quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Crítica – Temporada


Análise Crítica – Temporada


Review – Temporada
Assim como já tinha feito em Ela Volta Na Quinta (2014), o diretor André Novais mais uma vez tece um retrato da vida cotidiana carregado de afeto, naturalidade e reflexões sobre a relação das pessoas com os espaços urbanos neste Temporada.

A trama é centrada em Juliana (Grace Passô) que se muda para Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte por conta de um novo emprego. Ela começa a trabalhar com prevenção à dengue, fiscalizando as residências de uma comunidade periférica. Em seu emprego, ela encontra situações insólitas nas casas dos moradores e também cria amizades com seus novos colegas de trabalho, em especial o despojado Russão (Russo APR).

Novais nos apresenta a esses personagens e ao seu universo com uma naturalidade enorme, como se de fato estivéssemos acompanhando o cotidiano de pessoas reais, sendo cúmplices de suas vidas, de suas vitórias, de seus problemas. Faz isso com muita delicadeza, sem chamar atenção para si e deixando que até mesmo pequenas coisas, como a mobília de um cômodo, nos contem sobre o percurso de suas personagens. Um exemplo são as mudanças que ocorrem no quarto de Juliana ao longo do filme. Se no início ela dorme em um quarto vazio, com apenas um colchão no chão, aos poucos o quarto vai sendo decorado e mobiliado com cama, armário e outros itens, tudo isso denotando as raízes que Juliana fixa naquele lugar.

Grace Passô (excelente em Praça Paris da Lúcia Murat) traz um senso de deslocamento e uma emoção bem sincera a Juliana. Ela é uma pessoa retraída, que não gosta de falar muito sobre si mesma, mas o trabalho de Grace permite que vislumbremos o tanto de coisas que existem internamente na personagem. Isso é bastante perceptível no diálogo entre Juliana e uma prima no qual Juliana narra a interrupção abrupta da gravidez. Com a câmera em close no rosto da personagem e em uma tomada sem cortes, Juliana narra com aparente tranquilidade o doloroso incidente, mas o trabalho de Grace Passô nos permite ver a dor subjacente da personagem.

Já Russo APR rouba a cena como o debochado Russão. A proximidade do nome dos dois personagens indica que o ator provavelmente colocou muito de si mesmo em sua contraparte ficcional e ele é um dos grandes achados do filme com sua personalidade pitoresca, cadência singular e diálogos bem-humorados. Cada cena em que ele está presente preenche a tela com uma energia tão contagiante que é difícil não abrir um sorriso.

Para além da sinceridade e afeto com a qual o olhar de André Novais acompanha as vidas dessas pessoas e nos deixa imersos nelas, o filme também pensa nos espaços ocupados por essas pessoas e a relação delas com esses lugares. Em um diálogo com um morador, Juliana fica sabendo que as pessoas que moram ali não se mudaram por escolha própria, mas foram movidos de sua antiga moradia porque o governo estava construindo uma nova rodovia. São, portanto, pessoas constantemente empurradas à margem, jogadas ao largo e, nesse sentido, não é estranho que suas habitações tenham tanta presença de entulho, de coisas jogadas, visto que eles próprios foram jogados ali à revelia de seus próprios desígnios.

Isso não significa, porém, que o filme veja a habitação daquele espaço como algo completamente negativo. Em uma cena, Juliana questiona um colega de trabalho por ele estar observando uma lagoa cheia de entulho e ouve a resposta de que aquilo também é paisagem. É uma afirmação que tem todo sentido com o que o longa vinha trabalhando, a ideia de enxergar a beleza, mesmo em espaços à margem, de dotar de importância, sentido e significado lugares e pessoas que muitos não prestam atenção, de usar a câmera para dizer: sim, esses lugares, essas pessoas, essas histórias, essas vidas têm valor e precisam ser conhecidas.


Nota: 9/10

Esse texto faz parte de nossa cobertura do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema

Trailer

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