quarta-feira, 31 de março de 2021

Crítica – Druk: Mais Uma Rodada

 Análise Crítica – Druk: Mais Uma Rodada


Review – Druk: Mais Uma Rodada
Por mais que o consumo de álcool seja algo natural em nossa sociedade, ainda há uma dimensão de julgamento moral associada a ele, principalmente quando falamos em um consumo com alguma regularidade ou quando vemos alguém beber além da conta em alguma ocasião. Dirigido por Thomas Vinterberg este Druk: Mais Uma Rodada pondera sobre nossa relação complicada com essa substância.

A trama é protagonizada por Martin (Madds Mikkelsen), um professor de história que vê sua carreira e seu casamento estagnarem e sente viver em uma bolha de apatia. Um dia, em um jantar com outros colegas professores colegiais, Martin ouve falar de uma proposição de um filósofo de que seria possível melhorar a vida pessoal e profissional mantendo constantemente um pequeno percentual de álcool no sangue. Assim, Martin e seus colegas de trabalho decidem fazer um experimento de tentar manter essa pequena quantidade de álcool para verificar se isso produz algum resultado.

De início a trama discute como tratamos o álcool como tabu, mas, ao mesmo tempo, idolatramos os feitos de pessoas que eram notórios consumidores de álcool como Churchill (que aqui é exibido sob um prisma puramente positivo, sem mencionar sua violência colonial) ou Hemingway. A pequena dose de álcool consumida pelos personagens vai alterando seu cotidiano, deixando-os mais criativos, mais soltos melhorando a atividade profissional e socialização deles.

terça-feira, 30 de março de 2021

Crítica – Bad Trip

De cara este Bad Trip parece basicamente uma reciclagem da trama de Debi & Loide (1994), mas em sua estrutura ele se faz em cima de cenas nas quais os personagens interagem com populares na rua que não estão cientes de estarem participando de uma encenação. Assim, boa parte do filme soa como uma coleção de pegadinhas a la Jackass com os protagonistas colocando anônimos em situações absurdas.

A premissa é bem básica, Chris (Eric André) e Bud (Lil Rel Howery) são dois amigos de infância que moram em uma cidadezinha da Flórida, vivendo de bicos e subempregos. Quando Chris fica sabendo que Maria (Michaela Conlin), de quem gosta desde os tempos de escola, vai se mudar para Nova Iorque ele convence Bud a ir numa viagem de carro para a grande cidade. A questão é que Chris pede a Bud para usar o carro de Trina (Tiffany Haddish), irmã de Bud e uma criminosa violenta que está na prisão. Ao longo da viagem, Trina foge da prisão e resolve ir atrás dos dois.

É um fiapo de roteiro que serve apenas para justificar ações alopradas de seus personagens, que funcionam por conta da entrega ao absurdo e cara de pau de André, Howery e Raddish em se manterem no personagem enquanto reagem com populares incrédulos. Ao contrário de programas de pegadinhas como o já citado Jackass, esses populares pegos no meio das cenas raramente servem de vítimas ou objetos de humilhação para os protagonistas, funcionando mais como cúmplices de cena, reagindo aos atores e dando a eles mais combustível para que eles construam seu humor físico e nonsense.

A questão é que, na prática, essas interações com os populares são muitas vezes reduzidas a olhares curiosos e/ou constrangidos desses indivíduos, um expediente que fica rapidamente cansativo. Ocasionalmente, o filme encontra boas interações como na cena em que Chris e Bud batem o carro, no momento em que Chris cai de cima de um bar ou durante o confronto final com Trina nas quais vemos os populares tentando ajudar de alguma maneira. Considerando os tempos em que vivemos, chega a ser reconfortante ver que existem pessoas dispostas a ajudar completos estranhos em situações doidas no meio da rua.

Por outro lado, boa parte cenas são completamente inconsequentes para a trama e considerando que o filme tem oitenta e cinco minutos, não sobra muito material para sustentar a jornada dos personagens. Se eles apenas queriam experimentar fazer comédia com pessoas aleatórias na rua, teria sido melhor criar um programa de esquetes do que um filme narrativo. Essas cenas também incomodam pelo excesso de edição no qual fica evidente que cada interação num mesmo espaço aconteceu em momentos e/ou dias diferentes, como se o filme estivesse esperando que alguém reagisse da maneira desejada para enfim construir a cena.

Os recursos de montagem tiram a espontaneidade e fazem muitos segmentos soarem forçados, um sentimento ampliado durante os créditos do filme quando vemos que várias cenas, a exemplo do despertar de Chris, foram filmadas com inúmeras “vítimas”, deixando claro que é menos um exercício de improviso e mais em provocar os anônimos até obterem o efeito desejado. Aliás, a própria ideia de que o uso de não-atores produziria algo mais genuíno ou mais real é, em si, problemática, já que viver uma situação e performar para a câmera são duas coisas muito distintas (que o diga Clint Eastwood e seu insosso 15h17: Trem Para Paris). Se isso fosse verdade todo mundo usaria não profissionais e não haveria necessidade para atores treinados. O fato de Bad Trip ter que constantemente recorrer a truques de montagem para tentar fazer render essas interações mostra que essa espontaneidade não vem assim fácil.

Apesar de alguns lampejos de humor e emoção genuínas, Bad Trip tem dificuldade de conciliar sua trama com as “pegadinhas” envolvendo pessoas reais, com situações que soam forçadas em muitos momentos.

 

Nota: 4/10


Trailer

segunda-feira, 29 de março de 2021

Crítica – Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela

 Análise Crítica – Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela


Review Crítica – Framing Britney Spears: A Vida de Uma Estrela
Produzido pelo jornal New York Times, o documentário Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela chamou atenção por revelar a situação jurídica da cantora pop Britney Spears, que desde 2008 vive sob tutela jurídica do pai, como se fosse alguém completamente incapaz de cuidar de si mesma.

