Realizado por Orlando
Senna e Jorge Bodanzky e lançado em 1975 Iracema: Uma
Transa Amazônica chegou a ser proibido pela ditadura militar por muitos
anos e só foi lançado no Brasil em 1981. Hoje o filme recebe uma restauração em
4K para voltar aos cinemas e revisitá-lo agora traz a constatação melancólica
de que muito pouco mudou no país entre os cinquenta anos que separam
sua produção do seu retorno às salas de cinema.
Mitos desconstruídos
A narrativa acompanha o
caminhoneiro Tião Brasil Grande (Paulo César Peréio) que vai para o norte do
Brasil por conta da promessa de progresso e riqueza que a rodovia
Transamazônica (oficialmente a BR-230) supostamente traria. Chegando lá ele
conhece Iracema (Edna de Cássia), uma adolescente indígena que sobrevive de
prostituição, e a leva consigo em suas viagens pelo norte. É um filme que
mistura atores e cenas encenadas com personagens reais, colocando Peréio para
interagir com pessoas da região enquanto dialoga sobre o suposto progresso que
o governo militar diz estar acontecendo por conta da obra da rodovia.
Em Democracia em Vertigem (2019) a diretora Petra Costa narra a queda
de Dilma Roussef da presidência com grande vigor arquivístico, mas que se
acomodava em fazer de sua narrativa uma grande bricolagem de vários momentos
chave que foram narrados continuamente no noticiário político brasileiro sem
oferecer muito em termos de uma nova perspectiva ou de uma grande sacada
interpretativa que contribuísse para uma compreensão mais aprofundada dos fatos.
Neste Apocalipse nos Trópicos a
diretora se propõe a fazer um mergulho no ambiente da direita conservadora,
principalmente àquela ligada a igrejas neopentecostais, para melhor entender a ascensão
desse grupo na política brasileira.
Repetição histórica
Digo que o filme propõe esse mergulho
porque ele fica na proposta apenas. A ideia de um debate para tentar
compreender a ascensão da direita evangélica e sua adesão ao bolsonarismo é
logo abandonada para que a diretora basicamente repita os mesmos procedimentos
de Democracia em Vertigem, um
apanhado de imagens de arquivo e outras registradas pela diretora que recapitulam
momentos chave da vida política brasileira que tiveram bastante exposição midiática
nos últimos anos, tudo embalado por uma narração sussurrante, lamuriosa que fala
através de platitudes que explicitam o óbvio das imagens.
Quem viveu o final dos anos 90 se
lembra do pânico sobre o bug do milênio. O temor de que quando os sistemas de
computadores fizessem a passagem do 99 para o 00 do 2000 geraria uma pane nos
sistemas que poderia causar uma série de problemas. O filme Y2K: O Bug do Milênio tenta falar desse
medo em uma trama que mistura terror e comédia, mas não sai bem sucedido nesses
esforços.
Rebelião das máquinas
A narrativa é centrada em Eli
(Jaeden Martell) que junto com o melhor amigo Danny (Julian Dennison) pensam em
como pegar garotas na festa de ano novo da escola que vai marcar a virada para
o ano 2000. Eli pensa em se aproximar de Laura (Rachel Zegler), a garota
popular por quem é apaixonado, mas assim que chega a meia-noite os computadores
ganham autonomia e começam a matar pessoas. Agora eles precisam sobreviver.
É curioso como às vezes ideias
similares são produzidas quase que ao mesmo tempo em Hollywood. Meses atrás a
Amazon lançou G20, filme que trazia
Viola Davis como presidente enfrentando uma ameaça terrorista. Agora, a mesma Amazon
lança outro filme com líderes mundiais partindo para a ação neste Chefes de Estado.
Relacionamento especial
Assim como G20, a trama de Chefes de
Estado é muito idiota e não se preocupa muito em ser crível ou realista. A
diferença é que aqui ao invés de se levar à sério como G20fez, o filme tem plena consciência de sua idiotice e assume o
compromisso com a diversão sem noção. O filme acompanha Will (John Cena), astro
de cinema recém eleito presidente dos Estados Unidos, e Sam (Idris Elba),
primeiro ministro britânico. Quando os dois são atacados em uma viagem
diplomática, precisam se unir para sobreviver a despeito de suas personalidades
conflitantes e desvendar quem está por trás da conspiração. Ao longo do
percurso eles terão ajuda da agente Noel (Priyanka Chopra).
