quarta-feira, 12 de abril de 2023

Succession e a banalidade da morte

 

O impacto da morte de Logan Roy em Sucession

Antes de qualquer coisa, aviso que o texto a seguir contem SPOILERS da atual temporada de Succession, então se você não está acompanhando a série e não quer que eventos da quarta e última temporada sejam revelados, sugiro voltar depois. Dito isso, irei me deter especificamente ao terceiro episódio da quarta temporada, intitulado Connor’s Wedding.

Pelo título imaginamos que o episódio irá focar no casamento de Connor (Alan Ruck), o mais velho dos filhos de Logan (Brian Cox), ao mesmo tempo em que seguimos o patriarca em sua viagem para Suécia para renegociar a venda de seu conglomerado a um excêntrico bilionário e seus outros três filhos, Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin) tentam arrancar ainda mais dinheiro do negócio. Até então tudo parece típico da série, os esquemas corporativos, a alienação afetiva dos Roy, Logan tentando sair por cima.

Tudo muda, porém, quando Roman recebe um telefonema de Tom (Matthew Macfayden) que estava no avião com Logan. No início do episódio vimos Shiv rejeitar várias ligações dele e imaginamos que teria relação com a separação entre Tom e Shiv. Ao atender Roman descobre que a situação é muito mais urgente. Logan passou mal no avião, está recebendo massagem cardíaca, mas não responde e não respira. Ele pode estar morrendo ou já estar morto.

Imediatamente a sensação é de incredulidade. Logan não pode simplesmente morrer assim. Desde o primeiro episódio da série sabíamos que a saúde do patriarca não era das melhores, mas ninguém imaginaria que Logan morreria bem quando seu conflito com os filhos estava para atingir o auge de tensão. Os personagens partilham o sentimento do espectador conforme acompanhamos quase que em tempo real os três irmãos tentando racionalizar o que aconteceu. A câmera se mantem nos rostos deles em planos demorados, nos deixando com a angústia de esperar alguma notícia do outro lado.

Em qualquer outra série a morte de um personagem central seria explorada da maneira mais explícita possível. Veríamos Logan cair, veríamos a vida deixar seus olhos conforme uma comissária faz massagem cardíaca nele. Uma música chorosa tocaria para dar o devido impacto a essa morte. Succession, porém, trata esse evento como algo mundano e bastante realista. Não vemos Logan em momento algum durante a crise no avião (em entrevista recente Brian Cox afirmou que não participou da cena) acompanhamos tudo a distância. Da mesma forma que Kendall e os irmãos, acompanhamos passivamente enquanto recebemos a súbita notícia de morte. Diferente da ficção na maioria dos casos não estamos prontos para a morte de pessoas próximas, somos pegos de surpresa, não estamos ao seu lado nos últimos instantes e não temos a chance de articular como nos sentimos ou resolver questões pendentes.

Isso fica evidente quando Tom sugere que os irmãos falem com Logan no caso dele ainda poder ouvir. Pegos despreparados, Roman e Kendall, mal conseguem juntar meia dúzia de frases para dizer e o que deixam sair é o sentimento cru da relação ambígua que possuíam como podemos ver quando Kendall professa seu amor ao pai para logo em seguida dizer “não posso te perdoar”.

É uma síntese da relação dos filhos de Logan com o pai. Eles amam Logan, desejam sua validação, seu respeito, querem mostrar que são tão capazes quanto ele e, ao mesmo tempo, ressentem o pai pela constante ausência e pelo tanto que ele os menosprezou. Agora Logan se foi e seus filhos aos poucos se dão conta que não vão ter a desforra que imaginavam. Os três construíram suas vidas, suas personalidades, em torno da ideia de mostrar valor e/ou superar Logan e o pai parte deixando todo esse conflito emocional sem resolução. Tal como na vida real, não há aqui uma resolução, um fechamento de ciclo. Pelo contrário, esses personagens se veem claramente perdidos, tanto em termos emocionais quanto em corporativos. A morte de Logan não resolve nada para os irmãos, não cura seus traumas, não aplaca suas ansiedades, apenas os deixa com mais questões para lidar.

Tom e os demais no avião tentam montar uma declaração para manter imprensa e o mercado de investidores sob controle. No solo Kendall e os irmãos fazem a mesma coisa. Os dois grupos sabem que a morte de Logan significa o início de uma longa e dura batalha pelo controle do espólio do bilionário e já começam a medir seus passos com cuidado. Se o título da série põe em pauta a sucessão de Logan, os eventos deste terceiro episódio iniciam as disputas sobre quem controlará o império midiático do patriarca dos Roy.

A cena final, com Kendall vendo o cadáver de Logan sendo carregado para fora do avião em um saco preto, ressalta ainda mais o olhar mundano que a série dá a morte de seu personagem mais importante. Não há pompa, não há circunstância, não há nada de extraordinário nessa morte. A despeito de seus bilhões, de seu poder, de sua influência, do medo e respeito que impunha em seus subalternos e familiares o destino final de Logan é meramente um saco de necrotério. Na morte Logan não é diferente de qualquer um de nós.

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