O que é apresentado aqui é um competente trabalho de pesquisa que examina a trajetória profissional de Britney desde quando ela começou no mundo do entretenimento ainda muito jovem até os dias atuais quando ela luta para reverter a situação da tutela jurídica. Em termos de forma é um documentário bem simples, se baseando no padrão de entrevistas e imagens de arquivo, privilegiando mais a transmissão de informações e a construção da retórica de convencimento acerca da questão problemática que é a tutela de Spears.

Mais do que a questão da tutela, o documentário pondera sobre o papel da mídia na trajetória da cantora, especialmente no modo como ela foi, desde muito nova, constantemente cobrada, vigiada e pressionada pelos veículos de imprensa do mundo todo, algo que não deve ser saudável. A natureza predatória dos paparazzi fica evidente na entrevista com o fotógrafo que registrou o ataque de Britney com um guarda chuva. Os vídeos feitos por ele evidenciam que a cantora claramente não estava bem e o tempo todo ouvimos ela ou as pessoas que estavam com ela pedindo para pararem de filmar, mas ainda assim o paparazzo a seguiu de carro por horas e na entrevista para o documentário ainda diz que não fez nada de errado, deixando claro que esse modo de cobrir celebridades não tem nenhuma preocupação em estabelecer uma boa relação com a fonte, com o consentimento de imagem ou com princípios éticos.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Crítica – Mank

 Análise Crítica – Mank


Review – Mank
Dentro da crítica e da cinefilia há toda uma corrente de debate que argumenta que boa parte dos méritos de Cidadão Kane (1941) residiam no roteiro escrito por Herman Mankiewicz. Este Mank, dirigido por David Fincher parece tomar essa posição ao acompanhar Mank enquanto escreve o roteiro para Orson Welles.

A trama mostra Herman “Mank” Mankiewicz (Gary Oldman) acamado depois de um acidente de carro. Com problemas financeiros e de saúde que vinham desde antes do acidente e com a reputação prejudicada entre os executivos de grandes estúdios por conta de seu alcoolismo, vício em apostas e constantes críticas às hipocrisias dos magnatas da mídia, Mank aceita escrever um roteiro para o então incipiente diretor Orson Welles (Tom Burke), uma história inspirada na trajetória de William Randolph Hearst (Charles Dance).

A narrativa vai e volta no tempo entre o Mank do presente tentando finalizar seu roteiro e o passado do roteirista, mostrando sua relação complicada com o produtor Louis B. Mayer (Arliss Howard), chefão da MGM, com o ricaço Hearst e com Marion (Amanda Seyfred), a jovem esposa de Hearst. Os flashbacks mostram a relação complicada de Mank com os figurões de Hollywood e da mídia por conta de sua vida de excessos e posições políticas. Enquanto a Hollywood da década de 1930 adotava uma postura de não criticar a Alemanha nazista por medo de perder arrecadação por lá, Mank já denunciava os perigos que os nazistas representavam.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Crítica – O Som do Silêncio

 

Análise Crítica – O Som do Silêncio

Review – O Som do Silêncio
Lidando com um personagem que passa por transformações radicais em sua vida, O Som do Silêncio não trata apenas da perda de audição, mas de como aceitar as inevitáveis mudanças que a vida nos impõe e entender que certas coisas não podem ser restauradas como eram. São temas delicados, principalmente em relação à comunidade surda, que muitos filmes as vezes derrapam no excesso de romantização da condição desses personagens.

Ruben (Riz Ahmed) é um baterista de heavy metal que começa a perder a audição. Ele tem uma banda junto com a namorada, Lou (Olivia Cooke), e logicamente se preocupa em como seu problema inviabilizará seu modo de vida. Ruben pensa na possibilidade de conseguir retomar a vida com um implante coclear, no entanto, o custo alto o impede de conseguir a cirurgia. Sem alternativas, ele vai morar em uma comunidade de surdos para aprender a lidar com a nova condição e aceitar que não há nada de errado com ele.

A jornada do protagonista é quase uma jornada de luto, passando por estágios como negação, raiva, barganha ou aceitação. De certa forma faz sentido, já que Ruben experimenta uma perda que praticamente torna impossível que ele siga com o mesmo modo de vida e precisa de tempo para se adequar à sua nova realidade. Nesse sentido, Riz Ahmed é ótimo em nos apresentar o desespero e desamparo de Ruben conforme ele percebe que está em um caminho sem volta.

quarta-feira, 24 de março de 2021

Crítica – Era Uma Vez um Sonho

 

Análise Crítica – Era Uma Vez um Sonho

Review – Era Uma Vez um Sonho
Dirigido por Ron Howard, este Era Uma Vez um Sonho é um daqueles filmes que parece feito sob medida para premiações. Traz um diretor de renome e um elenco de peso para contar um drama baseado em fatos reais sobre superação. Em tese teria tudo que as premiações adoram e não tinha como dar errado, mas, na prática, muito pouco funciona no filme

A trama é focada em J.D (Gabriel Basso) um jovem estudante de direito que volta para sua cidade natal depois de saber que sua mãe, Bev (Amy Adams), teve uma overdose. Lá, ele começa a rememorar sobre a juventude, as dificuldades passadas com a família e a difícil relação que tinha com a mãe e com a avó (Glenn Close).

A narrativa vai e volta no tempo, intercalando o presente de J.D lidando com a overdose mãe com diferentes momentos do passado em que ele rememora a infância morando com a mãe e posteriormente com a avó. Não há muita razão para boa parte dessas idas e vindas que trabalham mais para dar um caráter fragmentado e episódico do que para efetivamente costurar essas diferentes experiências. O filme poderia começar com J.D indo para casa e depois voltando ao passado, contando tudo cronologicamente em ordem a partir daí que não faria muita diferença.

terça-feira, 23 de março de 2021

Crítica – Por Trás da Inocência

 

Análise Crítica – Por Trás da Inocência

Review – Por Trás da Inocência
Não esperava grande coisa deste Por Trás da Inocência, produção original da Netflix. O trailer tinha toda cara de um thriller erótico de quinta categoria, mas ainda assim minha curiosidade mórbida levou a melhor e fui conferir o filme. Minhas expectativas eram extremamente baixas e surpreendentemente ele conseguiu ser ainda pior do que eu imaginava.

