quarta-feira, 17 de julho de 2019

Crítica – Gotti


Análise Crítica – Gotti


Review – Gotti
Baseado na vida do mafioso John Gotti, este Gotti deveria ser um grande retorno do ator John Travolta ao prestígio que ele um dia teve. Claro, ele esteve na excelente primeira temporada de American Crime Story: O Povo Contra O.J Simpson, mas ali era mais um esforço conjunto do que um produto apoiado em uma única estrela. Além disso, a série foi um ponto fora da curva na filmografia recente de Travolta que tem estrelado um punhado de filmes ruins lançados direto para home video. Eu digo que Gotti deveria ser porque o resultado final claramente deixa Travolta ainda mais longe de recuperar sua reputação.

A trama conta a trajetória de John Gotti (John Travolta) no mundo do crime desde os anos 70 até sua eventual morte em 2002. Ao invés de contar essa história de uma maneira linear, o filme opta por construir sua trama em uma série de flashbacks a partir de uma conversa de Gotti com o filho, Gotti Jr (Spencer Lofranco), na prisão.

Essa escolha de desarrumar a temporalidade é o primeiro grande problema do filme. Ao fazer esse tipo de opção por desarranjo temporal, normalmente se escolhe algum eixo de alguma natureza para costurar tudo, mas aqui não parece haver uma espinha dorsal clara apoiando as escolhas do texto de ir e voltar no tempo. Não há um fio condutor, um conflito central e, dessa maneira, parece que estamos vendo uma colagem de “melhores momentos” do personagem sem qualquer causalidade entre eles.

Um exemplo é uma cena em que Gotti e um associado, Angelo (Pruitt Taylor Vince), estão reclamando com Gotti Jr sobre uma briga que o jovem começou na rua e como isso pode atrair a polícia para eles. A cena acaba e depois dela avançamos no tempo para um momento em que gravações envolvendo Angelo chegam às autoridades. Qual a relação entre os dois eventos? Nenhuma. Não há uma relação de causa e efeito ou mesmo de consequência entre as duas cenas. Na verdade, durante o filme todo mal há um senso de repercussão para os eventos mostrados, justamente porque tudo é extremamente fragmentado e episódico.

Não ajuda que o filme não tenha uma visão clara do retrato que quer construir do seu biografado. É para tentar dar conta da complexidade de Gotti como homem de família e criminoso implacável? É para mostrar a relação dele com o filho? Deveria ser sobre o fato dele ser um mafioso com um certo código de honra? Todas essas ideias são jogadas a esmo pelo filme, mas nunca se compromete com nenhuma e como tudo é tão solto a impressão é que ao final sabemos tanto sobre Gotti quanto sabíamos antes do filme começar, o que é um péssimo sinal para uma biografia.

Tanto o roteiro quanto a direção de Kevin Connolly (o Eric da série Entourage) não parecem ter a menor ideia de quem era Gotti, o que impelia suas ações, o que o motivava, o porque ele agia da maneira que agia. Isso fica evidente desde o início quando vemos que Gotti ressente e desconfia de praticamente todos os operativos da máfia ao seu redor. Longe de ser uma mente astuta e maquiavélica, Gotti parece um sujeito mesquinho, movido meramente por rancores pequenos. O filme, no entanto, nunca parece atentar para isso, usar esse traço de qualquer maneira, nem construir uma personalidade consistente para o protagonista ou mesmo qual seu ramo de atividade. Afinal, que crimes o grupo criminoso de Gotti cometia? Jogo ilegal? Tráfico de drogas? Fraudes financeiras? Não sabemos, o filme nunca apresenta isso.

Isso piora quando chegamos ao terço final da projeção e a narrativa começa a inserir imagens reais de arquivo da época do julgamento de Gotti com cidadãos comuns defendendo o mafioso e dizendo o tanto que ele fez por Nova Iorque. Nesse ponto, o texto parece querer apresentar Gotti como uma espécie de anti-herói, mas nada disso foi construído até aqui. Nunca vimos que ele tinha essa grande admiração e respeito do povo, nem que ele era esse grande contribuinte de sua comunidade. Toda essa ideia de Gotti como uma figura heroica e trágica, enquadramento que o filme assume até o final, soa gratuito, não merecido e jogado de qualquer jeito na última hora quando perceberam que a trama não possuía qualquer coisa que se assemelhasse a um clímax. 

A direção de Kevin Connolly é tão perdida quanto o texto, se limitado a copiar enquadramentos e movimentos de câmera de filmes do Martin Scorsese, como Os Bons Companheiros (1990) ou Os Infiltrados (2006), sem, no entanto, entender o que as faz funcionar ou qual o objetivo de Scorsese com suas escolhas estilísticas. Assim, o filme parece uma cópia tosca e grosseira de Scorsese ao invés de uma homenagem ou um comentário sobre o estilo do diretor.

Essa impressão de cópia gratuita também se verifica no modo como o filme usa música não original, tentando colocar canções de pop e rock de maneira irônica tal qual Scorsese faz em seus trabalhos, mas aqui o filme sequer consegue estabelecer esse efeito de ironia entre música e imagem, com a música aparecendo apenas como uma tentativa infantil de emular Scorsese. Na maioria das vezes, as escolhas de música que o filme faz soam deslocadas e sem sentido, como o uso do Tema de Shaft ou a escolha de House of Rising Sun para o enterro de Gotti, ao invés de ironicamente distantes.

A exceção de John Travolta, que de fato se compromete com seu personagem e tenta ao máximo dar alguma credibilidade a ele, apesar de ser constantemente sabotado por diálogos ruins, o resto do elenco muitas vezes caminha em direção do autoparódico. O melhor exemplo é Kelly Preston (esposa de Travolta na vida real) como a esposa de Gotti, a atriz pesa tanto no exagero dos trejeitos e sotaque da mulher que ela mais parece uma irmã bastarda da personagem de Marisa Tomei em Meu Primo Vinny (1992), com a diferença que Tomei de fato estava querendo ser engraçada, enquanto Preston se pretende a séria. A sensação é que todo mundo se comporta como se estivesse em alguma paródia de Os Bons Companheiros ou da série Família Soprano, mas o roteiro ou a direção estão levando tudo a sério.

Perdido, fragmentado e sem ter nada a dizer sobre seu biografado, Gotti é um desastre completo, sem nada que o redima. É daqueles filmes que é tão ruim que é difícil imaginar que alguém em algum momento achou uma boa ideia fazê-lo.

Nota: 1/10


Trailer

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