quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Crítica - Star Trek: Sem Fronteiras



O reboot da franquia Star Trek encabeçado por J.J Abrams em 2009 conseguiu fazer o universo concebido por Gene Roddenberry voltar a ser bem sucedido nos cinemas. Sua continuação, Além da Escuridão: Star Trek (2013) manteve o sucesso, apesar de dividir os fãs. Abrams, que tinha encabeçado os dois filmes, deixou a franquia para revitalizar outro grande ícone dos cinemas com Star Wars: O Despertar da Força (2015) e o comando deste Star Trek: Sem Fronteiras caiu na mão de Justin Lin, diretor responsável por Velozes e Furiosos 6 (2013) e outros exemplares da franquia de ação. A escolha deixou muita gente com receio de que Lin, habituado a filmes de ação bombásticos, não seria a escolha adequada para a um Star Trek. Felizmente o diretor consegue manter a qualidade dos filmes anteriores e compreende o que torna esse universo tão singular.

Na trama a tripulação da Enterprise está no terceiro ano de sua missão de exploração das partes desconhecidas do espaço. O aniversário de Kirk (Chris Pine) se aproxima e ele se dá conta que agora está superando a idade que seu pai tinha e começa a questionar seu papel na Frota Estelar, já que nesta continuidade ele se alistou ao ser desafiado a realizar feitos semelhantes aos do pai. Os problemas começam quando a tripulação responde um chamado de socorro em um planeta desconhecido e a Enterprise é atacada pelas naves-enxame do misterioso Krall (Idris Elba), que estava em busca de um antigo artefato alienígena que estava à bordo. Sem condições de rechaçar o ataque, Kirk e seus companheiros fogem para um planeta próximo. Sozinhos em um planeta que não consta nos mapas e sem ter como contatar a Frota Estelar, a tripulação da Enterprise conta apenas com sua inteligência e audácia para reverter a situação.

Dos filmes feitos nessa nova continuidade esse é o que mais parece com um episódio da antiga série, com a Enterprise chegando a um mundo desconhecido, sendo colocada em meio a uma crise e tendo que contar com a cooperação entre seus integrantes para superar um problema. O roteiro escrito por Simon Pegg, que interpreta o Scotty, e Doug Jung entende muito bem quem são esses personagens e acerta ao separar o grupo, produzindo pareamentos pouco usuais nessa nova continuidade. Assim, temos mais tempo para ver personagens que pouco interagiram entre si como Uhura (Zoe Saldana) e Sulu (John Cho), McCoy (Karl Urban) e Spock (Zachary Quinto) ou Kirk e Chekov (Anton Yelchin). Scotty, por sua vez, interage com Jaylah (Sofia Boutella, do ótimo Kingsman: Serviço Secreto), uma guerreira alienígena que também teve sua nave atacada por Krall e ficou presa no isolado planeta.

Jaylah não é exatamente uma personagem com muito conteúdo, mas funciona pelo carisma e presença de Boutella e protagoniza boas cenas de ação, inclusive uma luta com pouquíssimos cortes contra um capanga do vilão. Karl Urban e Zachary Quinto tem momentos bastante divertidos conforme vemos McCoy e Spock tentando fugir de seus perseguidores. Spock, assim como Kirk, também tem seus próprios dilemas em relação ao seu papel na Frota Estelar, já que notícias ruins da nova colônia de seu planeta (que foi destruído no primeiro filme do reboot), o levam a pensar que talvez devesse dar assistência a seu povo.

Já Chris Pine traz um Kirk um pouco mais maduro e em dúvida sobre seus caminhos agora que superou seu pai e não tem mais sua sombra pairando sobre si, mas ainda mantendo o charme cafajeste do personagem. É uma pena, no entanto, que o agora falecido Anton Yelchin tenha pouco a fazer com seu Chekov, já que este foi seu último filme com o personagem. Como um todo, o elenco continua funcionando muito bem, exibindo uma excelente química entre si e convencendo que são pessoas que estão há anos convivendo juntas no mesmo espaço, muitas vezes dizendo muito um ao outro apenas com pequenos ou olhares.

O Krall vivido por Idris Elba se beneficia da postura imponente e voz cavernosa do ator britânico, conseguindo sempre soar como uma verdadeira ameaça à tripulação da Enterprise. Krall certamente entra no hall de vilões trágicos da franquia, mas seus planos soam um pouco vagos e suas motivações são jogadas muito rapidamente na tela. Fica a sensação de que poderia ter mais uma ou duas cenas que trabalhassem melhor o percurso que ele trilhou para tornar daquele jeito. Ainda assim o vilão funciona não apenas pela competência de Elba, mas por sua jornada servir como uma espécie de espelho e alerta à Kirk. Assim como o capitão da Enterprise, Krall foi alguém que perdeu seu rumo diante da infinitude do espaço, que ficou sem certeza de seu lugar no mundo e passou a crer apenas na própria força.

As cenas de ação são movimentadas e muito bem conduzidas, com a câmera e a montagem passeando entre os muitos personagens sem se perder no caos de muitas ações simultâneas. Algumas são inclusive bem criativas, como o embate entre Kirk e Krall em um ambiente no qual a gravidade muda constantemente ou a cena que ele invade o covil do vilão em uma moto. Assim como nos anteriores, o filme jamais se furta de mostrar as consequências dos embates e a cada tiro que vemos a enterprise tomar, vemos os membros da tripulação (usando, como sempre, camisas vermelhas) se ferindo ou sendo jogados no vácuo do espaço, dando mais peso dramático ao nos lembrar das vidas que estão em jogo, diferente da destruição impessoal de muitos blockbusters recentes.

Há uma cena de ação perto do fim que talvez incomode trekkies mais puristas pelo uso da canção Sabotage dos Beastie Boys (a mesma usada no primeiro trailer). Ela é executada dentro do universo do filme e lembrando que Kirk tem uma relação com essa música nessa nova continuidade (ele a ouve no primeiro filme), seu uso soa natural, mas como muita gente torceu o nariz quando a canção apareceu nos trailers, imagino que não irão gostar de ouvi-la no produto final. Falando em música, as composições de Michael Giacchino continuam a evocar o clima de aventura, mistério e grandiosidade que se espera de uma aventura da Enterprise.

Apesar da mudança de diretor Star Trek: Sem Fronteiras entrega uma aventura bastante digna, cheia de humor e empolgação, ancorada pelos seus ótimos personagens, dialogando com as raízes da franquia (os fãs devem encontrar muitos easter-eggs) ao mesmo tempo que trilha seus próprios caminhos.


Nota: 8/10

Trailer

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