A trama é centrada em Mary (Kristin Davis), uma escritora de romances de suspense que há anos não produz nada de novo por conta de um bloqueio criativo. Um dia ela é procurada pelos seus editores que oferecem um largo adiantamento para que ela produza um novo livro para sua mais famosa série. Em problemas financeiros por conta de apostas financeiras ruins do marido, Tom (Dermot Mulroney), ela acaba aceitando e mergulha no universo sombrio de suas personagens. Ao mesmo tempo, a família contrata uma nova babá em Grace (Greer Gramer) e Mary começa a sentir uma estranha atração pela jovem, mas talvez tudo seja apenas imaginação da escritora, muito imersa nas tramas sombrias de seus livros.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Crítica – Cabras da Peste

 

Análise  Crítica – Cabras da Peste

Review  – Cabras da Peste
Um policial precisa ir até uma grande metrópole para caçar um criminoso de sua cidade natal e causa o caos por lá. Essa era a trama de Um Tira da Pesada (1984) e é também a premissa central deste Cabras da Peste, que também parodia “filmes de parceiros” como Máquina Mortífera (1987) ou Os Bad Boys (1995).

Bruceuilis (Edimilson Filho) é um policial de uma pequena e pacata cidade no interior do Ceará. Quando uma cabra é levada por um caminhão transportando rapadura batizada com drogas, Bruceuilis segue o criminoso até São Paulo para recuperar o animal. Lá ele encontra o apoio de Trindade (Matheus Nachtergaele), um policial paulista sem respeito dos colegas por querer fazer apenas trabalho burocrático.

É o típico arranjo da dupla de personalidades opostas, um de temperamento explosivo e afeito a ação e outro mais retraído, como em Máquina Mortífera. Aqui a narrativa é autoconsciente dos clichês que evoca e constantemente faz piada com isso, a exemplo da perseguição inicial envolvendo Bruceuilis e um sujeito que aparentemente roubou um ventilador, uma correria que acaba com barris convenientemente posicionados explodindo atrás do protagonista.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Crítica – A Festa de Formatura

 Análise Crítica – A Festa de Formatura


O musical A Festa de Formatura narra a história de Emma (Jo Ellen Pellman), uma adolescente lésbica cuja associação de pais da escola em que ela estuda se recusa a fazer uma festa de formatura na qual ela possa ir com a namorada. Ao saberem da notícia, um grupo de fracassadas estrelas da Broadway decide partir a pequena cidadezinha na qual Emma vive para protestar contra a homofobia do caso e, além disso, se promoverem para retomarem as carreiras.

Tinha tudo para ser um musical vibrante e divertido com uma mensagem positiva de enfrentamento dos preconceitos. De certa forma, até é isso, mas também é demasiadamente arrastado, se alongando por desnecessárias duas horas e quinze com várias subtramas que apenas repetem as mesmas ideias do conflito principal envolvendo Emma. Lá pela marca de uma hora, quando a presidente da associação de pais, Sra. Greene (Kerry Washington), trapaceia na realização da formatura e deixa Emma sozinha na festa, imaginamos que o filme caminha para o seu clímax, com as estrelas da Broadway encabeçadas por Dee Dee Allen (Meryl Streep) organizando uma nova festa ou denunciando a Sra. Greene. Só que não, ainda há mais de uma hora de filme em que a trama se arrasta para chegar a esse ponto.

Boa parte dos problemas vem da necessidade da trama em dar a cada personagem uma subtrama só sua, sendo que muitas dessas histórias soam redundantes. A narrativa do ator Barry (James Corden) narrando como foi expulso de casa pela mãe por ser gay toca nas mesmas questões de homofobia da trama principal, por exemplo. Imagino que todas essas narrativas secundárias já estivessem presentes no musical teatral que deu origem ao filme, a questão é que nem tudo que funciona em um meio, funciona em outro.

O discurso contra a homofobia por vezes peca pelo excesso de didatismo, muitas vezes soando como uma videoaula na qual essas ideias são explicadas com pouca organicidade. Claro, em muitos momentos o filme lida bem com isso, em especial no conflito do relacionamento de Emma com a namorada, Shelby (Sofia Daler), que teme em sair do armário para a mãe. Há também a questão das variações bruscas de tom, com a narrativa muitas vezes saindo de uma cena envolvendo um drama sério sobre preconceito para um número musical alegre e exuberante, com essas transações por vezes soando abruptas.

O ponto alto, logicamente, são os números musicais. Repletos de cor, energia e exuberância, as canções retratam os sonhos românticos de Emma ou os desejos de grandeza dos astros da Broadway. As canções também trazem uma boa dose de humor, reconhecendo que o núcleo da Broadway está agindo mais por ego do que por crença, com Meryl Streep e Nicole Kidman vendendo muito bem a falta de noção e desespero por holofotes dessas personagens.

Eu queria ter gostado mais de A Festa de Formatura por causa de suas canções divertidas e elenco carismático, mas seu ritmo arrastado e excesso de subtramas atrapalham a experiência.

 

Nota: 6/10


Trailer

quinta-feira, 18 de março de 2021

Drops – A Sentinela

 

Análise Crítica – A Sentinela

Review – A Sentinela
A produção francesa A Sentinela parece não ser capaz de decidir que história quer contar. De início parece um filme que visa discutir as consequências da guerra contra o terrorismo e as sequelas disso nas tropas. Logo depois vira um filme de vingança com cara das produções estreladas por Stallone ou Schwarzenegger na década de oitenta.

