quinta-feira, 27 de abril de 2023

Crítica – A Nova Vida de Toby

 

Análise Crítica – A Nova Vida de Toby

Review – A Nova Vida de Toby
Baseada no livro (que não li) de Taffy Brodesser-Akner a minissérie A Nova Vida de Toby parece ser mais uma dessas tramas sobre crise de meia idade e confrontar os modos como a vida nos leva para direções que não seguem os planos ou o potencial que exibíamos em nossa juventude. Ela é isso, no entanto, se eleva pelo modo como consegue dar atenção e camadas a cada um de seus personagens para ponderar como essas inquietações nos afetam em níveis individuais, mas também em um grau coletivo, impactando as relações que construímos (ou deixamos de construir) com as pessoas ao nosso redor.

A narrativa é centrada em Toby (Jesse Eisenberg) um recém divorciado de mais de 40 anos que tenta reconstruir a vida depois de terminar um longo casamento. Ele tenta focar nos filhos, no trabalho e nas possibilidades de novos encontros afetivos através de aplicativos de relacionamento. Esse novos caminhos trazem consigo desafios, em termos de compartilhar a guarda dos filhos com a ex-esposa, Rachel (Claire Danes), e descobertas, como a facilidade que ele encontra em conseguir encontros em aplicativos. Toby também se reconecta com os amigos de faculdade Libby (Lizzy Caplan) e Seth (Adam Brody), de quem estava distante há anos. Juntos eles passam a ponderar como suas vidas mudaram.

A narrativa acerta no modo como cada episódio transita pelo ponto de vista de cada personagem, legitimando seus sentimentos e pontos de vista ao mesmo tempo em que reconhece que sua experiência não é a única maneira de enxergar aqueles eventos e como cada ação traz diferentes impactos em pessoas diferentes. De início Toby parece ser um sujeito sensível, dedicado aos filhos e frustrado com o descaso da ex-esposa, que some sem dizer para onde foi ou como entrar em contato. Conforme embarcamos nas memórias de Toby, Rachel soa como uma pessoa materialista, focada em posse, status e carreira, cuja vida deixava pouco espaço para Toby ou para os filhos.

O protagonista de fato é um pai amoroso e um médico dedicado ao trabalho, mais focado em ajudar os pacientes do que em subir na vida ou acumular riqueza, no entanto, conforme a trama progride e acessamos outros personagens enxergamos outras camadas de Toby, Rachel e os demais. Um exemplo é o episódio centrado Libby, que funciona como narradora durante toda a série. De início pensamos nela como o clichê da melhor amiga que está ali só para que o protagonista tenha com quem conversar e falar sobre o que se sente e imaginamos que ela não terá qualquer arco próprio, no entanto, a narrativa mostra que ela é muito mais que isso.

Uma jornalista com grandes planos para a própria carreira, os flashbacks de Libby mostram como suas ambições foram frustradas por um ambiente dominantemente masculino e repleto de assédio no qual ela raramente era tratada como igual pelos pares. Sentimos o impacto da “síndrome de impostor” que se impõe sobre ela e como esse senso de fracasso a leva a se resignar a uma vida como esposa e mãe. Uma resignação que é rompida com o contato de Toby e cuja a retomada da amizade a faz lembrar de quem era na juventude e todo o potencial que não se concretizou.

Enquanto Toby vive sua crise, Libby passa por seus próprios problemas, questionando se não teria aberto mão muito fácil de seus desejos, se talvez ela pudesse se sentir menos inadequada se tivesse outra vida. Essas indagações, porém, nunca são tratadas de modo maniqueísta pela trama, que revela como Libby estava longe de ser infeliz ou maltratada, tendo um bom relacionamento com os filhos e um marido compreensivo que a apoia apesar de aceitar com mais facilidade a pacata vida suburbana que levam.

O problema não são os filhos ou o marido, mas o incômodo de que ela talvez pudesse ter feito mais como a própria vida e o pânico de nunca saber o que isso seria. A jornada dela, assim como a de Toby em certa medida, é entender que não temos como voltar a nossa juventude. O tempo nos modifica, nos transforma, nos dá outras prioridades e nenhum divórcio vai trazer de volta o potencial ilimitado e falta de compromisso da juventude. Não precisamos aceitar qualquer coisa, relações tóxicas ou trabalhos ruins, mas precisamos compreender que nem tudo será como imaginamos e fazer o melhor com o que temos.

