segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Crítica – Jay Kelly

 

Análise Crítica – Jay Kelly

Review – Jay Kelly
A todo o momento em nossas vidas estamos adequando nosso comportamento ao contexto nos quais nos inserimos, adotando diferentes posturas nos diferentes espaços. Na prática, construímos diferentes performances do nosso “eu”. Novo filme de Noah Baumbach, Jay Kelly examina como o nosso senso de si pode se perder em meio a essas performances constantes.

O cara interpretando um cara

Jay Kelly (George Clooney) é um bem-sucedido astro do cinema. Ele é famoso, ele é bem reconhecido, mas seu trabalho já não lhe dá a mesma satisfação de antes. Ele também sente que os anos dedicados à carreira o afastaram das filhas Jessica (Riley Keough), com quem tem uma relação conturbada, e a caçula Daisy (Grace Edwards) que está prestes a sair de casa. A crise de Jay se agrava quando ele reencontra Timothy (Billy Crudup), um antigo colega de teatro e amigo. O papel que catapultou Jay ao estrelato veio por acaso, quando ele acompanhou Timothy em um teste e o diretor ignorou Timothy e se interessou por Jay. No reencontro Timothy ainda revela um ressentimento por Jay ter obtido um sucesso que acreditava pertencer a ele. Tudo isso faz Jay repensar seu lugar na indústria e ele abandona o set do seu mais recente projeto para ir ficar com Grace que viajou para a Europa com amigas. O agente de Jay, Ron (Adam Sandler), resolve acompanhar o cliente para que ele não se meta em problemas.

A citação a Sylvia Plath que inicia o filme deixa evidente que o foco da narrativa é a dificuldade de ser você mesmo e encarar quem se é quando é muito mais fácil ser outra pessoa (criando uma performance de si) ou vivendo em fuga de si. Jay, com toda sua aura de astro, é alguém que passou tantos anos performando uma identidade, agindo como o grande astro que todos esperam que ele seja, que perdeu de vista quem ele realmente é por trás de todo esse comportamento construído ao longo de vários anos.

George Clooney é uma escolha precisa para interpretar um astro carismático e respeitado, convencendo desde o início do magnetismo pessoal de Jay e como ele seria capaz de se tornar uma grande estrela. Além do carisma, Clooney traz ao personagem uma melancolia e vulnerabilidade que certamente vem de suas próprias experiências em Hollywood e como o topo pode ser um lugar solitário. Ao lado dele está um eficiente Adam Sandler que evoca o mesmo tipo de sujeito neurótico e cheio de raiva contida que costuma interpretar em suas comédias, mas se lá ele normalmente descamba para a caricatura, aqui o texto e a condução de Baumbach dão ao personagem elementos para que ele tenha mais camadas. Alguém que é tão devotado ao seu principal cliente e tão focado em fazer o que ele demanda que as linhas entre o pessoal e o profissional se borraram e ambos perderam a capacidade de separar as coisas.

Viagem interior

Ao longo da viagem pela Europa, Jay rememora a juventude, lembrando os momentos marcantes da carreira, mas também seus fracassos, em especial a relação distante com Jessica, que ressente o pai por preferir suas famílias da ficção do que com sua filha real. A dor dela é sentida principalmente na cena em que ela diz ter se emocionado mais com pai vendo ele interpretar um pai de família no cinema do que em qualquer uma das poucas interações reais que teve com ele. A escolha de colocar Jay para caminhar em meio aos próprios flashbacks, como se assistisse alguém encenar sua vida e fosse um espectador da própria história ajuda a comunicar a dissociação que há entre quem ele é de fato e a sua persona midiática.

