sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Crítica – Mulher-Hulk: Defensora de Heróis

 

Análise Crítica – Mulher-Hulk: Defensora de Heróis

Review – Mulher-Hulk: Defensora de Heróis
A ideia de fazer uma série da Mulher-Hulk estruturada como uma comédia jurídica estilo Ally McBeal parecia promissora e coerente com o humor das histórias da personagem durante a fase comandada por John Byrne, que inseriu características como o fato de Jen falar diretamente ao leitor, e também de arcos mais recentes que colocavam a Mulher-Hulk para explorar a maluquice do lado jurídico do universo Marvel. Em geral Mulher-Hulk: Defensora de Heróis se sai bem em sua proposta de ser uma comédia e apresentar um formato diferente das tramas do MCU, embora o formato escolhido também soe como um grilhão em muitos momentos.

A trama é protagonizada por Jennifer Walters (Tatiana Maslany), advogada e prima de Bruce Banner (Mark Ruffalo). Durante um acidente de carro, Jen se contamina com o sangue de Bruce e acaba se transformando também em uma Hulk. Ao contrário do primo, Jen consegue controlar facilmente a transformação e tenta retornar a sua vida normal. Logicamente a advogada não consegue retornar a esse senso de normalidade, precisando lidar com o cotidiano de sua profissão como advogada e também com as demandas de ter super-poderes, incluindo ser advogada de outros heróis.

Se nas histórias do Hulk o conflito emergia da dualidade entre o lado racional de Banner e o lado animalesco do Hulk, aqui a série encontra novas maneiras de pensar essa dualidade em Jen. O problema não é ela não ter controle sobre a transformação, mas o fato dela sentir que Jen se torna irrelevante ao lado da Mulher-Hulk, como se a única coisa interessante sobre ela se reduzisse aos seus poderes. Ao mesmo tempo, Jen claramente aprecia suas novas habilidades e a sensação de poder que vem com elas, por mais que relute em se assumir completamente como super-heroína. É da dificuldade em aceitar convergir essas múltiplas facetas que vem o conflito interno de Jen.

Nesse sentido, Tatiana Maslany é excelente em construir as inseguranças e frustrações de Jen, bem como explorar o lado mais cômico da personagem e o modo como ela quebra a quarta parede ou comenta metalinguisticamente sobre os clichês de filmes de heróis. A jornada de Jen inevitavelmente a confronta com o machismo presente na sociedade e sua transformação em Hulk serve como uma metáfora para o modo como homens se sentem incomodados por mulheres em posição de poder, bem como as maneiras pelas quais a sociedade imediatamente trata uma mulher como descontrolada, mesmo diante de motivos compreensíveis para sentir raiva.

Não é a toa que o principal grupo de antagonismo não são supervilões como Titânia (Jameela Jamil) ou Abominável (Tim Roth), mas um grupo de haters online que expõem a intimidade de Jen e a julgam meramente por ser mulher. O arco não apenas lança luz sobre o machismo como também da própria conduta tóxica das comunidades de fãs de heróis, que esperneiam, dão chilique e atacam virulentamente pessoas online quando as coisas não são do jeito que querem.

É incontornável, no entanto, falar sobre os problemas da computação gráfica que criam a Mulher-Hulk, que de fato soa artificial. Creio que o problema é menos uma questão de orçamento e mais no método usado. Ao invés de simplesmente fazer a captura de movimento do corpo ou do rosto de Maslany como fazem com o Hulk de Mark Ruffalo, a série também conta com uma dublê de corpo pintada de verde que é usada como referência para as dimensões da Mulher-Hullk. O resultado final acaba sendo uma mescla do corpo dessa dublê com a performance e o rosto de Tatiana Maslany o que faz parecer que o rosto de Jen está dissociado do resto do corpo, algo que aconteceu com o Gênio vivido por Will Smith em Aladdin (2019), que usou um método similar.

Ainda assim, os problemas de efeitos visuais não são suficientes para inviabilizar a experiência, já que a série é ótima em expandir o universo Marvel e nos fazer entender como a inserção de supersoldados, magia e poderes afeta o cotidiano das pessoas e também gera necessidades de novos dispositivos jurídicos. A estrutura de “casos da semana” contribui para que a cada novo episódio exploremos essas consequências, como um show de mágica que usa magia de verdade sendo processado por Wong (Benedict Wong), o ser imortal que é processo pelos múltiplos cônjuges ou o embate jurídico entre Jen e Matt Murdock (Charlie Cox, mais uma vez retornando como o Demolidor). Sinceramente espero ver uma adaptação da história em que o Homem Aranha processa o Clarim Diário por difamação apenas para se ferrar no final quando Peter Parker (como o fotógrafo do jornal) também é condenado a pagar indenização.

Por outro lado, o formato curto dos episódios muitas vezes significa que algumas tramas terminam abruptamente ou de maneiras muito anticlimáticas, não dando o devido tempo para que certos conflitos se desenvolvam. Um exemplo é a luta entre Jen e Titânia durante um casamento, que se encerra quando a vilã escorrega e quebra os dentes. De um lado aprecio a reversão cômica da quebra de expectativas e entendo o raciocínio por trás da escolha, por outro parece que alguns elementos da série nunca tem o espaço devido. Titânia, por exemplo, nunca tem uma motivação específica para sua rivalidade com Jen e simplesmente aparece sempre que o roteiro tem necessidade dela. É curioso como streamings ainda parecem presos a uma lógica televisiva, com episódios sempre com a mesma duração sendo que aqui não há uma grade de programação a ser preenchida ou que pode ser prejudicada caso um episódio se estenda mais do que deveria. Não há, portanto, nenhum motivo para se manter preso ao formato de duração dos episódios quando há situações que claramente requerem mais tempo.

O melhor exemplo disso é o final da temporada, que segue a tradição das séries da Marvel no Disney+ de ter que encerrar múltiplas tramas em um tempo curto e acaba se atropelando no processo. O episódio tem muitas ideias excelentes, principalmente em seu surto metaliguístico que atinge níveis de absurdo que nem mesmo os dois filmes do Deadpool ousaram tentar. O desfecho não apenas faz piada com a toxicidade das comunidades de fãs, como também dos clichês de filmes da Marvel e de críticas que tem se tornado cada vez mais comuns de padrões que se repetem, da natureza pudica das relações afetivas entre personagens ou da mão de ferro com a qual Kevin Feige (aqui transformado em uma inteligência artificial) conduz todo o universo Marvel.

É um divertidíssimo deboche em cima dos elementos típicos desse tipo de história, desconstruindo-os com competência. A questão é que por mais que todo esse deboche funcione, os curtos trinta minutos não deixam espaço para explorarmos as consequências de como ser exposta nas redes afeta Jen ou no modo como ela supera isso ao final, já que tudo é amarrado muito rápido sem deixar os eventos terem suas devidas repercussões.

Assim, Mulher-Hulk: Defensora de Heróis entrega a comédia jurídica que se propôs a fazer, trazendo outros olhares para o universo Marvel e apresentando uma ótima protagonista por conta de Tatiana Maslany, mas é muitas vezes prejudicado pelo próprio formato.

 

Nota: 7/10


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