Na trama, a soldado Klara (Olga Kurylenko) volta para a França depois de uma missão de combate ao terrorismo no exterior dar errado. Afetada por estresse pós-traumático, a soldado tenta reconstruir a vida. Tudo muda quando a irmã de Klara é estuprada e espancada por um rico estrangeiro com imunidade diplomática. Quando as autoridades não podem tocar no estuprador de sua irmã, Klara decide fazer justiça com as próprias mãos.

Apesar de tocar em temas sérios, como as marcas da guerra que ficam nos soldados ou violência contra a mulher, o filme não tem nada a dizer sobre nada disso. Toda questão do trauma da protagonista é basicamente irrelevante para a trama, já que ela poderia ser simplesmente uma soldado competente que não mudaria coisa alguma. Do mesmo modo, o estupro da irmã dele serve apenas de motivador para a ação e poderia ser substituído por qualquer outro crime, como assassinato, espancamento ou atropelamento que não faria qualquer diferença, é meramente um dispositivo de roteiro para servir de gatilho para a história.

quarta-feira, 17 de março de 2021

Crítica - O Recepcionista

Análise Crítica - O Recepcionista

Review - O Recepcionista
O filme Janela Indiscreta (1954) segue na memória do cinema pela excelente condução do suspense por parte de Alfred Hitchcock e pelo modo como sua narrativa servia para pensarmos o voyeurismo do próprio ato de ser um espectador de cinema. Este O Recepcionista também toca no tema do voyeurismo, mas não tem muito a pensar sobre esse tópico, tampouco consegue criar um suspense minimamente envolvente.

Na trama, Bart (Tye Sheridan) é um jovem com Síndrome de Asperger que trabalha como recepcionista noturno em um hotel e tem o hábito de filmar as pessoas com quem interage para tentar aprender a socializar melhor. Bart não filma apenas quem conversa diretamente com ele, mas também coloca câmeras em alguns quartos do hotel em que trabalha. Quando uma mulher é assassinada diante das câmeras de Bart, isso o coloca em uma corrida contra o tempo para evitar que a polícia desconfie dele, em especial o detetive Espada (John Leguizamo), e para descobrir a identidade do real culpado.

Sherdian pesa a mão dos trejeitos e nas inflexões vocais de Bart, muitas vezes pendendo para uma composição histriônica e exagerada. Não ajuda que o texto não dê nenhuma nuance ao personagem, reduzindo-o ao seu transtorno, o que soa anacrônico e um retrocesso na representação de personagens no espectro do autismo, principalmente quando tivemos retratos mais complexos de personagens dessa natureza como a Benê (Daphne Bozaski) de Malhação Viva a Diferença e As Five.

terça-feira, 16 de março de 2021

Crítica – Dia do Sim

 

Análise Crítica – Dia do Sim

Review – Dia do Sim
Quando vi os trailers deste Dia do Sim me pareceu que seria basicamente uma versão infantil de Sim, Senhor (2008) e, bem, é exatamente isso. Tem as mesmas mensagens sobre se abrir a novas experiências, sair da zona de conforto ao mesmo tempo em que lembra que é possível (e necessário) dizer não em certos momentos. Mesmo com toda a sensação de conteúdo reciclado, esperava que fosse ao menos divertido. A questão é que enquanto o filme estrelado por Jim Carrey conseguia trazer situações absurdas e alguma ponderação dotada de emoção genuína sobre como nos fechamos para a vida ao nosso redor, Dia do Sim não consegue fazer nenhuma dessas coisas.

Na trama, o casal Allison (Jennifer Garner) e Carlos (Edgar Ramirez) está em um relacionamento estagnado e com problemas com os três filhos que os acham muito controladores e repressores, principalmente Allison. Quando a escola chama a atenção do casal pelo modo como lidam com os filhos, os protagonistas decidem tentar um “dia do sim”, um dia em que dizem sim para tudo que os filhos pedirem.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Crítica – A Arte de Ser Adulto

Análise Crítica – A Arte de Ser Adulto

Review – A Arte de Ser Adulto
Dirigido por Judd Apatow, este A Arte de Ser Adulto tem muitos dos mesmos problemas recorrentes nos filmes do diretor, protagonistas masculinos emocionalmente imaturos sob um prisma romantizado, se alonga mais do que deveria, uma clara divisão entre uma primeira parte mais focada em comédia e uma segunda parte mais voltada para o drama. Não significa que seja desprovido de qualidades, mas, ao mesmo tempo, mostra o quanto os mecanismos do diretor já estão cansando. Eu sequer sabia que era dirigido por Apatow quando comecei a assistir e durante a projeção achei que tinha muito a “cara” do realizador. Resolvi conferir os créditos e vi que de fato era Apatow dirigindo.

A trama, escrita pelo comediante Pete Davidson, tem um cunho semiautobiográfico. O protagonista, Scott (Pete Davidson), é um jovem de 24 anos que não terminou a escola, vive com a mãe, Margie (Marisa Tomei), e lida com problemas de ansiedade e depressão desde muito cedo quando perdeu o pai, um bombeiro que faleceu em serviço. Quando a irmã mais nova de Scott, Claire (Maude Apatow), sai de casa para ir para a faculdade e Margie arruma um novo namorado, Ray (Bill Burr), que também é bombeiro, Scott é confrontado sua imaturidade e forçado a revisitar traumas passados. Assim como o protagonista, Davidson também cresceu em Staten Island e também perdeu o pai, um bombeiro que faleceu durante o resgate de vítimas do 11 de setembro, quando ainda era criança.

Conheçam os indicados ao Oscar 2021

 

Indicados ao Oscar

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anunciou nesta segunda-feira (15) os indicados ao Oscar 2021. Dirigido por David Fincher, Mank recebeu o maior número de indicações, com 11 menções, o que foi uma relativa surpresa considerando a passagem discreta por outras premiações.

