quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Crítica – Na Mira do Júri

 

Análise Crítica – Na Mira do Júri

Review – Jury Duty
Faz tempo que eu não via uma série tão singular quanto Na Mira do Júri. Misturando ficção e realidade, a série se apresenta inicialmente como um documentário sobre pessoas que servem como jurados em julgamentos nos Estados Unidos. Logo de cara, no entanto, a série nos informa que todo o julgamento é encenado e praticamente todos os sujeitos filmados são atores exceto um dos jurados, Ronald Gladden, um sujeito comum que acha que foi realmente convocado a servir em um júri e que agora precisa navegar pelos meandros do tribunal e lidar com os excêntricos colegas de júri.

Ronald é como um protagonista de filme que não sabe que é um protagonista. Tudo é feito ao redor dele e a trama precisa se adaptar ao modo como ele reage aos eventos e outros personagens. É um esforço logístico hercúleo para uma produção funcionar assim, tendo um roteiro, mas precisando de espaço para improvisar caso Ronald decida seguir por outros caminhos.

É uma estrutura narrativa que poderia facilmente descambar para uma grande pegadinha de mau gosto, manipulando o sujeito real em situações humilhantes ou que o instigassem a agir como o pior ser humano possível. Felizmente não é isso que acontece e a série nos faz rir com Ronald ao invés de nos fazer rir dele. O humor vem justamente da contraposição que são as reações de um sujeito comum a um conjunto de personagens que são extremamente caricatos e que não parecem viver na mesma realidade que nós. A graça emerge de Ronald tentando racionalizar, dialogar e se tornar amigo de figuras extremamente pitorescas como o ciberneticista Todd (David Brown) que sempre tem uma invenção maluca para “facilitar” a vida, mas que na verdade é impossível de usar.

Nesse sentido muito da série se sustenta pela personalidade empática de Ronald, que genuinamente tenta ajudar as pessoas ao seu redor e se envolve com interesse tanto no caso que tem que julgar quanto em ajudar os colegas de júri com seus problemas. Claro, o fato do júri estar isolado facilita que eles se conectem, já que ficar preso num hotel por mais de duas semanas com o mesmo grupo de pessoas inevitavelmente irá te obrigar a interagir com elas. Ainda assim é visível a preocupação de Ronald com os colegas, sendo simultaneamente encantador e divertido ver esse sujeito aparentemente gente boa tentando dar algum grau de paz ou ordem a todo caos urdido pelos demais personagens.

Enquanto protagonista, Ronald é um achado, porque poucas pessoas iriam se envolver tanto assim com os indivíduos ao seu redor e isso faria muitas subtramas inicialmente planejadas deixarem de existir. Lógico, o mérito também está no elenco, que consegue criar personagens dotados de alguma complexidade e de realismo emocional mesmo agindo das maneiras mais bizarras imagináveis. Os atores precisariam estar no personagem sempre que estivessem na presença de Ronald, mesmo sem interagir diretamente com ele, o que requer muita concentração e entendimento do personagem, já que eles precisavam agir de modo coerente o tempo todo porque estariam aparecendo em câmera mesmo que ao fundo da cena e também para que Ronald não suspeitasse de nada.

Nesse sentido não posso deixar de comentar o trabalho do ator James Marsden como uma versão extremamente babaca e ególatra de si mesmo. Algumas das cenas mais engraçadas da série envolvem Marsden agindo como uma completa diva durante o julgamento, fazendo exigências absurdas ou querendo ser o centro das atenções o tempo todo. É louvável que Marsden tenha essa capacidade de rir de si mesmo e entendimento de como a maneira como celebridades se portam pode soar ridícula em meio de um monte de gente comum.

Marsden se mantem comprometido com essa persona ególatra mesmo quando as situações pedem que ele aja de maneira tão extrema que causa repulsa em Ronald, como na cena em que o ator dá um chilique por ter perdido um papel e destrói a festa que Ronald e os demais montaram para outro jurado. É visível que Ronald fica magoado com as ações de Marsden e o fato do ator se manter no personagem mostra a concentração e comprometimento dele em cena. Claro, a produção percebe a decepção de Ronald e constrói todo um arco de redenção para Marsden se reaproximar dele, mas tudo isso só acontece porque Ronald mostrou um apego emocional que a produção não esperava e tentaram agir para não deixá-lo triste.

O episódio final mostra justamente o que aconteceu nos bastidores durante toda a série, com Ronald sendo informado que nada era real e a produção levando ele (e nós) por um tour dos bastidores e como tudo acontecia. O episódio não apenas nos permite ver toda a complexa logística da produção como também a maneira que eles tinham que agir rápido para se adequar a ações inesperadas de Ronald e os laços genuínos que o protagonista formou com os demais personagens, inclusive mostrando que Ronald continua a conviver com o elenco mesmo depois do fim do projeto.

Misturando ficção e realidade Na Mira do Júri entrega uma narrativa cheia de humor que explora de maneira inesperadamente hábil sua premissa esquisita.

 

Nota: 9/10


Trailer

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