O primeiro Entre Facas e Segredos(2019) é um divertido suspense que brincava
com os clichês da era de ouro do romance policial e nos apresentava a um
interessante protagonista no excêntrico detetive Benoit Blanc. O segundo filme,
Glass Onion (2022), dobrou a aposta
na sátira apresentando um mistério que fazia piada em cima dos excessos
barrocos desse tipo de narrativa e como esse encadeamento de reviravoltas
grandiloquentes muitas vezes é feito para parecer mais inteligente do que se é,
dando a impressão de algo complexo quando na verdade é simples, como a “cebola
de vidro” que dá título ao filme. Já este Vivo
ou Morto: Um Mistério Knives Out é o mais sério dos três, ainda que muito
autoconsciente dos clichês com os quais trabalha e faça graça com ele.
Os crimes do padre Jud
A trama acompanha o jovem padre
Jud (Josh O’Connor, de Rivais) que é
enviado para uma paróquia remota chefiada pelo amargo monsenhor Wicks (Josh
Brolin), um sacerdote conservador que tem prazer em constranger os membros da
congregação. Quando Wicks é assassinado durante uma missa, sendo encontrado no
pequeno armário ao lado do altar, as autoridades tem dificuldade de resolver
crime, já que ele estava em um espaço fechado e ninguém tinha acesso a ele.
Nesse momento chega o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) para ajudar o padre
a resolver o mistério.
A todo o momento em nossas vidas
estamos adequando nosso comportamento ao contexto nos quais nos inserimos,
adotando diferentes posturas nos diferentes espaços. Na prática, construímos
diferentes performances do nosso “eu”. Novo filme de Noah Baumbach, Jay Kelly examina como o nosso senso de
si pode se perder em meio a essas performances constantes.
O cara interpretando um cara
Jay Kelly (George Clooney) é um
bem-sucedido astro do cinema. Ele é famoso, ele é bem reconhecido, mas seu
trabalho já não lhe dá a mesma satisfação de antes. Ele também sente que os
anos dedicados à carreira o afastaram das filhas Jessica (Riley Keough), com
quem tem uma relação conturbada, e a caçula Daisy (Grace Edwards) que está
prestes a sair de casa. A crise de Jay se agrava quando ele reencontra Timothy
(Billy Crudup), um antigo colega de teatro e amigo. O papel que catapultou Jay
ao estrelato veio por acaso, quando ele acompanhou Timothy em um teste e o
diretor ignorou Timothy e se interessou por Jay. No reencontro Timothy ainda
revela um ressentimento por Jay ter obtido um sucesso que acreditava pertencer
a ele. Tudo isso faz Jay repensar seu lugar na indústria e ele abandona o set
do seu mais recente projeto para ir ficar com Grace que viajou para a Europa
com amigas. O agente de Jay, Ron (Adam Sandler), resolve acompanhar o cliente
para que ele não se meta em problemas.
A citação a Sylvia Plath que
inicia o filme deixa evidente que o foco da narrativa é a dificuldade de ser
você mesmo e encarar quem se é quando é muito mais fácil ser outra pessoa
(criando uma performance de si) ou vivendo em fuga de si. Jay, com toda sua
aura de astro, é alguém que passou tantos anos performando uma identidade,
agindo como o grande astro que todos esperam que ele seja, que perdeu de vista
quem ele realmente é por trás de todo esse comportamento construído ao longo de
vários anos.
George Clooney é uma escolha
precisa para interpretar um astro carismático e respeitado, convencendo desde o
início do magnetismo pessoal de Jay e como ele seria capaz de se tornar uma
grande estrela. Além do carisma, Clooney traz ao personagem uma melancolia e
vulnerabilidade que certamente vem de suas próprias experiências em Hollywood e
como o topo pode ser um lugar solitário. Ao lado dele está um eficiente Adam
Sandler que evoca o mesmo tipo de sujeito neurótico e cheio de raiva contida
que costuma interpretar em suas comédias, mas se lá ele normalmente descamba
para a caricatura, aqui o texto e a condução de Baumbach dão ao personagem
elementos para que ele tenha mais camadas. Alguém que é tão devotado ao seu
principal cliente e tão focado em fazer o que ele demanda que as linhas entre o
pessoal e o profissional se borraram e ambos perderam a capacidade de separar
as coisas.