Considerando o contexto da pandemia do COVID-19 e que muitos países estão com salas de cinema fechadas ou funcionando de modo limitado, o que não foi surpreendente foi o lugar ocupado por serviços de streaming. A Netflix foi a produtora com o maior número de indicações esse ano e a Amazon Prime ficou em segundo lugar. Um fato curioso entre os indicados é Glenn Close ter sido simultaneamente indicada ao Oscar e ao Framboesa de Ouro (ou seja, como melhor e pior atriz coadjuvante respectivamente) pelo seu trabalho em Era uma Vez um Sonho.

A 93ª premiação do Oscar deve acontecer no dia 25 de abril, mas seu formato ainda não foi divulgado. Imagina-se que adaptações serão necessárias por conta da pandemia. Confiram abaixo a lista completa de indicados.

 

sexta-feira, 12 de março de 2021

Crítica – Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta

 


De início este Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta parece uma comédia adolescente colegial cheia de mensagens positivas, girl power e autoafirmação, mas uma guinada brusca no terceiro ato dá um peso e uma seriedade inesperada que a trama não consegue lidar.

A narrativa é protagonizada por Vivian (Hadley Robinson), que cansa dos padrões machistas de sua escola, do bullying constante por conta dos garotos populares e da falta de ação da diretora Shelly (Marcia Gay Harden) e decide mobilizar as garotas do colégio. Para tanto, ela cria uma revista chamada Moxie que distribui anonimamente pela escola e, com isso, as coisas começam a mudar.

É um filme cheio de boas intenções para falar da importância da mobilização feminina e quanto as mulheres podem crescer se ficarem unidas e agirem junto. A questão é que a condução desses elementos acontece de maneira um tanto ingênua, com as garotas da escola rapidamente aderindo à revista de Vivian sem qualquer oposição além dos já citados garotos populares.

Tudo se resolve muito rapidamente, bastam algumas palavras de ordem e todos se dobram às garotas, sejam colegas, professores ou outras instâncias. Eu sei que filmes ou a arte como um todo não precisam necessariamente falar sobre como o mundo é, que podem contar histórias sobre como queriam que o mundo fosse, mas mesmo sob este viés, é difícil crer que, no mundo de hoje, as falas da protagonista e suas amigas não encontrariam oposição ou resistência.

Ocasionalmente o filme até põe em questão as facilidades que Vivian encontra em sua jornada ao mostrar as consequências das ações dela sobre Claudia (Lauren Tsai), melhor amiga de Vivian, que acaba sendo responsabilizada pela revista. Filha de imigrantes, Claudia conta a Vivian as dificuldades que ela e a família passam, chamando a atenção de como o feminismo sem consciência de classe social, etnia ou outras variáveis interseccionais pode continuar propagando as mesmas desigualdades. Como tudo mais no filme, passa por esses temas de maneira superficial, mas é um ponto importante de ser abordado.

Até então era possível deixar passar as palavras de ordem e resoluções fáceis por entender ser um feel good movie feito para funcionar como um passatempo para o público se sentir bem e inspirado. O problema maior vem nos últimos vinte minutos da narrativa quando a trama insere um problema sério demais para ser tratado de maneira tão leviana.

Nos seus últimos momentos o filme traz uma acusação de estupro contra o garoto popular que praticava bullying constantemente. É uma questão séria, que destoa do tom leve do restante do filme. Tratar esse tema com o devido cuidado por si só já traria uma mudança brusca no tom do filme, fazer isso nos cerca de quinze minutos entre o surgimento da acusação e o desfecho da trama é quase irresponsável. Isso porque, como todo resto da narrativa, bastam algumas palavras de ordem e frases motivacionais para que tudo se resolva e tudo fique bem, quando no mundo real as coisas são muito mais complexas.

Dificilmente uma acusação dessa natureza, principalmente contra um garoto popular e de classe alta, se resolveriam com tanta facilidade. A garota que denunciou provavelmente enfrentaria ataques pessoais e mesmo sendo muito otimista que isso não acontecesse, dificilmente seu trauma se resolveria com meia dúzia de frases clichê de autoajuda. Do modo como aparece no filme o estupro é usado de maneira sensacionalista e irresponsável apenas para gerar um choque e depois passar por cima de todas as repercussões e complexidades que um tema desses geraria. Dá para perceber que o filme tinha boas intenções, mas nem sempre boas intenções se concretizam e aqui elas prestam um desserviço que banaliza o modo como lidamos com abuso.

Perdido entre ser uma comédia adolescente leve ou filme sério sobre abuso, Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta é um exemplo que de que boas intenções não são suficiente para sustentar uma narrativa problemática.

 

Nota: 5/10


Trailer


Conheçam os indicados ao Framboesa de Ouro 2021

 

indicados ao Framboesa de Ouro 2021

O Framboesa de Ouro, premiação que “homenageia” os piores filmes do ano divulgou nesta sexta-feira (12/03) os seus indicados. 365 Dias e Dolittle lideram com seis indicações cada. Entre as omissões está The Last Days of American Crime, que foi massacrado no lançamento, mas não recebeu nenhuma indicação, e A Última Coisa que Ele Queria, que ficou em primeiro lugar em nossa lista de piores filmes do ano passado, mas aqui recebeu apenas uma indicação. O anúncio dos vencedores deve acontecer on-line no dia 24 de abril, até lá confiram abaixo a lista completa de indicados e contem para nós qual filme tem a torcida de vocês.

 

quinta-feira, 11 de março de 2021

Crítica - Duas Tias Loucas de Férias

 Análise Crítica - Duas Tias Loucas de Férias


Review - Duas Tias Loucas de Férias
Escrito e estrelado por Annie Mumolo e Kristen Wiig (que juntas também escreveram Missão Madrinha de Casamento) este Duas Tias Loucas de Férias é uma comédia tão absurda e sem noção que me pergunto como as duas roteiristas conseguiram pensar em tantas coisas sem sentido e conseguiram mesclar tudo em um filme minimamente coeso dentro do universo quase que cartunesco que tenta criar. Digo isso porque penso é necessário muita fabulação e inteligência para criar personagens tão estúpidos e ainda assim nos fazer minimamente nos importar com eles.

