quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Crítica – Pokémon Scarlet e Violet

 

Análise Crítica – Pokémon Scarlet e Violet

De certa forma Pokémon Scarlet/Violet é a culminação de um esforço de construir um game de mundo aberto na franquia Pokémon que começou lá em Pokémon Sword/Shield com uma área aberta que interligava os principais locais do mapa. O jogo recebeu duas expansões, Isle of Armor e The Crown Tundra, que se passavam em ambientes totalmente abertos, ainda que menores que o mapa principal. A Game Freak voltou a explorar a possibilidade de um jogo em espaços abertos no início desse ano com Pokémon Legends Arceus cuja exploração se dividia em grandes áreas abertas. Pois agora em Pokémon Scarlet/Violet finalmente temos um jogo com um mundo completamente aberto e de exploração não linear. É o que os fãs pediam há muito tempo, embora não esteja livre de problemas.

A trama se passa na região de Paldea (inspirada pelo interior da Espanha) é praticamente a mesma de outros games, você é um jovem treinador que deseja se tornar o melhor e para tal entra na Naranja (em Scarlet) ou na Uva (em Violet) Academy para refinar seus talentos. Depois de um tutorial relativamente longo considerando que Sword/Shield era bem rápido em deixar o jogador solto para explorar, o seu treinador fica livre para perambular por Paldea enquanto cumpre três linhas narrativas distintas.

A primeira dessas linhas é a Victory Road, que é a trama básica de vencer os oito ginásios e enfrentar a Elite dos Quatro para se tornar campeão. O segundo é o Path of Legends, que coloca o jogador em missões ao lado do treinador Arven para desvendar o mistério dos Titãs, formas gigantescas de pokémons que estão aparecendo no mundo. Já Starfall Street envolve encontrar e enfrentar os líderes do Team Star uma gangue de estudantes rebeldes que está causando o caos em Paldea.

Devo dizer que fiquei surpreso com o tanto que me envolvi na trama, algo que praticamente não acontece comigo nos jogos de Pokémon. Os líderes de ginásio são carismáticos e cada um tem personalidades bem singulares, com destaque para o líder do ginásio de Medali, especializado em pokémons normais, que é basicamente um burocrata de escritório cansado da vida de assalariado. Do mesmo modo a trama do Team Star da uma motivação compreensível aos líderes grupo e se a trama de Arven não fizer você se emocionar com a relação entre ele e seu Mabosstiff, bem, você está morto por dentro.

Paldea é de fato o mundo aberto que foi prometido e assim que termina o tutorial é possível ir para onde você quiser e completar os objetivos em mais ou menos qualquer ordem. Digo mais ou menos porque não há um escalonamento dos níveis de pokémon em cada área em relação ao jogador. Os níveis dos inimigos e criaturas são fixos, então há, de certa forma, um certo percurso ideal embora seja possível ir para uma área de nível maior e depois voltar para áreas de níveis menores e cumprir os objetivos lá.

Cada cidade tem uma personalidade e uma arquitetura própria, o que ajuda a torná-las singulares, algo ampliado pelos tarefas que precisam ser feitas antes de desafiar o líder do ginásio e que normalmente exigem se envolver com algo do cotidiano da cidade. Assim, em uma cidade eu precisei ajudar o líder do ginásio, que era um chef, a comprar raros ingredientes em um leilão. No ginásio localizado em uma montanha gelada precisei participar de um desafio de snowboard. Esses elementos ajudam a tornar Paldea um espaço vivo e vibrante com uma cultura local que está sempre em movimento e que nós nos tornamos parte dela.

O mesmo pode ser dito de vagar pelos espaços abertos à caça de pokémons, com as espécies diferentes dando a impressão de um ecossistema dinâmico conforme passamos por rebanhos de Tauros galopando por campos abertos, Pinecos pendurados em árvores ou Magikarps eventualmente pulando para fora da água e se debatendo na beira de um rio. Alguns pokémons são mais agressivos e vão para cima de seu treinador assim que te veem, enquanto outros são mais medrosos e fogem assim que notam sua aproximação, precisando ser pegos de surpresa. Pokémon Legends Arceus já tinha feito muito disso e este jogo segue na tentativa de construir esse ecossistema coeso. Por outro lado, a exploração desses espaços abertos é desprovida das dungeons e quebra-cabeças que são típicos dos games da franquia. Seria interessante tentar integrar esses elementos ao design mais aberto do jogo.

O combate segue a mesma estrutura de turnos que é comum na franquia, com a principal adição sendo a mecânica do Terastal. Durante a batalha o jogador pode ativar o Terastal revestindo sua criatura com uma couraça cristalizada que amplia seus atributos e aumenta a força dos ataques de um tipo específico. O tipo que um pokémon assume em sua forma Terastal não precisa ser um dos tipos originais da criatura, o que abre todo um leque de possibilidades estratégias. Essas possibilidades se ampliam pelo fato de poder usar o recurso em qualquer lugar (diferente do Dynamax no game anterior) com a limitação de que só pode ser usado uma vez antes de precisar ser recarregado em um centro pokémon. Apesar do valor estratégico, a transformação Terastal não tem o mesmo impacto visual que as mecânicas de outros jogos como os Z-Moves ou Megaevoluções, na verdade, o visual cristalizado e com um adereço na cabeça dá um aspecto meio ridículo aos pokémons e os golpes não tem lá muita diferença visual. É uma transformação que não faz o jogador sentir que ficou mais poderoso.

