segunda-feira, 11 de maio de 2020

Rapsódias Revisitadas – O Apocalipse de um Cineasta



Resenha – O Apocalipse de um Cineasta

Análise – O Apocalipse de um Cineasta
Eu já tinha visto Apocalypse Now (1979) algumas vezes e já tinha ouvido falar do documentário O Apocalipse de um Cineasta (1991), que mostra o conturbado processo de filmagem de Apocalypse Now na selva filipina, mas só agora assisti o documentário, que é um competente registro de uma produção fora de controle.

Os registros de bastidores foram feitos Eleanor, esposa do diretor Francis Ford Coppola, com o intento de serem um making of do filme. As coisas saíram tanto do controle durante os mais de 200 dias de filmagem que as imagens captadas por Eleanor não foram usadas na divulgação do filme e só foram apresentadas ao público neste documentário.

O documentário começa com uma entrevista com Coppola no qual ele diz que Apocalypse Now foi feito como se fosse a própria Guerra do Vietnã, com um grupo grande de pessoas pretensiosas na selva, com muito dinheiro a disposição e sem muita ideia do que estavam fazendo. De fato é o que acontece. Apesar de ter financiado a produção do próprio bolso, Francis Ford Coppola tinha bolsos razoavelmente fundos, o que permitiu por exemplo, construir sets enormes, como o templo do coronel Kurtz, graças à mão de obra barata do local. Trabalhando em condições precárias, os operários filipinos recebiam valores tão baixos que um dos produtores se pergunta se estavam explorando a população local (sim, estavam).


As imagens de bastidores também ilustram as muitas dificuldades que atrasaram a produção e que estavam fora do controle da equipe, como os furacões e tempestades que destruíram sets de filmagem ou os problemas de acesso a equipamento militar. Apesar de ter acertado com o presidente das Filipinas para alugar helicópteros e outros equipamentos das forças armadas do país, o governo constantemente chamava as aeronaves de volta por conta da guerra civil que ocorria no país e a necessidade do governo em combater os rebeldes. Tudo isso vai aos poucos elevando as tensões no set, conforme Coppola fica mais e mais preocupado com o resultado final, já que ele arrisca falência se a produção não der certo.

Por outro lado, também é visível que muitos problemas vinham das ações da própria equipe. Como a falta de visão clara de Coppola em relação a muitas cenas, especialmente o final, que demorou a ser gravado porque ele ficava fazendo cenas de improviso com Marlon Brando e Martin Sheen. O estimulo ao uso de drogas para despertar estados alterados de comportamento também é um exemplo desses problemas, tornando atores como Dennis Hopper difíceis de controlar no set e causando problemas de saúde (físicos e mentais) a outros membros do elenco, como Martin Sheen que teve um infarto aos 36 anos.

O filme e a narração de Eleanor Coppola tem o cuidado de destacar que essa situação era verdadeiramente perigosa e que não é algo a ser exaltado ou romantizado. Pessoas não deveriam surtar para fazer um filme, mesmo que interpretando personagens surtados. Todas as técnicas e métodos de composição de personagem que foram desenvolvidos no campo das artes cênicas existem, entre outras coisas, para preservar a integridade mental dos atores. Para possibilitar a eles meios de habitar as psiques e comportamentos de personagens que estão completamente distanciados de quem esses atores são sem que eles precisem vivenciar a realidade dessas situações extremas. Afinal, se for para surtar ou se drogar de verdade não precisa de um ator profissional com anos de treinamento, bastar catar um anônimo qualquer da rua e atormentar o sujeito até ele se desequilibrar e filmar isso.

Eu digo isso sem nenhuma intenção de desmerecer os resultados e méritos artísticos de Apocalypse Now, que é de fato um exame poderoso dos horrores da guerra, minha intenção é ponderar, conforme mostrado pelo documentário, que muitos desses métodos extremos aos quais Coppola e o elenco recorreram são atalhos arriscados. E eles usaram esses atalhos justamente por conta dos múltiplos problemas de cronograma, por conta da falta de clareza do diretor em termos do que ele queria filmar e outros problemas. Claro, eventualmente Coppola conseguiu encontrar a visão de filme que queria e ao final fez dar certo, mas no meio do caminho disso tudo arriscou inclusive a vida de seu elenco e dele próprio, já que em áudios captados por Eleanor ele chega a considerar o suicídio, e o filme poderia nunca ter sido completado.

O Apocalipse de um Cineasta retrata os perigos de uma produção descontrolada que recorre a extremos e arrisca a equipe e o próprio diretor.

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