O maior impacto, porém, vem no episódio centrado em Rachel. Se durante toda a série acreditávamos que ela era uma megera fútil e materialista que abandonou os filhos para ter um caso com um ricaço que partilhava da futilidade dela, quando chegamos no sétimo episódio ficamos imersos na subjetividade dela e vemos como as coisas não eram bem assim. Aprendemos sobre a sua infância de abandono, tendo ficado órfã criança e sendo largada em um colégio interno pela avó, no qual era constantemente zoada pelas garotas ricas do lugar. A juventude de solidão, bullying e rejeição criou nela essa obsessão por ter posses na crença de que poderia ser aceita. Um trauma que ela nunca confrontou e nunca se abriu nem mesmo com Toby, que nunca viu essa faceta da esposa. Aprendemos sobre a severidade de sua depressão pós-parto causada por um episódio de violência obstétrica e como isso, não apenas seu foco no trabalho, a afastou dos filhos. Vemos como o complexo de abandono e o medo de ficar sozinha motivaram ações intempestivas de sua parte e culminaram em um doloroso colapso mental.

Claire Danes é excelente em nos fazer ver a dor silenciosa que Rachel carrega e como o acúmulo de silêncios e negação levou ao seu surto. A cena em que a personagem é violentada pelo obstetra durante o parto é de um desespero e um senso de impotência tão grandes que sozinhas já justificariam a indicação de Danes a todas as premiações possíveis. Ao longo do episódio Danes nos faz sentir ainda mais o impacto de todos os traumas na vida de Rachel e como ela vai aos poucos perdendo o senso de realidade, de tempo e de espaço ao ponto em que se torna prisioneira da própria mente.

Se Toby achava que ela tinha abandonado os filhos para ficar com um babaca rico, na verdade ela estava desmoronando ainda mais que o ex-marido. Por mais que Toby de fato tenha tentado ajudar Rachel e ela tenha recusado essa ajuda, o episódio mostra como Toby era menos santo do que dizia, ressentindo Rachel por deixá-lo ocupar a função de “mãe” (o que diz muito sobre as expectativas que a sociedade impõe a mulheres) e como sua mágoa vira raiva ao ponto dele simplesmente ignorar o sofrimento dela. É difícil não se chocar com a cena em que Libby narra para ela o que aconteceu com Rachel e Toby simplesmente ignora e diz que não é mais problema dele. O modo como Eisenberg se conduz na cena deixa claro que é uma resposta movida pela mágoa que Toby ainda tem com o término do casamento e não com uma completa falta de empatia da parte de Toby (que logo depois se compadece com a morte de uma paciente e a dor de sua família), lembrando a nós de como somos falhos e como qualquer um de nós pode, a qualquer momento, ser o vilão da história de outra pessoa. Como mesmo quando queremos agir corretamente podemos ser injustos com aqueles que nos cercam.

O episódio final impacta justamente por reconhecer como essas inquietações impactam cada um de nós. Mesmo quando pensamos que estamos sozinhos em nossos problemas ou no modo que questionamos nossos rumos e propósitos, na verdade estamos todos nos sentimos assim. Somos seres falhos, tropeçando pela vida tentando buscar significado, tentando preservar momentos de felicidade que são fugazes, tentando nos prender a potencialidades do passado muitas vezes ignorando o potencial do presente. O desfecho, deixado em aberto conforme Toby abre a porta para encontrar uma visita inesperada, nos lembra como o presente traz possibilidades, inclusive de reconstruir o que foi perdido, de se fechar um ciclo e se permitir um novo começo sem o fardo de problemas passados ou talvez de insistir nas mesmas condutas e não aprender nada. A série não dá uma resposta definitiva porque não há e o que extrapolamos da imagem final depende de cada um.

Comecei a assistir A Nova Vida de Toby sem saber o que me esperaria e fico muito contente em ter encontrado uma reflexão tão madura, sensível e complexa sobre relacionamentos, trauma, bagagem emocional e crise de meia idade.

 

Nota: 9/10


Trailer

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