As batalhas de Raids retornam e agora são muito mais ágeis. Ao invés de cada jogador esperar seu turno, todos agem simultaneamente, diminuindo o tédio dos embates longos em níveis altos. Ao invés de limitar o número de nocautes dos jogadores, o limite agora é de tempo, com uma penalidade no medidor de tempo a cada nocaute sofrido por um dos jogadores. É uma mecânica mais permissiva do que a limitação de três nocautes dos Raids em Sword/Shield e faz esses eventos fluírem bem melhor do que no game anterior.

Outro elemento que retorna é a possibilidade de acampar com seus pokémon para brincar com eles (ampliando a amizade), dar banho ou alimentá-los. Aqui ao invés de fazer curry, o jogador faz sanduíches. Os alimentos trazem diferentes tipos de bônus em termos de eficácia em combate, aumento de experiência ou facilidade de encontrar ovos de um determinado tipo. De início achei divertida a mecânica de montar seu sanduíche e ter que tomar cuidado para equilibrar todos os ingredientes, mas com o tempo, a demora de fazer cada sanduíche (o curry era mais rápido no game anterior) passou a pesar e a soar como a quebra muito grande no meu ritmo de exploração. Assim decidi deixar de lado o recurso ou a recorrer a receitas mais simples que demandavam menos ingredientes. Deveria ser possível fazer automaticamente receitas que você já fez com sucesso, isso diminuiria o tempo e tornaria a mecânica mais envolvente.

Igualmente inferior ao game anterior são as opções de customizar o visual de seu personagem. Ainda que o criador de personagem seja mais variado em termos de opções de aparência para seu treinador, uma vez que você começa a explorar Paldea as escolhas de vestimenta são bastante limitadas. É possível mudar o calçado, meias e mochila do treinador, assim como alguns acessórios do rosto ou da cabeça, mas a roupa é limitada a quatro variações do uniforme da Naranja/Uva Academy. Não é possível sequer mudar a cor do uniforme, que é determinado pela versão do jogo que você tem (laranja em Scarlet, roxo em Violet), o que soa como uma limitação arbitrária em relação as possibilidades de games anteriores. A obrigação de manter o uniforme escolar sequer faz sentido em termos de narrativa, já que na história você está de recesso do semestre escolar, então porque ser forçado a usar uniforme o tempo todo?

Ao explorar as áreas de Paldea é possível tirar seu pokémon da pokebola para que ele te acompanhe e também dar ordens a ele para que ele colete itens ou enfrente outros pokémons vagando pela área em batalhas automáticas. Essas batalhas automáticas são uma ótima maneira de coletar os recursos deixados por cada criatura e que são imprescindíveis para a produção de TMs. Poder produzir livremente TMs com base em materiais coletados dá mais opções em como treinar suas criaturas, já que nunca precisamos nos preocupar em “gastar” uma TM porque ela pode ser facilmente produzida de novo.

Por outro lado, seu pokémon nem sempre vai exatamente na direção que você comanda, o que pode ser um pouco frustrante. Do mesmo modo, se você se afastar demais de sua criatura ou se mover muito rápido em sua montaria o pokémon solto imediatamente retorna à pokébola e você vai precisar soltá-lo de novo. É algo que não acontecia nas expansões de Sword/Shield, quando a criatura solta te acompanhava independente da sua velocidade na bicicleta, por exemplo. Isso tira parte da graça de soltar seu pokémon e deixar que ele te acompanhe e soa como um passo para trás em uma mecânica que antes funcionava perfeitamente.

Falando em funcionar bem, não posso deixar de mencionar o quanto a performance de Scarlet/Violet é pavorosa. Por mais que seja incrível ver o mundo inteiro de vez em qualquer direção que se olhe, o sentimento é sabotado pelos vários problemas de qualidade e performance gráfica. Há um constante pop in de objetos e texturas que são carregados demoradamente enquanto você caminha, incluindo o fato de você acidentalmente entrar em batalha contra algum pokémon selvagem simplesmente porque a criatura se materializou do nada em sua frente. A taxa de frames cai constantemente e algumas vezes o jogo dá uma engasgada quando você entra em alguma área ou caverna, como se parasse para carregar o novo ambiente. Quando você caminha por cidades muito povoadas, os NPCs ou objetos do cenário se movem como se fossem uma animação em stop motion com poucos quadros de movimento.

Isso sem mencionar as texturas pobres de alguns ambientes e também de certos NPCs que fazem certos elementos visuais soarem datados. O jogo também tem uma boa parcela de bugs, com pokémons caindo para baixo do cenário, atravessando objetos ou bugs em animações que tornam as criaturas e personagens em abominações bizarras.

Muita gente fala que esse tipo de problema mostra a defasagem do hardware do Switch, mas eu diria que o problema não é esse. Afinal não estamos falando de um game multiplataforma que precisou ser adequado às especificações técnicas do Nintendo Switch, mas de um game produzido exclusivamente para essa plataforma, então o mínimo que se espera é que sua performance seja otimizada. Basta lembrar que Legend of Zelda: Breath of the Wild é um jogo lançado em 2017 que tem um imenso mundo aberto com visuais e performance muito superiores ao que vemos aqui. Eu poderia citar também as grandes áreas abertas de Xenoblade Chronicles 3 como exemplo de que o Switch pode sim rodar sem problemas mundos abertos com boa qualidade visual.

Sob muitos aspectos Pokémon Scarlet/Violet é o melhor jogo da franquia em muito tempo graças ao seu amplo e singular mundo aberto e uma narrativa surpreendentemente envolvente, mas seu potencial de alcançar o topo da franquia é sabotado pela péssima performance e algumas mecânicas que são mais limitadas em relação a exemplares anteriores, transformando o que poderia ser uma experiência excelente em apenas passável.

 

Nota: 7/10


Trailer

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