem desses eventos.

 

Nota: 5/10


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