quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Crítica – Saltburn

 

Análise Crítica – Saltburn

Resenha Crítica – Saltburn
Se tem uma coisa que aprendi assistindo O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) e a este Saltburn é que convidar Barry Keoghan para sua casa certamente acabará em tragédia. Dirigido e escrito por Emerald Fennell, Saltburn foi bastante divulgado como algo próximo de um thriller erótico, mas na prática é mais um suspense sobre conflitos de classe do que sobre sexualidade.

A trama é centrada em Oliver (Barry Keoghan), um jovem que acabou de entrar na faculdade de Oxford, e se encanta pelo colega aristocrata Felix (Jacob Elordi), membro de uma família que descende de nobreza e dona de uma extravagante propriedade chamada Saltburn. Oliver se aproxima de Felix e é convidado a passar as férias de verão com ele na mansão de sua família. Chegando lá, Oliver conhece os membros excêntricos da família do colega, como seu pai, Sir James (Richard E. Grant), sua mãe, Eslpeth (Rosamund Pike), e sua irmã Venetia (Alison Oliver). Aos poucos Oliver descobre como ele e vários outros agregados da família precisam bajular e disputar a atenção deles para não serem mandados embora e como Felix e seus parentes veem todos como brinquedos a seu serviço. O que começou como férias entre amigos logo se torna um tenso jogo de intrigas para tentar se manter sob os bons olhos da família e continuar vivendo no luxo deles.

É curioso que apesar do filme nunca esconder que Oliver é um parasita interessado no estilo de vida opulento de Felix, nunca deixamos de aderir a ele (ainda que achemos suas atitudes condenáveis) simplesmente porque os nobres de Saltburn são muito piores. Descartando pessoas como se não fossem nada e tratando os outros como extensões de suas vontades, Felix e sua família parecem pensar que seu dinheiro lhes dá o direito de agirem como bem entendem. Isso fica evidente no diálogo entre Felix e Oliver depois de Oliver passar a noite com Venetia. Felix diz ao amigo que ele é seu convidado e que se Oliver ficar com a irmã dele isso irá por um fim na amizade dos dois e pedirá para ele ir embora. É como se Felix admitisse que levou Oliver consigo para que o amigo ficasse a serviço dele e não aceitasse que Oliver dividisse suas atenções com mais ninguém.

Nesse sentido, Oliver encontra um rival em Farleigh (Archie Madkwe, de Gran Turismo), parente distante de Felix cujos estudos em Oxford estão sendo custeados por Sir James. Como já tem mais tempo em Saltburn, Farleigh sabe exatamente como manipular os humores da família, mas Oliver logo aprende a jogar essa trama de intrigas. O problema é que apesar de muito da trama se sustentar em cima dessas intrigas, não há exatamente um clima de tensão porque falta um pouco de ambiguidade aos personagens e também porque o texto parece focar mais em algumas cenas de sexo ou no modo como Oliver demonstra uma obsessão pouco saudável por Felix, tipo lamber o ralo da banheira do amigo depois de vê-lo se masturbar.

Como muito dessas cenas de sexo são filmadas mais de modo sugestivo do que explícito não há nada nelas de muito impactante apesar do filme se portar como se fossem grandes quebras de tabus, como o momento em que Oliver faz sexo orial em uma Venetia menstruada e fica com sangue na boca. Talvez o único momento desses que realmente impacta é a dança final de Oliver nu, uma espécie de comemoração que demonstra sua dominância do local ao mesmo tempo em que o profana com sua nudez.

O que faz toda a disputa e intriga funcionar é o trabalho do elenco em construir o ego, a vaidade e a futilidade desse conjunto de personagens que vê uns aos outros meramente como meios para atingir um fim. Barry Keoghan deixa evidente como Oliver é um parasita bajulador interesseiro, sempre disposto a dizer o que seus interlocutores querem ouvir ao mesmo tempo em que sutilmente sugere o pior dos demais agregados para que apenas ele caia nas graças da família. Já Jacob Elordi faz de Felix um babaca mimado, acostumado a sempre ter o que quer, ficando agressivo quando contrariado e que está sempre em busca de algo diferente que lhe tire de sua existência supérflua e prosaica. São personagens que estão longe de serem boas pessoas, mas cuja estranheza e personalidades pitorescas apresentam um bizarro magnetismo que nos mantem interessados neles.

O desfecho tem sua série de conveniências para que o plano de Oliver dê certo e ele consiga tudo o que deseja, mas, ao mesmo tempo, é coerente com várias pistas que o texto deixou ao longo da trama e quem estiver atento pode antever a conclusão com certa antecedência. O final funciona por reforçar como uma aristocracia que se pensa protegida por seu luxo e riqueza pode ser facilmente derrubada por conta de seus egos frágeis e suas inseguranças que os fazem se abrir para qualquer estranho que pareça suprir suas necessidades emocionais.

Saltburn nem sempre faz todas as suas pretensões funcionarem, mas envolve pela construção de seu universo de luxo e pelas personalidades bizarras dos personagens que nos apresenta.

 

Nota: 6/10


Trailer

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