Por mais que o texto e o elenco construa bem o dilema dos personagens, o material não afasta a sensação de que o drama existencial de Jay nunca soa como uma grande crise que vai trazer mudanças ou riscos severos para o personagem. Mesmo que ele de fato abandone o filme e desista de atuar, ele ainda vai ser um milionário com uma vida bastante confortável, então profissionalmente não há nada em risco. No plano pessoal é a mesma coisa. Por mais ele tenha sido um pai ausente, não se reconectar com as filhas nesse momento específico não soa como algo que o fará perdê-las para sempre, principalmente por ele ter meios e recursos para contatá-las quando bem entender. Assim, a narrativa nunca consegue transmitir que essa crise é o ponto de virada irreversível do personagem que o texto tenta nos convencer que é.

Mesmo com essa sensação de que falta drama, Jay Kelly se sustenta pelo carisma de George Clooney e pelo modo como pensa sobre a natureza performática da identidade.

 

Nota: 7/10


Trailer

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Crítica – Tron: Ares

 

Análise Crítica – Tron: Ares

Review – Tron: Ares
Sempre achei a franquia Tron mal aproveitada. É um universo muito interessante, mas como os filmes sempre rendem abaixo do esperado, esse universo nunca decolou de fato. O primeiro filme, lançado em 1982, inovava com cenários e personagens completamente digitais, algo muito novo para época, mas os avanços tecnológicos fizeram um filme envelhecer mal. Uma continuação só viria quase trinta anos depois com o bacana, mas subestimado, Tron: O Legado (2010), que atualizou como esse universo computadorizado seria em um mundo ainda mais digital, mas também não teve o resultado esperado na bilheteria. Agora, quinze anos depois, temos mais um filme da franquia com este Tron: Ares, que infelizmente não fez valer o tempo de espera.

Guerreiros digitais

Na trama, a tecnologia evoluiu para ser possível trazer elementos do mundo digital para o nosso mundo. Há uma espécie de corrida tecnológica entre a Encom, empresa criada por Kevin Flynn (Jeff Bridges) e hoje chefiada por Eve Kim (Greta Lee, de Vidas Passadas e The Morning Show) e a Dillinger Systems, criada pelo rival de Flynn na época do primeiro filme e hoje liderada por Julian Dillinger (Evan Peters). As duas empresas buscam um meio de trazer permanentemente recursos digitais para o mundo real, já que qualquer elemento trazido para o nosso mundo dura apenas cerca de meia hora. Quando Eve descobre elementos para criar o “código da permanência” em meio a antigos arquivos de Kevin Flynn, Julian traz para o mundo real seu programa de segurança Ares (Jared Leto) para caçar Eve e recuperar o código. O contato com Eve, no entanto, faz Ares questionar sua programação.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Crítica – Marvel Cosmic Invasion

 

Análise Crítica – Marvel Cosmic Invasion

Review – Marvel Cosmic Invasion
Na renascença de beat’em ups que estamos vivendo já tivemos novos games das Tartarugas Ninja, Power Rangers, Streets of Rage e Double Dragon. Era questão de tempo até que o universo Marvel também tentasse capitalizar com isso e é exatamente o que faz este Marvel Cosmic Invasion, claramente inspirado nos beat’em ups de outrora, em especial o antigo game dos X-Men, e também nos games de luta Marvel vs Capcom. O resultado é um game de ação que consegue remeter à época de ouro do gênero, mas também soa bastante contemporâneo.

Guardiões da Galáxia

A trama envolve o vilão Aniquilador, que consegue capturar o poderoso Galactus e absorver seu poder cósmico, lançando um ataque em escala universal com seu exército de insetos. Agora cabe aos vários heróis da galáxia se unirem para conter a ameaça. Narrativa não é exatamente o motivo pelo qual jogamos beat’em ups, mas as cutscenes entre cada fase, por mais que a arte seja muito boa, fazem tudo soa fragmentado e sem coesão. O vilão Aniquilador permanece distante, só aparecendo na batalha final, nunca dando a sensação de que ele é essa ameaça imediata e poderosa. A bela pixel art não se resume às cutscenes, com os sprites de personagem e cenários sendo bem coloridos e detalhados, em um estilo que lembra animações e games da década de 90. Alguns personagens tem animações e movimentos que remetem diretamente aos games da franquia Marvel vs Capcom, como Venom, Tempestade ou Homem-Aranha.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Crítica – Bugonia

 

Análise Crítica – Bugonia

Review – Bugonia
Novo filme do diretor grego Yorgos Lanthimos, Bugonia declara já em seu título sua temática de morte e renovação da vida. O termo bugonia viria de uma expressão grega que postulava que abelhas e outros insetos nasciam das carcaças de boi. Essas ideias, no entanto, permanecem subjacentes ao longo de boa parte do filme, que parece priorizar outros temas.

