quinta-feira, 16 de maio de 2024

Crítica – X-Men 97

 

Análise Crítica – X-Men 97

Review – X-Men 97
Foi uma surpresa o anúncio de que a Marvel iria reviver a animação dos X-Men da década de 90 neste X-Men 97. Mais surpreendente ainda é que a produção não tenha se acomodado a ser uma exploração cínica da nostalgia noventista e tenha realmente feito algo incrível com esses personagens e esse universo. A verdade é que X-Men 97 é muito melhor do que teria qualquer direito de ser e provavelmente é a melhor produção da Marvel Studios desde sua origem.

A série continua de onde a animação original parou, com Xavier sendo levado pelos Shi’ar depois de sofrer uma tentativa de assassinato. Sem seu líder, os X-Men tentam prender Bolivar Trask e os remanescentes do programa dos sentinelas, mas o testamento de Xavier coloca Magneto no comando da equipe e da escola, iniciando novas tensões dentro do grupo.

Poucos produtos da Marvel entenderam tão bem a essência de seus personagens e suas diferentes facetas como essa série faz. A série explora os X-Men como super-heróis, como metáfora social para o preconceito, como personagens de ficção científica e também como protagonistas de um grande melodrama familiar repleto de triângulos amorosos e traições. Tudo isso embalado em um pacote coeso, que nunca soa tonalmente inconsistente a despeito das várias direções nas quais joga seus personagens.

Vemos Ciclope e seu inabalável senso de dever com a equipe e com o sonho de Xavier, um líder astuto que está longe do personagem irrelevante dos filmes da Fox. Vemos a relação de irmãs entre Tempestade e Jean ou as dificuldades de Gambit e Vampira. Talvez o momento que mais sintetiza como essa série entende bem esses personagens e como eles lidam com o mundo seja a cena em que Xavier tenta usar seus poderes para conciliar as múltiplas facções conflitantes dos Shi’ar e então se lembra que ser professor é seu maior poder e literalmente coloca todos em uma sala de aula para calmamente explicar sobre colonização e genocídio.

É isso que define Xavier, não seus poderes. É o seu amor por educar, sua capacidade de argumentar e fazer as pessoas entenderem seu ponto de vista, de inspirar e mostrar como o mundo pode ser melhor, de como nós podemos ser melhores e faz isso por meio do diálogo, da educação. Essa inspiração é sentida em Magneto, já que ao assumir o comando da escola e dos X-Men, Erik se dispõe a fazer as coisas do jeito de Xavier, mostrando o respeito que ele tem pelo amigo e a filosofia que ele defendia. Isso fica evidente no segundo episódio, quando os X-Men são atacados na ONU e Magneto leva os conselheiros para órbita, dando um duro discurso sobre como o mundo faz vista grossa ao ódio aos mutantes.

O idealismo de Xavier e sua disposição ao diálogo mesmo quando tudo parece perdido é testado ao limite no clímax, quando mesmo diante das ações extremas de Magneto e da possibilidade de usar seus poderes para forçar Erik a fazer o que precisa, Xavier ainda assim escolhe dialogar com Magneto para convencê-lo a fazer o que crê ser certo ao invés de força-lo. A cena dele e Magneto conversando em um bar da juventude de ambos enquanto o local é inundado aos poucos ilustra como Magneto parece sempre estar se afogando em seus próprios traumas e a tentativa de Xavier em resgatá-lo disso.

Ciclope por sua vez se mostra um perfeito discípulo de Xavier durante a luta final com o vilão Bastion. Ao ver que o antagonista continua a se levantar e a insistir em lutar, Ciclope tenta argumentar com ele a respeito de como o vilão está errado sobre os mutantes e a humanidade. De como Xavier tentou ajudá-lo e a família de Bastion o ignorou. Como é típico em histórias dos X-Men, porém, o idealismo é confrontado pela realidade que a humanidade tenta destruir o Asteroide M mesmo que isso signifique destruir o planeta em si. “A humanidade prefere morrer ao ter filhos como nós” diz Bastion ao ver os mísseis se aproximando num duro lembrete da extensão que a intolerância leva e da violência brutal que isso representa. 

A trama mostra como o apoio popular a minorias é algo volúvel e no instante que apoiar essas minorias se torna politicamente custoso todos dão as costas a eles. É o que fica visível depois do brutal ataque a Genosha no qual os mutantes são deixados sozinhos para catar seus próprios escombros. O diálogo entre Fera e uma repórter ilustra como aliados de uma causa tentam relativizar a dor e a necessidade de reparação dessas minorias. O arco do brasileiro Roberto, por sua vez, explora a perspectiva dos mutantes como alegoria queer, com ele temendo “sair do armário” como mutante (semelhante ao que acontece com o Bobby Drake em X-Men 2) para sua rica família com medo da reação deles. Um temor que não se mostra injustificado, já que apesar de aceitá-lo, a mãe de Roberto o pede para que se mantenha “no sigilo” para não prejudicar os negócios da família.

Para além da consistente mensagem social, a série também acerta na construção da ação, explorando com habilidade e de maneira criativa a extensão dos poderes dos personagens. Já no primeiro episódio testemunhamos o alcance do poder de Tempestade conforme ela transforma as areias de um deserto em vidro usando relâmpagos e depois usa o vento para criar um redemoinho cortante que destrói todo um enxame de sentinelas. No mesmo episódio vemos Ciclope usar seus feixes ópticos para aparar uma longa queda (o pescoço dele deve ser bem resistente...). Durante o ataque a Genosha testemunhamos o poder de Magneto, que usa um trem inteiro como um chicote ou o alcance da capacidade de energização de Gambit conforme ele destrói um sentinela gigantesco. Os episódios finais testam as habilidades dos personagens ao limite conforme eles enfrentam sentinelas tecno-orgânicos e o meu momento favorito é a luta de Wolverine e Noturno na mansão na qual a câmera nos coloca no ponto de vista de Wolverine para nos fazer sentir como seria ser teletransportado por Noturno.

Claro, a ação impacta não apenas pela escala ou pela inventividade visual que nos faz vibrar com as maneiras que esses personagens usam seus poderes, mas porque há um senso claro do que está em jogo a cada momento, seja a necessidade de manter a humanidade crendo em uma coexistência pacífica, seja na mera luta pela sobrevivência diante de um ódio que parece irrefreável e que traz consigo incontáveis mortes. Mesmo que saibamos que a morte raramente é definitiva para os membros dos X-Men esses momentos não deixam de impactar por representar a resistência desses personagens diante de um ódio que insiste em exterminá-los e como eles continuam a lutar contra isso mesmo que pareça em vão.

Contundente em sua metáfora sobre intolerância, consistente no desenvolvimento de personagem e empolgante na ação X-Men 97 entrega uma das melhores aventuras dos mutantes no audiovisual e estabelece um patamar altíssimo para quando a Marvel resolver levá-los ao MCU.

 

Nota: 10/10


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