A série Cobra Kaiconseguiu ressuscitar a franquia Karate Kid quando ela parecia morta, já que mesmo uma tentativa de remake estrelada por Jackie Chan
(inexplicavelmente trocando caratê por kung fu a despeito do título se manter)
não chegou a decolar embora não tenha sido um fracasso. Com Cobra Kai se encerrando depois de se
alongar demais, a franquia volta aos cinemas neste Karate Kid: Lendas, que reúne o Sr. Han (Jackie Chan) do remake com
Daniel Larusso (Ralph Macchio).
Novo protagonista, mesma história
A narrativa é encabeçada por Li
Fong (Ben Wang), estudante e sobrinho do Sr. Han que se muda da China para os
Estados Unidos depois que sua mãe consegue um emprego em um hospital em Nova
Iorque. Lá ele se aproxima da garota Mia (Sadie Stanley) e do pai dela, Victor
(Joshua Jackson), dono de uma pizzaria no bairro. Quando Li descobre que Victor
está devendo para pessoas perigosas e vai tentar recuperar o dinheiro em uma
luta de boxe, Li decide ajudar Victor a treinar com seu conhecimento de Kung
Fu. Ao mesmo tempo, ele disputa a atenção de Mia com o valentão Conor (Aramis
Knight).
Parte do selo Desastre Total da Netflix, que
compreende documentários sobre catástrofes ou eventos controversos, Cruzeiro do Cocô narra um desastre
marítimo ocorrido em 2013 que mobilizou a imprensa dos Estados Unidos.
Viagem de merda
O documentário conta a história
do navio de cruzeiro Carnival Triumph que em 2013 sofreu um incêndio na casa de
máquinas que destruiu os geradores de energia da embarcação e a deixou sem
energia. Como até mesmo a descarga das privadas dependiam de geradores para
funcionar, os passageiros sequer conseguiam usar o banheiro direito. Soma-se
isso a uma demora da empresa que gerenciava o cruzeiro em mandar um reboque
para trazer a embarcação de volta a um porto próximo, temos um grande desastre
que colocou a vida de todos em risco.
Estrelado por Hunter Schafer, Cuckoo: O Medo Chama cria uma misteriosa
atmosfera de horror para sua história, mas conforme progride não consegue dar
conta dos múltiplos temas que tenta abordar. A narrativa é centrada em Gretchen
(Hunter Schafer), uma jovem que se muda para a Alemanha com o pai, Luis (Marton
Csokas), a madastra, Beth (Jessica Henwick), e a irmã caçula Alma (Mila Lieu),
que desde que nasceu nunca conseguiu falar. Luis vai para o país a trabalho,
para reformar o remoto resort nas montanhas de propriedade do excêntrico Konig
(Dan Stevens). Gretchen começa a trabalhar como recepcionista do remoto resort,
mas logo começa a notar estranhos fenômenos e a ser perseguida por uma bizarra
mulher encapuzada. Como ninguém mais vê a tal mulher, o pai e a madrasta acham
que Gretchen está tentando chamar atenção, já que eles estão focados nos
problemas de saúde de Alma.
Espécie invasora
A narrativa vai aos poucos
construindo um senso de tensão e estranheza conforme fenômenos bizarros vão
acontecendo ao redor de Gretchen, desde conduta esquisita dos hóspedes,
passando por estranhos sons e momentos de deja
vu que ela experimenta até as violentas perseguições da mulher encapuzada.
Há uma ambiguidade nesses momentos que nos deixa incertos se é tudo na mente de
Gretchen, que lida com o senso de isolamento e o falecimento inesperado de sua
mãe, ou se há de fato uma criatura à espreita que explica todos os fenômenos
estranhos.
