terça-feira, 7 de maio de 2024

Crítica – Uma Ideia de Você

 

Análise Crítica – Uma Ideia de Você

Review – Uma Ideia de Você
De início não me interessei por Uma Ideia de Você. Parecia uma reciclagem de Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) com gêneros invertidos e acrescentando a questão da idade. Resolvi dar uma chance ao ver que era dirigido por Michael Showalter, responsável por Doentes de Amor (2019) e pela minissérie The Dropout (2022), que nesses trabalhos conseguia equilibrar bem comédia, emotividade e reflexões consistentes sobre relacionamentos e sociedade. Aqui, porém, isso não acontece.

A trama é protagonizada pela galerista Solene (Anne Hathaway) uma mulher de quase 40 anos, divorciada e que tem que levar a filha para o concerto de uma boy band depois que o ex marido, Daniel (Reid Scott), desiste de levar a garota por conta de um compromisso de trabalho. Chegando no show, Solene se aproxima de Hayes (Nicholas Galitzine), um dos músicos da boy band August Moon. Dias depois, Hayes a procura em sua galeria e os dois iniciam um romance.

De início o filme parece se interessar na dinâmica entre os dois, com cenas longas de apenas o casal principal em lugares restritos (a casa dela, o quarto de hotel), tentando construir um senso de intimidade entre eles e de como eles se abrem para si. Depois de algum tempo, porém essa dimensão intimista é deixada de lado conforme Solene acompanha Hayes em uma turnê e a cobertura midiática em cima deles começa a prejudicar o relacionamento. Assim, o filme tenta simultaneamente ser algo como um Antes do Amanhecer (1995), tentando ser um retrato mais naturalista e intimista de uma relação, investigando como essas personalidades se atraem ou colidem, ao mesmo tempo que busca ser um romance similar a Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e não faz bem nenhuma dessas coisas. As tentativas de crítica ao sensacionalismo midiático, haters de internet ou do etarismo em nossa sociedade nunca saem do superficial de apontar para essas coisas e reconhecer que são ruins.

Falta complexidade na dinâmica entre entres para funcionar como estudo de personagem e falta charme e humor para funcionar como uma comédia romântica evocativa de produções de outrora. Anne Hathaway carrega o filme com uma performance sensível, que mostra como toda a bagagem emocional de Solene a fez se fechar afetivamente. A cena em que ela conta como seu casamento acabou carrega todo o desalento e mágoa da personagem, refletindo o quanto a experiência ainda pesa sobre ela e seu desejo de se proteger de algo assim novamente. A questão é que Hathaway é só metade de um casal e para um romance dessa natureza assim funcionar precisamos que a outra metade esteja a altura e é aí que o filme não se sustenta.

Hayes nunca é construído com a mesma complexidade ou quantidade de camadas que Solene tem, tanto em termos do que o roteiro estabelece a seu respeito quanto na performance de Galitzine, que não consegue fazer muito mais do que posar de galã. Mesmo quando o texto tenta evocar as inseguranças de Hayes com a fama, o ator nunca convence do peso disso para ele (especialmente se comparado à performance de Hathaway). Quando Hayes fala que está compondo e cantando como nunca fez por conta de seu amor por Solene isso soa vazio tanto pela performance do ator quanto pelo fato de que o texto nos diz isso, mas nunca mostra, não vemos esse impacto positivo ou transformação nele, somos apenas informados disso.

Esses elementos acabam reduzindo Hayes a um insosso objeto de desejo. Não ajuda também que enquanto Solene é construída como alguém insegura, traumatizada por relacionamentos fracassadas e se preocupando com o bem estar da filha em meio ao turbilhão de exposição midiática que vivem, Hayes é um sujeito livre de falhas, um cavaleiro em armadura brilhante que existe apenas para resgatar a protagonista do tédio de sua vida.

Todos os conflitos da relação surgem por decisões de Solene, nunca de Hayes, são sempre as inseguranças dela, as demandas emocionais dela, a bagagem afetiva dela que põem em risco o relacionamento. É algo que remete a ideias machistas que são as mulheres que complicam relacionamentos, que mulheres são exigentes, complicadas e fazem drama enquanto homens são simples e, deste modo, apesar de todo o discurso de empoderamento sobre amor não ter idade e Solene não precisar se importar com as pressões sociais de namorar um homem mais jovem, o filme é paradoxalmente conservador em sua dinâmica unilateral do relacionamento.

É curioso, inclusive, que em dado momento Solene diz a filha que Hayes é um homem “feminista” um termo que é jogado a esmo para reforçar a quantidade de predicados positivos e a perfeição de seu pretendente, mas o filme nunca nos mostra efetivamente o que ele tem de tão feminista. Ainda mais quando toda a narrativa apenas reforça a crença de que é possível encontrar um príncipe encantando perfeito que irá resgatar a mulher de sua vida sem graça numa visão simplória e infantilizada de relacionamentos afetivos. Tudo isso faz o filme parecer menos um desenvolvimento sobre a dinâmica de um início de relacionamento e os conflitos (inclusive geracionais nesse caso) que inevitavelmente surgem na aproximação de personalidades distintas e mais como se alguém da Amazon Prime tivesse lido alguma fanfic ruim de wattpad sobre alguém fantasiando em namorar o Harry Styles e achou que isso poderia render um filme.

Anne Hathaway faz tudo que pode para tentar segurar Uma Ideia de Você, mas é prejudicada por um texto superficial e um co-protagonista insosso que nunca está a altura da nuance que a atriz traz à sua personagem.

 

Nota: 4/10


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