sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Crítica – Poderia Me Perdoar?


Análise Crítica – Poderia Me Perdoar?


Review – Poderia Me Perdoar?
Na prática, Poderia Me Perdoar? é algo que não deveria funcionar. Sua protagonista é uma criminosa de personalidade desagradável, movida por razões egoístas e por dificuldades que ela mesma criou para si. Ainda assim, o filme é um envolvente estudo de personagem que reconhece a complexidade de sua biografada.

Baseado em uma história real, a narrativa segue a escritora Lee Israel (Melissa McCarthy), especializada em escrever biografias, Lee chegou a ter um livro entre os mais vendidos do ranking do New York Times, mas agora vivia na pobreza e amargando o fracasso, precisando trabalhar como revisora para sobreviver. Parte do seu fracasso se devia aos seus objetos, escrevendo sobre personalidades sobre as quais ninguém se interessa mais. Sua personalidade abrasiva e agressiva é outro problema, tratando mal e com hostilidade praticamente todo mundo ao seu redor, Lee fechou para si muitas portas.

Não que a protagonista sinta exatamente falta de ter pessoas consigo. Lee é uma típica misantropa, detestando o contato com outros, preferindo ficar sozinha em seu apartamento na companhia de seu gato, um copo de uísque e a prosa cáustica e sagaz de autores como Noel Coward ou Dorothy Parker. Qualquer coisa que não se encaixe nessas três categorias é tratada com desprezo ou hostilidade por Lee, tornando-a uma pessoa difícil de conviver e de gostar. Sem trabalho ou meios de se sustentar, ela começa a forjar documentos, cartas ou bilhetes escritos pelos autores que admira para poder vendê-los a colecionadores.

Seria fácil reduzi-la a uma ególatra desagradável ou a uma coitada jogada à margem pela indústria literária, no entanto a diretora Marielle Heller e a atuação de Melissa McCarthy impedem que a personagem caia em extremos maniqueístas. É um erro comum de biografias que tratam de pessoas controversas, como o recente Vice que parece não ter nada a dizer sobre Dick Cheney além do fato dele ser um ser humano completamente desprezível.

O filme não hesita em mostrar o quanto Lee é responsável pela situação precária em que se encontra, sem deixar de reconhecer que há algo de trágico em sua história já que ela realmente tem talento como escritora e quer ser reconhecida por esse talento, algo que qualquer um pode entender. Seus crimes não são suavizados ou pintados com tintas apologéticas na tentativa de redimi-la, a trama reconhece a severidade de forjar documentos e como isso prejudica a análise e preservação de registros históricos, mas não deixa de observar a humanidade que há nessa pessoa difícil e desagradável.

Parte dessa humanidade emerge quando ela permite que algumas pessoas entrem em sua vida, como o excêntrico Jack (Richard E. Grant), um pequeno criminoso com quem Lee conversa e um bar iniciando uma amizade. Os maneirismos extravagantes e relaxados de Jack oferecem um bom contraste à seriedade e amargura de Lee, nos lembrando que ela é alguém capaz de empatia e amizade. Do mesmo modo, o breve flerte entre Lee e uma dona de livraria mostra que a despeito de suas falhas a protagonista também é capaz de afeto.

Por outro lado, o filme falha em dar contexto a quem são essas pessoas admiradas por Lee cujos documentos ela forja. O espectador que não for familiar por essas personalidades pode ficar sem entender o que essas pessoas têm de tão especial ao ponto da protagonista sacrificar o sucesso profissional para continuar a escrever sobre essas pessoas apesar da falta de interesse público. A ausência desse contexto também faz parecer fácil o modo como Lee forja os documentos.

Sim, eu sei que o filme é mais um estudo de personagem do que uma narrativa criminal e de suspense, mas esses elementos acabam tornando difícil que alguém pouco acostumado com o meio literário fique devidamente imerso no universo construído pela trama. O mesmo pode ser dito sobre o funcionamento dessa subcultura de colecionadores de artefatos históricos cujas regras não são expostas ao público fazendo a fácil aceitação e eventual rejeição soarem como meras necessidades de roteiro (quando, na verdade, não são).

Ainda assim, Poderia Me Perdoar? é um cuidadoso estudo de personagem elevado pelo trabalho de Melissa McCarthy. Um retrato complexo de uma pessoa de conduta questionável que evita maniqueísmos simplórios.


Nota: 7/10

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