Viagem interior
Ao longo da viagem pela Europa,
Jay rememora a juventude, lembrando os momentos marcantes da carreira, mas
também seus fracassos, em especial a relação distante com Jessica, que ressente
o pai por preferir suas famílias da ficção do que com sua filha real. A dor
dela é sentida principalmente na cena em que ela diz ter se emocionado mais com
pai vendo ele interpretar um pai de família no cinema do que em qualquer uma
das poucas interações reais que teve com ele. A escolha de colocar Jay para
caminhar em meio aos próprios flashbacks,
como se assistisse alguém encenar sua vida e fosse um espectador da própria
história ajuda a comunicar a dissociação que há entre quem ele é de fato e a
sua persona midiática.
Por mais que o texto e o elenco
construa bem o dilema dos personagens, o material não afasta a sensação de que
o drama existencial de Jay nunca soa como uma grande crise que vai trazer
mudanças ou riscos severos para o personagem. Mesmo que ele de fato abandone o
filme e desista de atuar, ele ainda vai ser um milionário com uma vida bastante
confortável, então profissionalmente não há nada em risco. No plano pessoal é a
mesma coisa. Por mais ele tenha sido um pai ausente, não se reconectar com as
filhas nesse momento específico não soa como algo que o fará perdê-las para
sempre, principalmente por ele ter meios e recursos para contatá-las quando bem
entender. Assim, a narrativa nunca consegue transmitir que essa crise é o ponto
de virada irreversível do personagem que o texto tenta nos convencer que é.
Mesmo com essa sensação de que
falta drama, Jay Kelly se sustenta
pelo carisma de George Clooney e pelo modo como pensa sobre a natureza
performática da identidade.
Sempre achei a franquia Tron mal aproveitada. É um universo
muito interessante, mas como os filmes sempre rendem abaixo do esperado, esse
universo nunca decolou de fato. O primeiro filme, lançado em 1982, inovava com
cenários e personagens completamente digitais, algo muito novo para época, mas
os avanços tecnológicos fizeram um filme envelhecer mal. Uma continuação só
viria quase trinta anos depois com o bacana, mas subestimado, Tron: O Legado (2010), que atualizou
como esse universo computadorizado seria em um mundo ainda mais digital, mas
também não teve o resultado esperado na bilheteria. Agora, quinze anos depois,
temos mais um filme da franquia com este Tron:
Ares, que infelizmente não fez valer o tempo de espera.
Guerreiros digitais
Na trama, a tecnologia evoluiu
para ser possível trazer elementos do mundo digital para o nosso mundo. Há uma
espécie de corrida tecnológica entre a Encom, empresa criada por Kevin Flynn
(Jeff Bridges) e hoje chefiada por Eve Kim (Greta Lee, de Vidas Passadase The Morning
Show) e a Dillinger Systems, criada pelo rival de Flynn na época do
primeiro filme e hoje liderada por Julian Dillinger (Evan Peters). As duas
empresas buscam um meio de trazer permanentemente recursos digitais para o
mundo real, já que qualquer elemento trazido para o nosso mundo dura apenas
cerca de meia hora. Quando Eve descobre elementos para criar o “código da
permanência” em meio a antigos arquivos de Kevin Flynn, Julian traz para o
mundo real seu programa de segurança Ares (Jared Leto) para caçar Eve e
recuperar o código. O contato com Eve, no entanto, faz Ares questionar sua
programação.