A trama acompanha as amigas Barb (Annie Mumolo) e Star (Kristen Wiig), duas mulheres de meia idade que ficam sem rumo depois que a loja de móveis em que trabalham acaba fechando. Elas decidem se reinventar viajando para uma pequena cidade na Flórida chamada Vista Del Mar, supostamente um paraíso para pessoas de meia idade. Lá elas conhecem o bonitão Edgar (Jamie Dornan) e se envolvem com ele romanticamente. O que elas não sabem é que Edgar é um perigoso espião trabalhando para a supervilã Sarah Gordon Fisherman (também Kristen Wiig) que deseja matar todos em Vista Del Mar usando um dispositivo que controla mosquitos assassinos.

quarta-feira, 10 de março de 2021

Crítica – Raya e o Último Dragão

 

Análise Crítica – Raya e o Último Dragão

Review – Raya e o Último Dragão
Em termos de premissa, a jornada de uma garota para encontrar a última esperança de salvar um mundo à beira da destruição por forças malignas não é exatamente novidade, nem mesmo a ideia da necessidade de união diante de um grande mal. Estamos, no entanto, vivendo tempos tão polarizados, com tanta divisão e falta de diálogo que é difícil não perceber o quanto a animação Raya e o Último Dragão é relevante para os tempos em que estamos vivendo.

Na trama, a jovem Raya (voz de Kelly Marie Tran) percorre seu reino na esperança de conseguir invocar Sisu (voz de Awkwafina) a última dos dragões e a aparentemente a única capaz de deter o avanço dos Druun, uma praga mística que transforma em pedra todos os seres vivos que toca. Sisu já tinha contindo os Druun séculos atrás quando concentrou a magia dos dragões em uma joia mágica, mas a gema se partiu quando as múltiplas nações do reino lutaram por sua posse.

O coração da trama, portanto, é a ideia de união. O avanço dos Druun não se dá por conta de um vilão específico e sim pela incapacidade humana de cooperar. As nações se dividem porque não conseguem dialogar e se mantem divididas porque todos estão presos a rancores de séculos atrás e são incapazes de dar um voto de confiança para o outro. A divisão, portanto, enfraquece um mundo da trama. O arco de Raya vai se o de superar o trauma do passado quando foi traída por alguém que julgava ser sua amiga e aprender que as outras nações não são o que ela pensava ser.

terça-feira, 9 de março de 2021

Crítica – Um Príncipe em Nova York 2

 


Perdi as contas de quantas vezes vi Um Príncipe em Nova York (1988) na Sessão da Tarde e em VHS. Era uma comédia romântica bem tradicional em termos de trama (o cara rico que finge ser pobre é usado por Hollywood desde a década de 1930), mas tinha um diretor e um protagonista no auge de suas respectivas formas, conduzindo tudo com um carisma e um afeto que é difícil não se deixar conquistar pelo filme. É o tipo de clássico que não dá para repetir, então me aproximei deste Um Príncipe em Nova York 2 com certa cautela. O resultado é logicamente inferior ao original, mas não chega a ser intragável.

Na trama, Akeem (Eddie Murphy) se torna rei de Zamunda depois do falecimento de seu pai, Jaffe (James Earl Jones). Como Akeem não tem filhos homens, ele ascende ao trono sem um príncipe herdeiro, pois as leis de Zamunda determinam que apenas homens podem assumir o trono. Isso o coloca sob ameaça do general Izzi (Wesley Snipes), governante do país vizinho que planeja assassinar Akeem. As coisas mudam quando Semmi (Arsenio Hall) conta a Akeem que ele tem um filho bastardo nos Estados Unidos. Assim, Akeem retorna ao Queens para tentar trazer o filho, Lavelle (Jermaine Fowler), para Zamunda e torná-lo seu herdeiro.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Rapsódias Revisitadas – Cleo das 5 às 7

 Análise Crítica – Cleo das 5 às 7

Review - Cleo das 5 às 7
Lançado em 1962, Cleo das 5 às 7 é o segundo longa-metragem dirigido pela cineasta Agnes Varda e ajudou a sedimentar a diretora como um nome importante do movimento da nouvelle vague francesa bem como no cinema mundial. Em um espaço dominado por homens (e mesmo hoje ainda é) o filme de Varda toca em questões de existencialismo e também de como a sociedade francesa percebia as mulheres.

A trama é centrada na cantora Florence “Cleo” Victoire (Corinne Marchand) que aguarda o resultado de um exame que lhe dirá se ela tem câncer. Nas horas que antecedem a resposta sobre sua saúde, acompanhamos Cleo conforme ela questiona o que fazer com sua vida e encara a possibilidade da morte.

Se passando quase que em tempo real, a narrativa pondera sobre a vida e as coisas que lhe de dão sentido, mostrando como mesmo em um curto espaço de tempo muita coisa pode acontecer, podemos descobrir sentimentos que não conhecíamos ao nosso respeito, trabalhar ou mesmo agir de maneira fútil, mas que tudo isso significa estar experimentando a vida, as possibilidades que o mundo nos dá.

domingo, 7 de março de 2021

Crítica – WandaVision

 Análise Crítica – WandaVision


Review – WandaVision
A série (minissérie?) WandaVision não era para ser a primeira entre os seriados do universo Marvel previstos para o Disney+. O previsto era que O Falcão e o Soldado Invernal fosse a estreia da Marvel no streaming da Casa do Mickey, mas a série sofreu atrasos nas gravações, então esse papel coube a WandaVision. Assistindo à série é possível entender porque inicialmente ela não foi pensada para ser nosso primeiro contato com esse universo depois de quase um ano de hiato por conta da pandemia. O formato e estrutura narrativa, que foca em paródias de sitcoms é diferente demais do tipo de narrativas encontradas nos filmes da Marvel, um atributo que acaba sendo a principal vantagem e também um dos problemas da série. Aviso que o texto abaixo contem SPOILERS da série.

