quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Crítica – Ângela

 

Análise Crítica – Ângela

Review – Ângela
O assassinato de Ângela Diniz pelo companheiro Raul “Doca” Street foi um ponto de virada na discussão sobre feminicídio no Brasil. Inicialmente o assassino saiu praticamente incólume ao usar o argumento machista de “defesa da honra”, o Ministério Público recorreu e conseguiu uma sentença mais coerente com a severidade do crime. Toda essa discussão está ausente de Ângela, produção que foca na relação entre a socialite e Street, discorrendo sobre o impacto do crime apenas em cartelas de texto ao final.

A trama segue Ângela (Isis Valverde) do momento em que ela primeiro conhece Raul (Gabriel Braga Nunes) em uma festa até seu assassinato nas mãos do companheiro. É uma escolha estranha de parar a história no momento do crime, já que é nos desdobramentos posteriores e em toda a discussão sobre feminicídio o motivo do caso ter sido tão emblemático e permanecer até hoje em nossa memória coletiva originando produções como esta ou o excelente podcast Praia dos Ossos.

Ao se manter apenas no ciclo de abuso do relacionamento, indo de pequenas atitudes agressivas que parecem só ciúme, passando por agressões físicas e verbais até chegar no eventual assassinato, o filme parece reduzir Ângela a uma vítima de machismo, deixando pouco espaço para que a personagem demonstre qualquer outra faceta. O filme até tenta mostrar a protagonista como alguém que não deseja se encaixar nos lugares sociais aferidos às mulheres de sua época como fica evidente nas conversas com a amiga Tóia (Bianca Bin) ou com a empregada, mas é muito pouco para lhe dar mais camadas.

Incomoda também como o filme martela com pouca sutileza sua tese principal, a de que Ângela Diniz era constantemente punida por uma postura independente e não conformista, seja em sua relação com Raul, seja no casamento anterior no qual acabou perdendo a guarda dos filhos. Em uma conversa logo nos primeiros minutos entre Ângela e uma amiga já ouvimos falas tipo “a justiça é dos homens” que explicam em forma de platitude os argumentos que o filme tenta construir. Mais para frente, em uma conversa com a empregada, Ângela menciona como mulheres “bocudas” que falam o que pensam são mal vistas. Tudo deixando muito explícito o destino final da protagonista como alvo de um feminicídio.

Isis Valverde evoca bem a melancolia de Ângela Diniz em seu anseio por querer algo mais além daquilo que a sociedade espera de uma mulher em sua posição. A degradação psicológica da protagonista, cada vez mais isolada conforme a conduta do companheiro se agrava, também é ilustrada na performance da atriz, embora limitada por um texto unidimensional. Chris Couto tem uma participação breve, mas marcante como a mãe de Ângela, transparecendo afeto e preocupação maternal nas conversas por telefone com a filha.

Gabriel Braga Nunes já tinha mostrado em outros papéis que sabe muito bem interpretar um canalha e aqui ele não faz nada que já não tenha feito antes, igualmente limitado em um texto superficial. É esquisito, inclusive, que o texto nunca use o apelido Doca para se referir a Raul, já que era o modo pelo qual ele era comumente referido e é o nome usado durante toda a cobertura do caso. Talvez a escolha vise evocar um distanciamento, uma falta de intimidade, mas ao não usar em momento algum o nome que ficou registrado na infâmia do caso faz parecer que se tratam de pessoas diferentes, facilitando a dissociação da figura real com o personagem do filme.

Ao se limitar aos abusos da relação entre a protagonista e o companheiro, Ângela esvazia muito da discussão ao redor do caso de Ângela Diniz e como ele foi importante nas discussões sobre violência contra a mulher no Brasil. O podcast Praia dos Ossos produzido pela Rádio Novelo traz uma exploração mais ampla e consistente sobre o caso.

 

Nota: 4/10


Trailer

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