Na renascença de beat’em ups que estamos vivendo já
tivemos novos games das Tartarugas Ninja,
Power Rangers, Streets of Ragee Double Dragon. Era questão de tempo até
que o universo Marvel também tentasse capitalizar com isso e é exatamente o que
faz este Marvel Cosmic Invasion,
claramente inspirado nos beat’em ups de
outrora, em especial o antigo game dos X-Men,
e também nos games de luta Marvel vs Capcom. O resultado é um game de ação que consegue remeter à época de ouro
do gênero, mas também soa bastante contemporâneo.
Guardiões da Galáxia
A trama envolve o vilão
Aniquilador, que consegue capturar o poderoso Galactus e absorver seu poder cósmico,
lançando um ataque em escala universal com seu exército de insetos. Agora cabe
aos vários heróis da galáxia se unirem para conter a ameaça. Narrativa não é
exatamente o motivo pelo qual jogamos beat’em
ups, mas as cutscenes entre cada fase, por mais que a arte seja muito boa,
fazem tudo soa fragmentado e sem coesão. O vilão Aniquilador permanece
distante, só aparecendo na batalha final, nunca dando a sensação de que ele é
essa ameaça imediata e poderosa. A bela pixel
art não se resume às cutscenes, com os sprites de personagem e cenários
sendo bem coloridos e detalhados, em um estilo que lembra animações e games da
década de 90. Alguns personagens tem animações e movimentos que remetem
diretamente aos games da franquia Marvel vs Capcom, como Venom, Tempestade ou
Homem-Aranha.
Novo filme do diretor grego
Yorgos Lanthimos, Bugonia declara já
em seu título sua temática de morte e renovação da vida. O termo bugonia viria
de uma expressão grega que postulava que abelhas e outros insetos nasciam das
carcaças de boi. Essas ideias, no entanto, permanecem subjacentes ao longo de
boa parte do filme, que parece priorizar outros temas.
Teoria da conspiração
A narrativa gira em torno de
Michelle (Emma Stone), presidente de uma grande empresa que é sequestrada por
Teddy (Jesse Plemons). Ele acredita que a executiva é na verdade uma alienígena
que está na Terra para matar as abelhas e destruir nosso ecossistema, com uma
ação grande planejada para um eclipse que acontecerá em poucos dias. Teddy e o
primo, Don (Aidan Delbis) matem Michelle no porão e tentam forçá-la a admitir o
plano dos alienígenas.
Baseado em um romance escrito por
Denis Johnson, Sonhos de Trem tem um
quê de Terrence Malick no modo como o diretor Clint Bentley filma o cotidiano
de seu protagonista. Digo isso tanto pelas escolhas estilísticas quanto
narrativas, já que esta também é uma história sobre um sujeito comum vivendo em
graça e plenitude a despeito de uma existência simples e marcada por tragédias,
similar ao que Malick fez em produções como Uma Vida Oculta(2020) ou A Árvore da
Vida (2011).
Vida natural
A narrativa é protagonizada por
Robert (Joel Edgerton) um lenhador vivendo no oeste dos Estados Unidos no
início do século XX. Ele consegue um trabalho que paga bem, mas que o deixa
distante da esposa, Gladys (Felicity Jones), e da filha pequena. Acompanhamos
Robert ao longo dos anos conforme ele lida com as tragédias que acometem a sua
vida e com a passagem do tempo.
O prospecto de uma comédia
romântica estrelada por Keanu Reeves e Winona Ryder parecia promissor. Eles já
tinham sido um casal em Drácula de Bram
Stoker (1992) do Francis Ford Coppola, mas neste Com Quem Será? teriam a chance de construir um outro tipo de
relacionamento, mais próximo de filmes românticos. O resultado, no entanto, é
decepcionante mesmo que não seja culpa da dupla principal.