A trama se passa tempos depois de Vingadores: Ultimato (2019). Wanda (Elizabeth Olsen) está aparentemente casada com Visão (Paul Bettany) e vivendo uma idílica vida de classe média suburbana. Só um problema, Visão foi morto por Thanos (Josh Brolin) nos eventos de Vingadores: Guerra Infinita (2018) e, de alguma maneira, o casal parece estar vivendo em uma espécie de sitcom da década de 50. Aos poucos, no entanto, vamos percebendo que há algo muito estranho nessa realidade.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Drops – Cuidado Com Quem Chama

 

Análise Drops – Cuidado Com Quem Chama

Review Drops – Cuidado Com Quem Chama
A pandemia trouxe várias mudanças em nosso cotidiano. Afetou nossas relações pessoais, trabalho e mexeu na maneira como fazemos muitas coisas. A realização audiovisual foi uma das atividades mais afetadas pela pandemia, afinal ter dezenas de pessoas em um set fechado, mesmo de máscara, não é plenamente seguro. Muitos realizadores tentam pensar em tipos de histórias que podem ser contadas no contexto pandêmico e Cuidado Com Quem Chama é um desses esforços.

A narrativa segue um grupo de amigas que, entediadas com o confinamento da quarentena, contratam uma médium para fazer uma sessão espírita via videoconferência. Logicamente coisas estranhas começam a ocorrer e o grupo desconfia que talvez tenham invocado algum espírito maligno.

Não é o primeiro filme a ser feito com personagens em videoconferência, outros como Amizade Desfeita (2014) e Buscando (2018) já contaram histórias usando esses dispositivos. Até mesmo a série Modern Family já tinha feito um episódio inteiro dessa maneira. Aqui, no entanto, dado o contexto da pandemia, recorrer a esse meio para contar uma história bem típica de invocação maligna soa como uma solução esperta para contornar os problemas que se impõem na realização audiovisual por conta dos cuidados sanitários que devem ser tomados.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Crítica – Pode Guardar um Segredo?

 Análise Crítica – Pode Guardar um Segredo?


Review – Pode Guardar um Segredo?
De início este Pode Guardar Um Segredo? começa como uma banal comédia romântica, mas conforme a trama se desenvolve, vai se tornando cada vez mais problemático, ao ponto em que fica insuportável de assistir. É o tipo de filme que até poderia funcionar como uma diversão despretensiosa, mas é tão equivocado na construção do relacionamento do casal principal que reproduz ideias antiquadas sobre homens e mulheres.

Na trama, Emma (Alexandra Daddario) é uma jovem atrapalhada, que constantemente se mete em problemas e não consegue manter um emprego. Durante um voo ela conhece Jack (Tyler Hoechlin) e acaba confidenciando a ele seus principais segredos durante uma violenta turbulência do avião. Ao voltar para o trabalho, Emma fica sabendo que o dono da empresa vai chegar para supervisionar a filial e descobre que ele é ninguém menos que Jack. Agora ela precisa saber como lidar com alguém que conhece seus segredos mais íntimos.

O roteiro tenta construir Emma como aquele clichê de comédias românticas como a jovem aparentemente banal, atrapalhada e sem confiança que não consegue fazer nada certo até que conhece um homem que abre seus horizontes e ela começa a por a vida no lugar. Tem vários problemas dentro dessa construção. O primeiro é que tanto o texto quanto a performance de Daddario pesam tanto a mão no lado desengonçado e esquisito da personagem que ela soa como uma completa lunática desequilibrada ao invés encantadora. Outro problema é que o texto tenta vender a ideia de Emma como essa garota sem graça, tão incapaz de chamar a atenção de qualquer homem que ela fica surpresa quando Jack demonstra interesse nela. Essa ideia cai por terra quando lembrando que a personagem tem a aparência de Alexandra Daddario, uma mulher extremamente atraente. Então quando ouvimos Emma falar sobre padrões de beleza é difícil comprar a insegurança da personagem, já que ela se encaixa completamente naquilo que seria considerado atraente.

Se por um lado temos Emma como uma mulher cheia de falhas, por outro Jack não possui absolutamente nenhuma. O personagem é um príncipe encantado perfeito durante boa parte da trama e relação entre dois não só é unilateral como nunca explica o motivo dele se sentir atraído por Emma. Sim, Jack explica que foram as confissões dela no avião, mas considerando que a personagem pende mais para doida do que para desengonçada, é difícil embarcar na ideia de que o alto executivo de uma empresa se apaixonaria por uma histérica que lhe revelou todas as intimidades durante uma turbulência. Além disso, incomoda que a relação deles consista em Emma idolatrar Jack enquanto ele é retratado como alguém magnânimo por estar dando oportunidade para que uma garota tão cheia de falhas como Emma esteja com alguém tão perfeito quanto ele.

Essa dinâmica da mulher cheia de problemas que é “resgatada” por um “príncipe encantado” transforma Emma em uma figura passiva, que precisa ser salva de sua vida de mediocridade por esse homem aparentemente perfeito já que de outro modo não conseguiria dar uma guinada na própria existência. Reproduzir essas noções anacrônicas em pleno século XXI, de que uma mulher só seria capaz de amadurecer quando um homem salvador aparecer em sua porta, é um desserviço.

