quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Crítica - The Sinner

Análise The Sinner


Review The Sinner
Uma mulher está em um piquenique com seu marido e filho quando simplesmente se levanta e esfaqueia brutalmente um homem até a morte. Parecendo estar fora de si, ela é contida pelo marido até que a polícia chega. Ela admite ter matado o homem, mas não consegue explicar o que a levou a isso, sua vítima era um completo desconhecido, nunca havia lhe feito nada, ela não tem nenhum histórico de doença mental ou agressividade e ainda assim matou um homem violentamente. O que teria levado Cora (Jessica Biel) a cometer o crime? Ela está sendo sincera ou escondendo algo? Estaria ela lúcida ou em um estado de surto? Essas e outras perguntas dão início à instigante série The Sinner que traz um exame complexo sobre culpa e crime. O texto a seguir pode conter alguns SPOILERS.

Boa parte do mérito da série repousa sobre os ombros de Jessica Biel, se sua personagem não funcionasse seria impossível embarcar nos dilemas que a narrativa propõe. Ela é serena e lúcida durante boa parte do tempo, mas permite que percebamos severos traumas sob a superfície de mãe de família pacata. Ela não foge à responsabilidade do assassinato que cometeu, no entanto claramente esconde segredos da polícia. Essa ambiguidade e incapacidade de sabermos se ela é uma mulher extremamente traumatizada, uma sociopata fria enganando todos ou simplesmente alguém que momentaneamente perdeu o controle torna Cora uma figura fascinante e cheia de camadas, mantendo o nosso interesse durante os oito episódios da série.


Como o título sugere (significa "a pecadora" em português) é uma trama sobre culpa, mas não apenas sobre a culpa dela em relação ao crime, mas como muitas normas sociais, em especial a moral "judaico-cristã ocidental" já que a religião tem um papel proeminente no passado da protagonista, trabalham para construir tabus em torno de questões como sexualidade. Isso fica evidente conforme flashbacks revelam o passado de Cora e criação religiosa rígida que ela teve, na qual sua mãe lhe transferia culpa e responsabilidade por coisas que nada tinham a ver com a jovem Cora, como os graves problemas de saúde de sua irmã. Em uma cena a mãe de Cora descobre que ela comeu chocolate e diz à garota que foi por causa de seu pecado da gula que sua irmã piorou, obrigando Cora a fazer uma longa oração de penitência.

A questão da culpa também está presente no arco do detetive Ambrose (Bill Pullman), cuja relação com a esposa se tornou algo burocrático, mas se mantém casado por uma espécie de senso de dever. Ele tem uma predileção por masoquismo e vive uma relação extraconjugal de submissão com uma garçonete dominadora. Ao mesmo tempo em que tem certa satisfação em ser dominado, conforme a relação dele com a dominadora progride vamos percebendo que seu desejo por dor não é algo relacionado apenas com prazer sexual, mas também como uma espécie de autopunição. É quase como se ele se penitenciasse por não corresponder ao ideal de marido que deveria ou pelas suas falhas como detetive em não conseguir desvendar o caso de Cora. Esse desejo de penitência do detetive ajuda a entender seu interesse em decifrar Cora, uma vez que Ambrose parece ver nela um igual, alguém sufocado pelo peso de diferentes tipos de culpa que carrega ao ponto de sequer saber porque se sente tão mal.

As revelações que aos poucos vão acontecendo constantemente suscitam mais perguntas do que respostas, como o fato dela não saber como injetar heroína a despeito das várias marcas em seu braço, levando a trama por caminhos inesperados e nos pegando de surpresa sempre que achamos que já conseguimos entender o que aconteceu. A revelação final envolvendo Cora e o homem que ela matou acerta ao não tornar a descoberta algo maniqueísta. Seria muito fácil e conveniente se a vítima de Cora a tivesse estuprado ou agredido no passado, mas o fato de ter sido tudo um acidente trágico ajuda a dar mais complexidade ao que aconteceu e também à discussão sobre culpa que a trama tenta propor. Afinal por um lado Cora estava em espécie de surto no momento do crime (explicar o motivo seria dar um grande spoiler) e por outro ela matou um homem que direta ou conscientemente não tinha lhe causado nenhum mal, o que levanta um debate jurídico, ético e moral bastante complexo e que é manejado com maturidade e sem soluções fáceis.

The Sinner é competente em tecer um instigante mistério que é enriquecido pela performance cuidadosa de Jessica Biel e por um debate rico sobre culpa.

Nota: 8/10

Trailer

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