sexta-feira, 25 de março de 2022

Crítica – De Rainha do Veganismo a Foragida

 Análise Crítica – De Rainha do Veganismo a Foragida


Review – De Rainha do Veganismo a Foragida
Depois de O Golpista do Tinder, esta minissérie documental De Rainha do Veganismo a Foragida é mais uma história de uma mulher vítima de um golpista delirante que teve a vida arruinada, embora aqui a situação seja um pouco mais complexa. A trama narra a trajetória de Sarma Melngailis, chef que ganhou notoriedade no cenário gastronômico de Nova Iorque ao abrir um restaurante todo focado em comida vegana crua. Rapidamente ela se tornou referência de um novo modelo de alimentação, atraindo atenção midiática, celebridades hollywoodianas e dando início a algo que poderia se expandir em uma grande multinacional.

Como essa é história de crime, nem tudo correu como esperado. As coisas mudam quando Sarma conhece o misterioso Shane, um sujeito que diz trabalhar para a inteligência militar dos EUA, e que se apaixona por Sarma. Os dois começam a se relacionar e Shane começa a exigir “provas de lealdade” por parte de Sarma para garantir que ela é confiável e não vai por o trabalho dele em risco. Logicamente essas provas de lealdade envolvem transferir dinheiro e passar coisas para o nome de Shane, que promete devolver esses valores e ainda dar mais dinheiro para Sarma conseguir comprar de volta o restaurante das mãos dos investidores.

É uma retórica muito típica de golpistas, pedindo dinheiro e fazendo altas promessas que nunca se concretizam. Nesse sentido, o mais assustador da história é perceber como até mesmo uma mulher estudada, bem sucedida e financeiramente independente pode ser vítima de um homem abusivo que a manipula psicologicamente e a faz viver em um estado de tensão. Usando a desculpa de que trabalha com operações secretas (uma mentira óbvia, já que qualquer pessoa que trabalhasse com isso teria uma história de cobertura e um cargo oficial de designação inofensiva dentro do governo) Shane começa a monitorar o cotidiano de Sharma e a controlar tudo que ela faz, deixando a chef paranoica com a possibilidade de estar sendo vigiada por inimigos desconhecidos.

Apesar de usar dispositivos típicos desse tipo de documentário, com entrevistas, imagens de arquivo ou reconstituições, a narrativa é eficiente em nos fazer entender como Shane manipulou Sarma e a deixou em um estado de fragilidade psicológica ao ponto de conseguir usá-la para roubar dinheiro das empresas dela. A narrativa também mostra o tratamento sensacionalista que a mídia deu ao caso, preferindo focar na suposta hipocrisia de alguém que se dizia vegana ter sido encontrada pelas autoridades pedindo pizza do que focar nos funcionários e investidores que foram prejudicados ou na dinâmica abusiva do relacionamento entre a chef e o marido.

Por outro lado, a minissérie faz um retrato muito unidimensional dos dois personagens e parece não querer ir a fundo nas motivações, nuances ou fissuras no discurso dos dois personagens, preferindo focar mais nas promessas delirantes feitas por Shane, como a de que ele conseguiria dar imortalidade a Sarma e ao cachorro dela, ou andar em círculos contando os vários episódios de manipulação entre Shane e Sarma, mesmo já estando evidente para o espectador o que estava acontecendo.

O documentário, por exemplo, nunca vai investigar o real passado de Shane (cujo nome verdadeiro é Anthony), se contentando com uma história da primeira esposa dele de que ele teria sido um fuzileiro naval que deu baixa depois de ser ferido em serviço. Ora, essas são informações fáceis de checar, afinal se ele serviu as forças armadas há algum registro. Do mesmo modo, um ferimento em combate deixaria alguma cicatriz visível que seria apontada, por exemplo, em exames de corpo de delito quando ele foi preso.

Ainda assim o documentário não faz qualquer esforço de entender de onde Shane veio ou como ele se tornou um golpista, apenas mencionando de maneira muito breve a relação que ele tinha com o pai alcoolatra e jogador inveterado. Considerando a retórica delirante de Shane, que fala em imortalidade e reencarnações, e o modo como ele reagia com agressividade quando apontavam esses absurdos seria lógico ponderar se o sujeito tinha algum transtorno mental ou se eram apenas instrumentos para manipular as vítimas. O documentário, no entanto, nunca levanta essas questões e prefere tratá-lo de modo unidimensional como um cônjuge abusivo (que ele sem dúvida é), sem explorar outras facetas de sua personalidade.

O mesmo acontece com Sarma, que é tratada o tempo inteiro como vítima e livre de qualquer responsabilidade de ter deixado de pagar seus funcionários ou lesado investidores. Mesmo quando o esquema de Shane já era evidente para ela e a própria admite estar ciente, ela ajuda Shane a trapacear investidores e a conseguir dinheiro que ela sabe que nunca irá pagar. Em uma ocasião ela e Shane passam um mês na Europa usando dinheiro das empresas dela enquanto funcionários e credores ficam sem receber e o documentário nunca a pressiona sobre ela ter se sentido incomodada com isso ou a faz admitir qualquer parcela de responsabilidade em ter lesado essas pessoas. Ao invés disso, da maneira como é mostrado, o documentário apenas aceita o discurso dela (e que as vezes tem contradições) de que ela estava tão imersa na narrativa criada por Shane que não conseguiu perceber o que estava realmente acontecendo.

Claro, Sarma se mostra evidentemente envergonhada em ter caído em um golpe tão óbvio e demonstra sentir o peso de tudo que aconteceu, tendo consciência de que sua imagem foi arruinada para sempre pelo incidente, mas, ainda assim, a dinâmica entre ela, Shane e a apropriação de fundos das empresas soa mais complexa do que o documentário dá a entender. Só nos últimos minutos do último episódio é que muito rapidamente a trama levanta a questão de que talvez Sarma tivesse embarcado na relação com Shane de olho no dinheiro que ele dizia ter, que talvez ela tivesse tentado dar um golpe nele sem perceber que ele estava dando um golpe nela.

Considerando o modo como Sarma trata inicialmente a possibilidade de casar com Shane como um arranjo de negócios e toma a decisão de casar pensando em como isso pode beneficiar sua empresa, essa era uma linha de investigação que poderia ser tomada, mas o documentário nunca a faz. Os realizadores poderiam ter colocado essas perguntas diante de Sarma (que concedeu entrevista à produção, ao contrário de Shane que se negou), no entanto, parecem apenas dar a ela o espaço para dizer o que bem entende sem ser questionada.

Desta maneira, De Rainha do Veganismo a Foragida envolve pela complicada história real que narra, ainda que a produção passe ao largo das complexidades e nuances do caso.

 

Nota: 6/10


Trailer

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo com a critica, a reportagem só investiga e opina um lado, interessante no final a pessoa depois de ser lesada de 6 Milhoes US$ ainda responde a um elogio do golpista...No fundo esses Stream inclundo a Netflix estão ultra sensacionalistas e estão caindo em descrédito. No fundo quem está se sentindo manipulado é o assinante que acaba caindo nesse sensacionalismo, muita enrolação. Já não é o primeiro, esão colocando mais espectativa do que merece como no documentário da roubo de bitcoin "Não confie em Ninguem" na versão em inglês Trust no One, um documentário que acaba sem definição de nada, para ver isso assisto um filme de ficcão não um documentário onde se espera fatos e conclusões.