O que já era ruim se torna muito pior quando Jack revela em uma entrevista na televisão todos os segredos íntimos que Emma lhe contou e a trama trabalha pesado em relativizar o comportamento do executivo e força a barra para atenuar as consequências. Realisticamente seria impossível que Emma conseguisse continuar trabalhando na empresa ou que conseguisse reconstruir a carreira por um bom tempo. O filme até mostra os colegas fazendo piadas e comentários maldosos, mas logo tudo é esquecido pelo roteiro.

Do mesmo modo, ter um alto executivo revelando em rede nacional as intimidades de uma funcionária com quem ele se relaciona certamente levantaria acusações de assédio a tal ponto que seria inviável ele se manter no cargo e causaria um enorme dano à imagem da empresa. Mais uma vez o filme até tenta abordar essa questão com a supervisora de Emma perguntando a ela se houve algum assédio, mas o momento é completamente sabotado pelo fato da supervisora dizer que conhece a boa índole de Jack, como que fazendo uma defesa prévia do personagem. É como se essa declaração anulasse a óbvia dinâmica de poder em jogo ou fato de Jack ser gente boa tornasse impossível que ele pudesse cometer assédio, sendo que assediadores comumente se apresentam como “caras legais”.

Para piorar tudo, o texto ainda tenta colocar Jack como uma vítima da situação ao inserir um mal entendido em que Jack crê que Emma iria contar as intimidades dele para um repórter. Assim que isso acontece, o filme parece esquecer a gravidade do que Jack fez (de novo, realisticamente ele teria acabado com a carreira de Emma) e constrói toda a situação como se Emma que devesse desculpas a Jack e as ações dele fossem um mero vacilo sem grandes consequências. Tudo isso soa manipulativo e desonesto, tentando forçar um enlace romântico quando não devia ter um e sequer temos motivos para torcer para que o casal termine junto, já que Jack se comportou como um babaca e Emma passa o filme inteiro agindo como uma lunática.

Os momentos de humor raramente funcionam, gerando mais vergonha ou irritação do risadas de fato. Gemma (Kimiko Glenn), por exemplo, deveria ser a amiga engraçada da protagonista que dá conselhos absurdos, mas ela é tão fútil, autocentrada e desagradável que mais causa incômodo do que gargalhadas. As cenas que o texto tenta fazer rir pela conduta desengonçada de Emma não funcionam porque é tudo tão exagerado que a protagonista não soa apenas como uma garota atrapalhada, mas como alguém tão incapaz de entender conduta humana básica que chega a ser surpreendente que ela consiga viver em sociedade.

Com personagens desinteressantes, humor que não funciona e uma visão problemática sobre relacionamentos, Pode Guardar um Segredo? é um desastre do qual praticamente nada se salva.

 

Nota: 3/10


Trailer

terça-feira, 2 de março de 2021

Crítica – Persona 5 Strikers

 

Análise Crítica – Persona 5 Strikers

Review – Persona 5 Strikers
Persona 5 é um dos melhores JRPGs da última geração de consoles, então quando foi anunciado este Persona 5 Strikers (disponível para PS4 e Nintendo Switch), um spin-off desenvolvido pela Omega Force que traria o combate explosivo de Dynasty Warriors para Persona 5 de maneira semelhante ao que tinham feito com Zelda em Hyrule Warriors ou com Dragon Quest em Dragon Quest Heroes. Tendo jogado Persona 5 Strikers posso dizer que o jogo é menos um derivado e mais uma continuação direta, que mantem muito da estrutura do jogo original.

A trama se passa seis meses depois da trama original (Persona 5 Royal não é cânone) com os personagens se reencontrando para passarem férias juntos. Antes que saiam em uma viajem juntos, no entanto, descobrem que o Metaverso ainda está ativo e alguém o está usando para roubar os desejos das pessoas. Os personagens logo descobrem que as prisões do Metaverso estão se manifestando ao redor do Japão, então decidem usar a viagem de férias para tentar resolver o mistério do que está acontecendo.

Apesar da narrativa ser uma continuação, é possível acompanhar o que acontece mesmo sem ter jogado Persona 5. Claro, você provavelmente vai perder uma ou outra referência aos eventos do original, mas a história consegue se sustentar por conta própria. A trama mostra o quanto os personagens amadureceram desde a última vez que os vimos, muitas vezes tentando aconselhar e redimir os antagonistas que controlam as prisões que encontram. Falo antagonistas porque muitos deles não são necessariamente malignos, são, em muitos casos, pessoas tomadas por trauma, que fizeram escolhas equivocadas e tentaram resolver seus problemas da pior maneira possível. Isso ajuda a dotar os antagonistas e situações encontradas de alguma medida de ambiguidade moral, evitando maniqueísmos fáceis.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Crítica – Pelé

 

Análise Crítica – Pelé

Review – Pelé
De uma biografia esperamos não só uma narrativa sobre a vida de uma pessoa, mas o esforço para entender esse sujeito e, no caso de uma pessoa famosa, ir além do retrato midiático, mostrando o indivíduo que existe para além da imagem pública construída a seu respeito. O documentário Pelé até narra um recorte da vida do célebre jogador de futebol, mas faz pouco para ir além de um relato da imagem midiática já conhecida de Edson Arantes do Nascimento.

A narrativa do filme foca no início da carreira de Pelé e vai até o período de quatro Copas do Mundo, indo de 1958, quando o Brasil foi campeão pela primeira vez, ao tri campeonato na Copa de 1970. Tirando a parte da juventude do jogador, o documentário se detêm principalmente sobre a carreira profissional de Pelé.

É um documentário relativamente convencional em sua estrutura, recorrendo a entrevistas com conhecidos, jornalistas esportivos como Juca Kfouri e José Trajano e o próprio Pelé. Essas entrevistas são intercaladas por imagens de arquivo das partidas e eventos históricos narrados. Ocasionalmente temos imagens de bastidores de treinos, instantes pouco conhecidos de um Pelé em momentos mais íntimos, mas no geral essas imagens de arquivo são de eventos e ações públicas e já conhecidas a respeito do biografado.