Afeto estático
A trama acompanha Frank (Keanu
Reeves) e Lindsay (Winona Ryder). Eles se conhecem durante um voo e se
desentendem durante o trajeto. Chegando ao destino os dois descobrem que vão
para o mesmo lugar, o casamento do irmão de Frank. Ele não tem um bom
relacionamento e só foi para o casamento por insistência da família. Já Lindsey
tinha sido noiva do irmão de Frank, mas foi largada por ele há seis anos e
resolveu ir para mostrar que o tinha superado. Incialmente os dois se conectam
pelo seu desdém do noivo, mas logo veem que tem mais coisas em comum e também
bastante divergências.
Certas decisões são impossíveis
de determinar de antemão que são péssimas escolhas. Em outras, porém, sabemos
na hora que fizemos uma péssima opção. Dar play em Plano em Família 2 foi uma dessas escolhas. Eu já não tinha achado
o primeiro Plano em Família grande coisa e não tinha como esperar algo muito melhor desse, mas
ainda assim resolvi assistir. Talvez eu seja masoquista.
Família internacional
Depois dos eventos do filme
anterior, a família liderada por Dan (Mark Wahlberg) e Jessica (Michelle
Monaghan) viajam para Londres para passarem o Natal com a filha mais velha,
Nina (Zoe Coletti), que foi morar lá para estudar. Lá Dan se vê enredado em uma
trama de roubo arquitetada por Finn (Kit Harington), um antigo conhecido da
época em que Dan trabalhava com o pai, o vilão do primeiro filme. Com a família
novamente alvo de criminosos internacionais, Dan precisa encontrar um meio de
deter Finn.
Fui assistir este Love Me sem saber absolutamente nada
além dele ser estrelado por Kristen Stewart e Steven Yeun. Nada me preparou
para a natureza aloprada da narrativa, ainda que sinta que a produção não
consegue sustentar todas as ambições que tem.
Amor digital
A narrativa se passa milênios no
futuro quando a humanidade foi extinta e a Terra ficou desabitada. Um satélite
vaga na órbita do nosso planeta contendo todo o acervo digital da humanidade
para que outras formas de vida o encontrem. A única outra forma de vida
inteligente, porém, é uma boia marítima criada para analisar os níveis de
salinização da água. Ela entra em contato com o satélite e ao acessar seu
acervo se torna fixada em um casal de influencers (interpretados por Stewart e
Yeun) e decide experimentar a vida humana. Para isso tenta fazer a amizade com
o satélite e juntos tentam construir uma simulação de como era a vida desse
casal para reproduzir a experiência humana. Logicamente, viver um
relacionamento humano é bem mais complexo do que imitar algumas centenas de reels de influencers e logo o casal
começa a ter problemas.
A arte muitas vezes nasce do
diálogo com o mundo real. Alguém olhou para alguma coisa no mundo, sentiu algo
e resolveu transformar isso em arte. A arte, no entanto, não tem qualquer
obrigação de reproduzir o mundo real, nem uma representação realista, próxima
de como as coisas funcionam no mundo real, torna uma peça artística
automaticamente boa. Digo isso porque reconheço como Depois da Caçada, novo filme do diretor Luca Guadagnino (de Rivaise Me Chame Pelo Seu Nome), é uma representação fiel do universo que
representa, mas, ao mesmo tempo, ser fiel à realidade não significa que isso
rende um bom drama.
Politicagem acadêmica
A trama é centrada em Alma (Julia
Roberts), professora de filosofia em Yale. Ela tem um caso extraconjugal com
Hank (Andrew Garfield), também professor na universidade, e um relacionamento
distante com o marido, Frederik (Michael Stuhlbarg). Quando Maggie (Ayo
Edebiri), uma doutoranda orientada por Hank, o acusa de estupro, Alma fica no
meio da questão. Hank se defende dizendo que Maggie inventou a acusação depois
que confrontou a orientanda sobre a tese dela ser um plágio. Alma já tinha
noção que Maggie não era uma boa aluna e que seu trabalho poderia ser plágio,
mas ela também sabe que Hank é mulherengo e gosta de dar em cima das alunas.