quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Crítica - Entre Irmãs

Análise Entre Irmãs


Review Entre Irmãs
Com Entre Irmãs o diretor Breno Silveira (de Gonzaga: De Pai Para Filho e Dois Filhos de Francisco) ambiciona ser um grande épico sobre relações familiares e a formação da sociedade brasileira. Da duração do filme à música sempre presente e em alto volume tudo evoca grandiosidade, mas não deixa de ser curioso que os momentos em que tudo realmente funciona se dão quando a obra deixa essa pretensa grandiosidade de lado e foca nas pequenas coisas do cotidiano de suas duas protagonistas.

A narrativa é centrada nas irmãs Luzia (Nanda Costa) e Emília (Marjorie Estiano), que vivem no interior pernambucano nas primeiras décadas do século XX. As irmãs acabam separadas quando o cangaceiro Carcará (Júlio Machado) leva Luzia à força para acompanhar seu bando e Emília se casa com Degas (Romulo Estrela), um jovem abastado que vive em Recife, e se muda com ele para a capital.

Já na primeira cena, com as personagens ainda crianças, o filme estabelece as personalidades contrastantes das irmãs. Luzia é destemida e resoluta, Emília é romântica e ingênua. Poderiam ser personagens unidimensionais, mas Nanda Costa e Marjorie Estiano as preenchem de sentimentos, dúvidas, conflitos e frustrações tão verdadeiras que acreditamos nas personagens mesmo quando o texto deixa a desejar. Há uma grande naturalidade na relação entre elas e as duas comunicam muito uma para outra mesmo sem falarem diretamente.

Mesmo quando separadas, as duas continuam excelentes ao evocar a dor e solidão que elas experimentam ao longo de suas vidas. Pela interpretação de Nanda Costa é possível compreender o que a atrai nela em Carcará, com Luzia reconhecendo nele o mesmo espírito indomável em que vê em si. Marjorie Estiano, por sua vez, apresenta a mágoa e frustração de Emília ao perceber que a vida na alta sociedade não é nada do que tinha sonhado.

O pano de fundo do cangaço e do governo Vargas (que é citado através de um político fictício) são usados com inteligência para traçar paralelos com os dias atuais. Seria fácil reduzir a questão a um maniqueísmo, com Luzia e os cangaceiros sendo reduzidos a vilões e Emília e a classe média recifense vistos como bonzinhos. O filme exibe com cuidado o contexto de injustiças sociais que permitem a ascensão do cangaço sem, no entanto, relativizar a violência e brutalidade perpetrada por eles. Do mesmo modo, ao olhar para a família de Degas não se furta em expor a futilidade, preconceitos e hipocrisia de uma elite conservadora que se julga superior, se preocupa somente com as aparências e recorre a artifícios pseudocientíficos (a Frenologia já foi formalmente rejeitada enquanto ciência faz tempo) para justificar preconceitos que persistem até hoje.

O principal problema, porém, é a maneira pouco sutil com a qual o filme vai construindo suas ideias e temas. Logo no início a tia das protagonistas lhes diz "tudo que vocês tem é uma a outra", mastigando de maneira pouco orgânica o tema principal do filme. Em outro momento, Emília confessa seus problemas conjugais para sua amiga Lindalva (Letícia Colin) e amiga aponta o quão trágico é o fato de alguém tão romântica quanto Emília ser infeliz no casamento, explicando de maneira óbvia o conflito da protagonista como se o público fosse incapaz de perceber isso por conta própria. A falta de sutileza também torna algumas reviravoltas óbvias demais. A narrativa chama tanta atenção para o fato de Degas não beijar Emília na boca durante a cerimônia de casamento que se torna evidente o segredo que ele esconde. Quando Emília finalmente o descobre lá pela metade do filme, a revelação perde todo o impacto porque tudo tinha sido telegrafado claramente muito tempo atrás.

Essa falta de sutileza também se verifica no uso da música. Sempre presente de modo excessivamente intrusivo e recorrendo constantemente a acordes chorosos de instrumentos de corda, a música acaba soando manipulativa demais principalmente diante das interpretações poderosas de Costa e Estiano. Com atrizes tão competentes a música não precisava chamar tanta atenção para si e mais parece que ela está competindo com as performances, querendo ser mais grandiosa e imponente que os sentimento das personagens, do que dialogando com elas.

Atrapalha também o fato da trama não saber quando terminar. O ápice emocional já é atingido no reencontro das duas irmãs, mas ainda assim o filme escolhe continuar sua história. A partir daí acrescenta mais epílogos do que o final de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), dando a vários personagens secundário um desfecho só seu e encerrando esses arcos com uma torrente de diálogos explicativos que martelam de maneira óbvia o tema de cada um deles.

Entre Irmãs acaba se sustentando mesmo pela força das performances de suas protagonistas e o modo como usa seu cenário de época para compreender a sociedade brasileira. Nesse sentido é uma pena que o filme fique tão impressionado com sua própria grandiosidade que acabe perdendo de vista suas principais virtudes.


Nota: 7/10

Trailer

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