Teoria da conspiração

A narrativa gira em torno de Michelle (Emma Stone), presidente de uma grande empresa que é sequestrada por Teddy (Jesse Plemons). Ele acredita que a executiva é na verdade uma alienígena que está na Terra para matar as abelhas e destruir nosso ecossistema, com uma ação grande planejada para um eclipse que acontecerá em poucos dias. Teddy e o primo, Don (Aidan Delbis) matem Michelle no porão e tentam forçá-la a admitir o plano dos alienígenas.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Crítica – Sonhos de Trem

 

Análise Crítica – Sonhos de Trem

Resenha – Sonhos de Trem
Baseado em um romance escrito por Denis Johnson, Sonhos de Trem tem um quê de Terrence Malick no modo como o diretor Clint Bentley filma o cotidiano de seu protagonista. Digo isso tanto pelas escolhas estilísticas quanto narrativas, já que esta também é uma história sobre um sujeito comum vivendo em graça e plenitude a despeito de uma existência simples e marcada por tragédias, similar ao que Malick fez em produções como Uma Vida Oculta (2020) ou A Árvore da Vida (2011).

Vida natural

A narrativa é protagonizada por Robert (Joel Edgerton) um lenhador vivendo no oeste dos Estados Unidos no início do século XX. Ele consegue um trabalho que paga bem, mas que o deixa distante da esposa, Gladys (Felicity Jones), e da filha pequena. Acompanhamos Robert ao longo dos anos conforme ele lida com as tragédias que acometem a sua vida e com a passagem do tempo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Drops – Com Quem Será?

 

Análise – Com Quem Será?

Review – Com Quem Será?
O prospecto de uma comédia romântica estrelada por Keanu Reeves e Winona Ryder parecia promissor. Eles já tinham sido um casal em Drácula de Bram Stoker (1992) do Francis Ford Coppola, mas neste Com Quem Será? teriam a chance de construir um outro tipo de relacionamento, mais próximo de filmes românticos. O resultado, no entanto, é decepcionante mesmo que não seja culpa da dupla principal. 

Afeto estático

A trama acompanha Frank (Keanu Reeves) e Lindsay (Winona Ryder). Eles se conhecem durante um voo e se desentendem durante o trajeto. Chegando ao destino os dois descobrem que vão para o mesmo lugar, o casamento do irmão de Frank. Ele não tem um bom relacionamento e só foi para o casamento por insistência da família. Já Lindsey tinha sido noiva do irmão de Frank, mas foi largada por ele há seis anos e resolveu ir para mostrar que o tinha superado. Incialmente os dois se conectam pelo seu desdém do noivo, mas logo veem que tem mais coisas em comum e também bastante divergências.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Drops – Plano em Família 2

 

Análise Crítica – Plano em Família 2

REVIEW – Plano em Família 2
Certas decisões são impossíveis de determinar de antemão que são péssimas escolhas. Em outras, porém, sabemos na hora que fizemos uma péssima opção. Dar play em Plano em Família 2 foi uma dessas escolhas. Eu já não tinha achado o primeiro Plano em Família grande coisa e não tinha como esperar algo muito melhor desse, mas ainda assim resolvi assistir. Talvez eu seja masoquista.

