segunda-feira, 18 de março de 2019

Crítica – Chorar de Rir

Análise Crítica – Chorar de Rir


Review – Chorar de Rir
Há séculos a comédia é considerada um gênero “inferior”. Na Idade Média, por exemplo, instituições como a Igreja Católica concebiam o riso e o cômico como frutos de mentes ignóbeis, incultas e de baixa espiritualidade. Essa visão sobre a comédia como uma arte “menor” segue ainda nos dias de hoje então é sempre válido levantar a discussão sobre a legitimidade da comédia e foi isso que me atraiu a assistir este Chorar de Rir. Tudo bem que não é a primeira vez que um comediante desnuda em tela suas angústias por ser subestimado enquanto artista “sério”, Chris Rock já tinha feito algo semelhante alguns anos atrás no excelente No Auge da Fama (2014), mas ainda assim é importante que o cinema brasileiro levante essa bola e traga essa discussão para o nosso contexto.

Nilo (Leandro Hassum) é um comediante de sucesso e está prestes a receber um prêmio como melhor comediante do ano. Durante a cerimônia ele se sente desprezado, ignorado e maltratado pelos vencedores das categorias dramáticas. Assim, ele se torna determinado a ser levado a sério por seus pares e ser considerado um artista “de verdade” ao produzir sua própria montagem de Hamlet e se colocando no papel-título.

Tudo isso poderia render uma discussão sobre a validade da comédia enquanto arte, que há, de fato, um grande labor artístico-criativo no ato de fazer rir e que existe na comédia uma força expressiva tão grande quanto em qualquer outro gênero. No entanto essa discussão não é construída pela narrativa, já que uma reviravolta envolvendo um feitiço que obriga Nilo a fazer piada o tempo todo transforma o filme praticamente numa adaptação de O Mentiroso (1995), apenas trocando a obrigatoriedade de falar a verdade pela obrigatoriedade de fazer piada com tudo.

A guinada não é apenas problemática por praticamente abandonar toda a proposta inicial do filme, mas por ser jogada à esmo na tela. Nada prepara o espectador para essa virada ao domínio do sobrenatural e da fantasia, a imagem do feitiço sendo realizado simplesmente surge na tela enquanto Nilo tenta encenar Hamlet, enfiando de qualquer jeito essa reviravolta na história.

Aliás, elementos desmotivados pipocam a torto e direito ao longo da projeção. O romance entre Nilo e uma antiga namorada, Bárbara (Monique Alfradique), acontece praticamente porque o roteiro exige. A narrativa não constrói uma motivação das razões que a levam se jogar nos braços de Nilo quando ele está no camarim de Hamlet, apenas acontece. Claro, algumas aleatoriedades geram bons momentos de humor, como a pequena participação do Sérgio Mallandro, mas no geral a trama soa inconsistente, pulando de uma ideia e tema para outro como lhe convém.

A guinada envolvendo o feitiço também acaba limitando o trabalho de Hassum. Se inicialmente o filme parecia tirá-lo da zona de conforto do que ele faz na maioria de suas comédias, a reviravolta serve como um meio de mais uma vez forçá-lo a incorrer no mesmo tipo de humor estilo “ofensas de playground” de muitos de seus filmes como o execrável Até Que a Sorte nos Separe 3 (2015). Um exemplo é a cena em que ele interage com um mendigo e todo o humor deriva do fato dele falar a respeito do fedor ou do aspecto asqueroso do sem-teto.

Após a reviravolta, o filme se arrasta na busca de Nilo pelo homem que o enfeitiçou e nas suas tentativas de reverter o feitiço fazendo a última meia hora se arrastar em reviravoltas que não vão a lugar nenhum enquanto o protagonista tenta desvendar quem pagou o feiticeiro. O desfecho falha em amarrar as ideias da trama ao ensaiar um discurso conciliatório entre o drama e a comédia, reconhecendo o valor de ambos, mas que acaba por reproduzir a ideia de que um artista cômico precisa capaz de fazer drama para ser reconhecido como um ator “de verdade”. Imagino que a ideia do discurso final do personagem era dizer que os dois gêneros tem valor, mas ao falar isso enquanto o personagem é finalmente reconhecido pelos seus pares ao receber um prêmio de ator dramático dá a entender que o reconhecimento de um cômico só se daria se ele passasse pelo drama.

A resolução nega a ideia da comédia como um campo artístico por si só e ignora até mesmo as referências que o próprio filme faz a outras obras e artistas. Em dado momento a narrativa faz menção a Cantando Na Chuva (1952) uma comédia musical que é reconhecida internacionalmente como um dos melhores filmes de todos os tempos e que provaria o argumento inicial de que a comédia é sim uma arte expressiva potente independente dos outros gêneros. Cantando Na Chuva inclusive defendia esse valor do cômico por si só no número musical com a canção Make’em Laugh cantada por Donald O’Connor. Jerry Lewis, citado múltiplas vezes, aparecendo em fotos e referenciado quando Nilo se veste como o protagonista de O Professor Aloprado (1963), é um artista que teve sua genialidade no campo da dramaturgia reconhecida justamente por seu talento cômico.

A maneira como o filme usa o som e a música atrapalha bastante a apreciação, constantemente recorrendo a tons intrusivos que guiam de maneira óbvia e excessiva os sentimentos do espectador. Quando alguém faz algo engraçado os instrumentos instantaneamente fazem barulhos engraçadinhos, como que dando permissão ao espectador para rir e subestimando a capacidade da audiência em entender que algo foi engraçado ou não. O mesmo acontece nas cenas mais dramáticas ou emotivas nas quais a música pesa a mão nos acordes chorosos quase que querendo forçar o espectador a derramar lágrimas.

Havia um claro potencial para um ótimo filme em Chorar de Rir, mas o resultado final deixa a desejar pelo pouco desenvolvimento das complexas questões que ele tenta discutir sobre a legitimidade da comédia.


Nota: 4/10


Trailer

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