Por outro lado, alguns segredos
são bem óbvios desde o início como o fato de Konig claramente estar escondendo
algo, o que mina parte da ambiguidade que a narrativa tenta construir. O que
era uma narrativa sobre o luto de Gretchen e o senso de não pertencimento dela
à nova família do pai vai se abrindo a outros temas a partir do momento em que
o filme decide explicar o que de fato está acontecendo e qual a natureza da
ameaça.
As experiências de Konig com
criaturas híbridas deslocam os temas do luto para falar de ética científica,
direitos reprodutivos da mulher e diferentes configurações de família, mas
nunca há tempo suficiente para desenvolver todas essas ideias. O filme se torna
um slasher competente, com bons
momentos de tensão graças aos visuais bizarros e senso de estranheza com o qual
tudo é conduzido, mas fica a impressão de que a narrativa levanta muitas
questões e não as trabalha a contento.
É impressionante como quase nada
funciona neste Shadow Force: Sentença de
Morte, misto de ação com comédia romântica que tenta fazer tanta coisa ao
mesmo tempo, misturando diferentes gêneros e propostas estéticas ou narrativas
que nada consegue operar conjuntamente com coesão. A impressão que fica é a de
um filme que parece brigar consigo mesmo o tempo todo.
Conflito interior
A trama acompanha o casal de
mercenários Issac (Omar Sy) e Kyrah (Kerry Washington). No passado eles
serviram juntos da Shadow Force, divisão secreta que realizada missões de
assassinato. Quando eles se apaixonaram e tiveram um filho decidiram abandonar
a divisão, mas isso os colocou na mira do líder, o ardiloso Jack Cinder (Mark Strong).
Eles vivem separados, com Issac cuidando do filho do casal, enquanto Kyrah caça
os remanescentes do grupo que estão atrás deles. As coisas mudam quando Issac
impede um assalto à banco, atraindo atenção da mídia e fazendo seu rosto
circular na mídia, chamando atenção de quem os caçava, obrigando ele e Kyrah a
se reunirem e eliminarem a ameaça de uma vez por todas.
Depois de uma tentativa de
construir um universo cinematográfico da DC que não engrenou por conta de
escolhas questionáveis e uma demora da Warner em corrigir o rumo este Superman tenta ser um recomeço tanto
para o personagem quanto para o universo DC. James Gunn já tinha colocado as
mãos em personagens com O Esquadrão Suicida (2021) e seus derivados e aqui assume tanto como diretor quanto
como a mente criativa por trás do recém criado DC Studios.
Olhe para o céu
Na trama, Clark Kent (David
Corenswet) já é Superman há alguns anos e agora lida com uma crise da confiança
do público em si depois que ele impede uma guerra entre dois países distantes.
Lex Luthor (Nicholas Hoult) aproveita para minar ainda mais a credibilidade do
herói para mobilizar a opinião pública e o governo contra ele, convencendo as
autoridades a lhe darem carta branca para tratar o Superman como um inimigo do
Estado, ao mesmo tempo em que lucra com a guerra no exterior que o Superman
tentou impedir.
Ainda há uma espécie de senso
comum equivocado de que a repressão da ditadura militar brasileira foi algo
focado nos grandes centros urbanos e que quem estava à margem disso foi pouco
afetado. O sucesso de Ainda Estou Aquino
ano passado e certas reações a ele mostrou como esse senso comum ainda está
presente, falhando em entender como a ditadura também afetou populações fora
desses centros urbanos, como as populações indígenas. O documentário Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, conta
exatamente uma dessas histórias de como comunidades indígenas foram impactadas
nesse período.
Diáspora indígena
O filme parte da busca de Sueli
Maxakali (uma das diretoras do filme) e sua irmã Maiza Maxakali, pelo pai
delas, Luiz Kaiowá, de quem foram separadas quando eram pequenas ainda no
período da ditadura militar. A narrativa conta como Luiz foi removido à força
de seu território natal no Mato Grosso do Sul pelo então governo, sendo
transportado por vários estados até chegar ao território dos Tikmũ’ũn (também
chamados de Maxakali) em Minas Gerais, onde conheceu a mãe de Sueli e Maiza.
Depois Luiz sofre um novo deslocamento forçado por parte do governo e perde o
contato com a família que constituiu em Minas Gerais.