Família internacional

Depois dos eventos do filme anterior, a família liderada por Dan (Mark Wahlberg) e Jessica (Michelle Monaghan) viajam para Londres para passarem o Natal com a filha mais velha, Nina (Zoe Coletti), que foi morar lá para estudar. Lá Dan se vê enredado em uma trama de roubo arquitetada por Finn (Kit Harington), um antigo conhecido da época em que Dan trabalhava com o pai, o vilão do primeiro filme. Com a família novamente alvo de criminosos internacionais, Dan precisa encontrar um meio de deter Finn.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Crítica – Love Me

 

Análise Crítica – Love Me

Review – Love Me
Fui assistir este Love Me sem saber absolutamente nada além dele ser estrelado por Kristen Stewart e Steven Yeun. Nada me preparou para a natureza aloprada da narrativa, ainda que sinta que a produção não consegue sustentar todas as ambições que tem.

Amor digital

A narrativa se passa milênios no futuro quando a humanidade foi extinta e a Terra ficou desabitada. Um satélite vaga na órbita do nosso planeta contendo todo o acervo digital da humanidade para que outras formas de vida o encontrem. A única outra forma de vida inteligente, porém, é uma boia marítima criada para analisar os níveis de salinização da água. Ela entra em contato com o satélite e ao acessar seu acervo se torna fixada em um casal de influencers (interpretados por Stewart e Yeun) e decide experimentar a vida humana. Para isso tenta fazer a amizade com o satélite e juntos tentam construir uma simulação de como era a vida desse casal para reproduzir a experiência humana. Logicamente, viver um relacionamento humano é bem mais complexo do que imitar algumas centenas de reels de influencers e logo o casal começa a ter problemas.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Crítica – Depois da Caçada

 

Análise Crítica – Depois da Caçada

Review – Depois da Caçada
A arte muitas vezes nasce do diálogo com o mundo real. Alguém olhou para alguma coisa no mundo, sentiu algo e resolveu transformar isso em arte. A arte, no entanto, não tem qualquer obrigação de reproduzir o mundo real, nem uma representação realista, próxima de como as coisas funcionam no mundo real, torna uma peça artística automaticamente boa. Digo isso porque reconheço como Depois da Caçada, novo filme do diretor Luca Guadagnino (de Rivais e Me Chame Pelo Seu Nome), é uma representação fiel do universo que representa, mas, ao mesmo tempo, ser fiel à realidade não significa que isso rende um bom drama.

Politicagem acadêmica

A trama é centrada em Alma (Julia Roberts), professora de filosofia em Yale. Ela tem um caso extraconjugal com Hank (Andrew Garfield), também professor na universidade, e um relacionamento distante com o marido, Frederik (Michael Stuhlbarg). Quando Maggie (Ayo Edebiri), uma doutoranda orientada por Hank, o acusa de estupro, Alma fica no meio da questão. Hank se defende dizendo que Maggie inventou a acusação depois que confrontou a orientanda sobre a tese dela ser um plágio. Alma já tinha noção que Maggie não era uma boa aluna e que seu trabalho poderia ser plágio, mas ela também sabe que Hank é mulherengo e gosta de dar em cima das alunas.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Crítica – A Mão Que Balança o Berço

 

Análise Crítica – A Mão Que Balança o Berço

Review – A Mão Que Balança o Berço
Nova versão do suspense homônimo de 1992 protagonizado por Rebecca De Mornay, o novo A Mão Que Balança o Berço sofre por não saber exatamente que história quer contar e por não conseguir manejar a construção do suspense.

Ameaça na residência

A narrativa segue Caitlin (Mary Elizabeth Winstead), uma advogada sobrecarregada com o trabalho e o cuidado com as duas filhas que decide contratar a jovem Polly (Maika Monroe) para cuidar das filhas depois de cuidar de um processo envolvendo o local em que Polly mora. De início a jovem parece se integrar bem à família, se conectando com as filhas de Caitlin, mas logo a advogada começa a sentir que Polly está interferindo demais no cotidiano da casa. Preocupações que o marido dela, Miguel (Raul Castillo), relativiza dizendo que ela pode estar próxima de um episódio de burnout, algo que já tinha acometido Caitlin antes.