terça-feira, 28 de maio de 2024

Crítica – Jardim dos Desejos

 

Análise Crítica – Jardim dos Desejos

Review – Jardim dos Desejos
O roteirista e diretor Paul Schrader costuma explorar cantos sombrios da existência humana em seus filmes. É assim no pavor existencial de Fé Corrompida (2017) ou nos relacionamentos da indústria hollywoodiana em Vale do Pecado (2013). Seu mais novo trabalho, Jardim dos Desejos, não deixa de explorar essas facetas mais soturnas da experiência humana, mas traz também uma ternura que não costuma ser comum no cinema de Schrader.

A trama gira em torno de Narvel (Joel Edgerton), um jardineiro meticuloso que trabalha na propriedade de uma ricaça, Norma (Sigourney Weaver), cuidando do jardim e prestando outros serviços. Quando Norma lhe pede que ele ensine jardinagem a sua problemática sobrinha-neta Maya (Quintessa Swindell) Narvel aceita, mas a presença da jovem negra os problemas com vícios que ela enfrenta fazem Narvel desenterrar um passado que preferia esquecer ao mesmo tempo em que ele se afeiçoa a ela.

Narvel é um ex-neonazista que delatou seu bando depois de se recusar a executar testemunhas negras. Ele ainda carrega consigo as tatuagens de seu passado, talvez como lembrete e alerta para si mesmo, mas usou a jardinagem para se reconstruir. Em suas narrações sobre a natureza da jardinagem ele reflete como cuidar de um jardim é uma busca por harmonia, da necessidade de nutrir a vida para que floresça e de arrancar as ervas daninhas que ameaçam a vida no jardim. As reflexões do personagem refletem também sua própria jornada de vida, de como arrancou as ervas daninhas do ódio plantado em si para se reconstruir, vendo no cuidado com o mundo e com o outro uma maneira de reparar um mundo tomado por ódio e destruição.

O problema é apesar de ouvirmos Narvel falar sobre isso, nunca vemos a transição, então a transformação do personagem fica mais no plano expositivo. Entendemos a conexão dele com a jardinagem e como se dedicar a isso por completo o ajudou a mudar de vida, mas nunca sentimos o devido peso disso porque não temos uma base de comparação. Cabe a Joel Edgerton conseguir dar uma medida do pesar que Narvel carrega consigo através de sua voz e linguagem corporal. Essas informações sobre seu passado, no entanto, servem para contextualizar o interesse dele em Maya e como a vê inicialmente como uma chance de redenção para seu passado. Ajudá-la a lidar com os vícios simboliza para Narvel um meio de exorcizar o próprio passado, embora ele não imaginava sentir a conexão que desenvolve com ela.

Há um afeto genuíno entre os dois e, nesse aspecto o filme desenvolve a relação deles com um senso palpável de ternura com os dois se abrindo afetivamente um para o outro e desejando se cuidarem mutuamente a exemplo dos momentos em que Narvel cuida de Maya durante sua abstinência ou quando vão juntos aos Narcóticos Anônimos. Claro, considerando o passado do protagonista, a relação encontra sua parcela de obstáculos. Quintessa Swindell nos faz sentir a confusão e abjeção que tomam conta de Maya quando ela vê as tatuagens de Narvel pela primeira vez, afinal ver um neonazista demonstrando nela, uma mulher negra, imediatamente a faria imaginar que ele tem intenções sinistras.

É nessa construção da resolução do relacionamento dos dois que o filme derrapa. Eu entendo que a ideia aqui é usar a relação deles para falar sobre o amor superar o ódio, no entanto, o caminho do entendimento entre eles é construído de maneira simplória e até um pouco rápida demais. É diferente, por exemplo, do personagem de Edward Norton em A Outra História Americana (1998), no qual vemos o longo e árduo percurso do personagem e temos a impressão de que mesmo mudando de rumo as coisas horríveis que fez ainda pesarão sobre ele. Aqui Schrader é ingênuo demais no modo como nos apresenta essa redenção de Narvel através do afeto e, com isso, sua ponderação sobre o amor fica carecendo de impacto a despeito da ternura que permeia a narrativa.

 

Nota: 6/10


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