terça-feira, 14 de agosto de 2018

Crítica – Mentes Sombrias


Análise Crítica – Mentes Sombrias


Review – Mentes Sombrias
As adaptações de literatura adolescente se tornaram um grande filão comercial em Hollywood no início dos anos 2000 graças ao sucesso de títulos como Harry Potter, Jogos Vorazes ou mesmo Crepúsculo (estou falando em termos de sucesso comercial, não necessariamente artístico). Na esteira desse sucesso surgiram vários produtos similares, também baseados em produtos literários, que queriam explorar o filão, mas a maioria deles sequer conseguiu contar suas histórias até o fim como o caso de Percy Jackson, O Lar das Crianças PeculiaresDivergente ou Instrumentos Mortais (que depois virou série televisiva).

Se o desgaste dessas adaptações de literatura adolescente, principalmente as que se baseiam em distopias futuristas, já não estava evidente, este Mentes Sombrias é a prova que faltava que esse filão comercial já não tem mais lenha para queimar. A trama se passa em um futuro alternativo no qual a maioria das crianças ou adolescentes foram mortas por um vírus mortal. As que sobreviveram ao vírus desenvolveram habilidades especiais que vão desde inteligência aumentada até controle da mente e o governo avalia cada uma dessas habilidades com um nível de periculosidade associando uma cor à posse dessas habilidades, sendo que cada jovem exibe olhos que são da mesma cor que a escala de periculosidade do governo, o que é bem conveniente, já que em momento algum a narrativa afirma que a escala foi elaborada a partir dos olhos das pessoas.

O que o governo faz com esses jovens com poderes especiais? Bem, eles são levados para campos de prisioneiros. Eles são exterminados? Não, exceto pelos “vermelhos” e “laranjas”, que são considerados os mais perigosos graças a seus poderes de pirocenese e controle mental respectivamente. E os demais adolescentes, o que acontece com eles? Eles ficam lá presos, sem fazer muita coisa exceto colocar cadarços nas botas dos guardas, a única atividade que eles são mostrados desempenhando. Se o governo não os usa para nada, qual a razão de mantê-los presos ao invés de matar todos? Aí você me pegou, porque essa é uma pergunta que o filme nunca responde e não parece ter o menor interesse em respondê-la.

No centro de tudo está a garota Ruby (Amandla Stenberg, que foi a Rue em Jogos Vorazes), uma “laranja” que consegue evitar o extermínio ao usar seu poder em um médico para que ele a classifique como “verde”, os jovens de menor periculosidade que tem somente um aumento na inteligência. Um dia ela tem seus poderes descobertos, mas quando está para ser morta é salva pela médica Cate (Mandy Moore), que faz parte de uma rebelião. Fora do cativeiro, Ruby acaba fugindo de Cate e se junta ao grupo de adolescentes formado por Liam (Harris Dickinson), Bolota (Skylan Brooks) e Zu (Miya Chech). O grupo está a procura de um acampamento de jovens fugitivos, no qual creem que estarão seguros.

Se não ficou claro pelos parágrafos anteriores, toda a construção deste universo ficcional é incomodamente frouxa, cheia de furos e lacunas que nunca justificam bem a razão das coisas terem tomado este rumo específico. Em um dado momento alguém diz que sem crianças a economia entrou em colapso, o que não faz muito sentido, já que crianças não trabalham, não produzem e consomem o que adultos dão para elas. Se tivessem passado décadas desde o início da doença isso talvez fizesse sentido, mas como foram apenas seis anos, parece pouco tempo para que todo o país tenha entrado em completo colapso. Tudo soa tão mal elaborado e artificial, que é difícil embarcar neste mundo.

Outro problema é que a narrativa não tem nada a dizer sobre esse universo. Se Jogos Vorazes ou Divergente usavam seus universos para falar sobre retórica fascista ou manipulação midiática e os filmes dos X-Men usam a mutação como metáfora para o preconceito social, Mentes Sombrias não usa sua premissa para falar coisa alguma. Sim, existem algumas mensagens rasas sobre autoaceitação, mas no geral soa como um amálgama de Jogos Vorazes (em um dado momento Ruby faz uma saudação similar a que Katniss fazia aos revolucionários de sua história) e X-Men desprovido de todo o subtexto e ideias que tornavam essas franquias tão interessantes.

Além do universo em si, os personagens também são inconsistentes. Liam diz que fugiu da rebelião da qual Cate fazia parte por não querer ser transformado em soldado, mas quando o grupo chega no acampamento dos jovens fugitivos, Liam não tem qualquer problema em empunhar armas de fogo e literalmente se vestir como um soldado. Aliás, ele nunca explica direito porque ele acha a rebelião tão ruim. Afinal, tentar iniciar uma guerrilha contra um governo fascista soa bastante compreensível, já que não há uma alternativa pacífica para remover um regime estatal desses. Liam por acaso espera que os fascistas desistam e cedam o poder por conta própria porque ficaram entediados?

Mesmo quando não são inconsistentes, não há muito mais substância nesses personagens além de uma coleção de clichês sem charme que já vimos em tantos outros filmes para o público jovem. Da heroína hesitante (Ruby), passando pelo melhor amigo engraçadinho (Bolota) e também pelo cenário distópico no qual adolescentes são divididos em categorias e precisam enfrentar adultos opressores, tudo segue à risca e sem qualquer esforço criativo as fórmulas já estabelecidas desse tipo de história.

O elenco de coadjuvantes desperdiça bons atores em papéis minúsculos e irrelevantes. Gwendoline Christie (a Brienne de Game of Thrones) interpreta uma caçadora de recompensa que deveria ser a mais letal do ramo, mas é facilmente derrotada pelos personagens nas duas vezes em que se encontra com eles e sua presença não tem impacto ou repercussão alguma na trama. Bradley Whitford (o vilão do excelente Corra!) não tem praticamente nada a fazer como o presidente, enquanto que Mandy Moore fica presa a papel excessivamente expositivo.

O ritmo irregular é outro problema, já que pouco acontece na trama e os personagens passam boa parte do tempo vagando por florestas ou construções abandonadas sem que qualquer coisa muito importante suceda. Durante boa parte do tempo o filme parece mais interessado no romance entre Liam e Ruby, que acontece simplesmente porque o roteiro diz que ele tem que acontecer já que Liam se apaixona instantaneamente por Ruby, do que mover a história para frente. A questão é que toda a coleção de cenas “será que ele vão ficar?” não funciona porque desde a primeira cena deles juntos o enlace amoroso fica constrangedoramente evidente.

As poucas cenas de ação que o filme apresenta são burocráticas e fazem pouco para explorar de maneira criativa os poderes dos personagens, falhando em oferecer qualquer senso de perigo ou empolgação. Algumas cenas sequer conseguem estabelecer um senso de coesão especial, como a perseguição do começo do filme na qual Cate simplesmente aparece no nada sendo que ela não tinha como saber para onde Ruby, Liam e os demais estavam indo. Elas também são prejudicadas pela computação gráfica pouco convincente que faz tudo parecer ainda mais artificial.

Mentes Sombrias parece algo pensado em alguma reunião de executivos de estúdio. É uma reprodução preguiçosa, rasa e sem graça de um conjunto de fórmulas sem acrescentar um pingo de personalidade, prejudicada ainda por um roteiro inconsistente e personagens enfadonhos.

Nota: 2/10


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