quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Crítica – Morto Não Fala


Análise Crítica – Morto Não Fala


Review – Morto Não Fala
A premissa deste Morto Não Fala é algo bem típico de narrativas de fantasia e horror. Um sujeito comum mexe com forças sobrenaturais que não compreende muito bem com o intuito de obter alguma vantagem, mas logicamente essas forças se voltam contra ele e tudo começa a desmoronar.

Stênio (Daniel de Oliveira) trabalha no necrotério de São Paulo no turno da noite e tem a habilidade de falar com os mortos. Um dia um dos cadáveres que chega em sua mesa conta a Stênio que a esposa dele, Odete (Fabiula Nascimento), o está traindo com o dono da padaria. Indignado com a traição, Stênio decide tomar uma atitude drástica, mas revelar os segredos dos mortos coloca uma maldição sobre ele.

O filme acerta em adaptar essa premissa comum do gênero ao contexto e cotidiano brasileiro, fazendo tudo soar crível como aconteceu com o drama médico em Sob Pressão (2016). Pode parecer algo pequeno, mas muitas tentativas de fazer horror no Brasil muitas vezes esbarram no problema de tentar meramente reproduzir fórmulas hollywoodianas sem trazer essas estruturas para o nosso contexto cultural, como fez O Caseiro (2016) ao tentar fazer algo similar aos filmes estadunidenses de “casa mal-assombrada” e resultou em algo sem personalidade.

O filme coloca toda a situação dentro do cotidiano das periferias brasileiras e da questão da violência urbana causada pela chamada “guerra ao tráfico” que constantemente gera uma onda constante de mortos, sejam criminosos, policiais ou civis. O texto trata das consequências dessa violência urbana, em como ela reverbera nas pessoas ao redor e marca quem a comete. Também fala sobre a alienação do trabalho, já que boa parte dos problemas de Stênio em sua relação com Odete e com os filhos vem do tempo que ele passa no emprego e quando chega em casa depois de uma noite de trabalho ele está cansado demais para interagir. Nesse sentido, a trama remete a outros filmes de horror brasileiros que também tratavam do trabalho como algo que aliena, zumbifica ou transforma a pessoa em um fantasma ambulante como Trabalhar Cansa (2011) ou A Sombra do Pai (2018).

Para além dos temas de violência e trabalho, o filme é eficiente em criar situações de incômodo, tensão e gore. Os cadáveres despedaçados que chegam à mesa de Stênio são bastante realistas e algumas situações aproveitam de temores típicos do cotidiano brasileiro como o momento em que o protagonista caminha por uma sala cheia linhas de cerol, logicamente se cortando todo no processo. A trama também é eficiente em criar dúvida, durante parte de sua duração, sobre o que está realmente acontecendo, se Stênio é realmente capaz de falar com os mortos ou se tudo é imaginação dele por conta de não dormir direito, embora o filme não se furte em abraçar seu aspecto sobrenatural ao invés de tangenciar por um viés mais psicológico. Se existem assombrações amaldiçoando a vida dele ou se é ele próprio que está surtando e provocando esses eventos.

Morto Não Fala é uma grata surpresa ao construir uma eficiente trama de horror cheia de imagens sinistras e que reflete sobre violência urbana.

Nota: 8/10

Trailer

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